Juntando um pouco de princípios da física que nunca aprendeu na escola com um punhado de técnicas de construção que aprendeu na vida, Luiz Fernando Barreto de Queiroz Bispo, 40, fez uma casa que é exemplo de reciclagem. O inusitado é que ela foi erguida em cima de uma estrutura flutuante nas águas fétidas da baía de Guanabara, perto da Vila dos Pinheiros, no complexo da Maré, zona norte do Rio.
Bispo aproveitou integralmente materiais e móveis que poluem a baía. Para construir a casa sobre uma plataforma de 42 metros quadrados, ele usou 4.000 garrafas PET e 5 metros cúbicos de isopor, que foram fixados dentro de um grande caixote de madeira.
Ao redor, pregou toras de eucalipto. "É um princípio básico da física. A pressão da água para cima vai se igualar com a pressão feita pelo peso da casa. Por isso flutua", explica. Ele não se arriscaria a construir sem fazer um teste. "Coloquei duas toneladas e meia de adubo e adernou [inclinou] só dez centímetros. Aí soube que podia construir sem medo. As grandes invenções são simples."
O caixote ganhou até uma laje. A construção tem mais ou menos cinco toneladas de concreto na casa. Para isso, cimento foi a única coisa que Bispo comprou, por R$ 300. Até cacos de tijolo, que caminhões de entulho despejam à margem do canal, ele conseguiu usar. As janelas, em todos os lados da casa, ele também achou na baía. "Só tem uma aberta, que vou fechar também com garrafas PET. Aos poucos vou melhorando a casa", planeja.
O projeto não pára por aí. Ele já tem duas garagens, uma para um jet ski, que alguém jogou fora num lixão próximo ao complexo, e outra para o Opala que comprou por R$ 1.000. O próximo passo? A piscina, que será feita num suporte flutuante, posteriormente acoplado ao que sustenta a casa.
Visitação aberta
A Secretaria de Meio Ambiente já decidiu: vai rebocar a casa e fixá-la às margens do canal do Cunha, beirando a Vila dos Pinheiros, ao lado da ecobarreira instalada ali para reter o lixo jogado na baía. Bispo gostou da idéia. "A casa é da comunidade. Não vendo por dinheiro nenhum. Sou apenas o tutor provisório", avisou.
A presidente da Serla (Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas), Marilene Ramos, afirmou que a casa servirá de exemplo nos projetos ambientais do local. Crianças poderão visitá-la e entender a importância da reciclagem. O discurso dela mudou com a comoção causada após a ameaça de despejo de Bispo. "Nossa preocupação, quando surgiu a história da casa, era que a moda pegasse e o espelho-d'água fosse ocupado com casas, reconstituindo a situação de palafitas do fim da década de 70", diz.
Com o que recolheu, Bispo conseguiu até decorar a casa. Lá dentro há colchões, cama, sofá, banheira, cadeiras, ventilador e um pé de pimenta. Ao redor da casa, grama sintética. "Ele trabalha muito bem com os materiais. Do ponto de vista da resistência e da eficiência, está perfeito. Falta, na verdade, um arquiteto para dar um acabamento mais belo ao projeto", afirma o arquiteto e assessor da presidência do Crea-RJ, Canajé Vilhena, que acompanhou a Folha na visita à casa de Bispo.
(Por Tatiana Figueiredo, Folha Online, 08/04/2007)