Fidel Castro não ataca só George Bush por promover o uso de biocombustíveis. Pela primeira vez, criticou o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, por assinar acordos com os EUA para multiplicar o uso do etanol.Segundo o líder cubano, essa política terá "efeitos devastadores" na produção de alimentos no Terceiro Mundo.
Em uma reportagem publicada no jornal oficial do Partido Comunista Cubano, "Granma", Castro desqualifica em termos duros as conclusões sobre o uso do etanol tiradas nos recentes encontros em Brasília e em Camp David (EUA) entre Bush e Lula. "Aplicar essa fórmula em escala mundial representa a internacionalização do genocídio", afirmou o dirigente cubano convalescente.
Castro lembrou que Lula publicou um artigo em "The Washington Post" no qual expôs a idéia de transformar os alimentos em combustível. "O presidente do Brasil afirmou que menos de 1% da terra cultivável brasileira é dedicada à cana para produzir álcool. Essa superfície é quase o triplo da que se empregava em Cuba quando se produziam quase 10 milhões de toneladas de açúcar. Não é minha intenção ofender o Brasil, nem me imiscuir em assuntos relacionados à política interna desse grande país", indica Castro.
Mais tarde, ele denuncia que em Camp David não se resolveram questões fundamentais, como quem fornecerá os cereais necessário para os países desenvolvidos produzirem etanol. Castro, que aposta em métodos mais simples de economia energética, como o uso de lâmpadas incandescentes aplicado em Cuba, encontrou no etanol e nos biocombustíveis um novo campo para atacar os EUA. O mesmo acontece com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que fez um giro pela América Latina para condenar a obtenção de biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar e sementes de milho, girassol e colza.
A credibilidade das críticas de Castro e Chávez está sendo questionada, porque é mais que sabido que até pouco tempo atrás os dois estavam interessados em promover o etanol. Ambos passaram para o lado contrário pouco depois que Bush visitou o Brasil e assinou acordos com Lula para aumentar a produção de biocombustíveis. Os analistas atribuem a mudança de posição a considerações políticas, e não ambientais.
Há poucas semanas, Chávez promovia um projeto de cinco anos para cultivar cana para produzir etanol com apoio técnico do Brasil e Cuba. Foram planejadas 15 novas usinas para obter 30 mil barris de etanol diários. Há apenas um mês Havana e Caracas anunciaram um acordo para construir 11 usinas de etanol na Venezuela com know-how cubano. O acordo incluía a modernização de dez usinas em Cuba e a construção de outras oito baseadas em métodos brasileiros. Em agosto de 2006, a companhia de petróleo estatal da Venezuela PDVSA assinou um acordo com a estatal brasileira Petrobras para abastecer etanol "em longo prazo", como substituto confiável da gasolina.
Agora apresentam o etanol como ameaça para os pobres. No final de seu giro pela América Latina e Caribe, Chávez disse na Jamaica que havia razões "éticas" para se opor à produção de etanol. Em 29 de março passado, Castro já publicou no "Granma" um primeiro artigo atacando o plano de etanol de Bush e Lula. Então acusou o presidente americano de condenar mais de 300 milhões de pessoas a uma morte prematura, ao transformar "alimento em combustível".
As críticas de Castro ao etanol não tiveram repercussão na Casa Branca, mas sim no Brasil. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que as idéias do líder cubano são respeitáveis, mas "antigas". Farto das queixas de Chávez e Castro, Amorim disse sem rodeios: "Ele [Castro] tem idéias que eu sei que são antigas porque por acaso há 20 anos acompanhei o ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil numa viagem a Havana e então [Castro] já disse que não dava crédito à utilização do álcool como combustível, porque o açúcar era um produto nobre".
(Por Joaquim Ibarz, La Vanguardia - UOL, 08/04/2007)