Em 26 de março, o presidente Bush recebeu os dirigentes das três principais montadoras americanas de automóveis - a General Motors, a Ford e a Chrysler - com o objetivo de coordenar a meta definida pela sua administração em janeiro (reduzir em 20% o consumo de gasolina do país) com os projetos dos industriais. Estes se comprometeram a tornar, daqui até 2012, a metade dos seus novos modelos adaptados para serem movidos ao biocombustível ou com uma mistura composta por etanol numa proporção de 85%.
Os Estados Unidos conhecem atualmente uma verdadeira corrida deste produto: enquanto o número de usinas de produção de etanol não passava de 54 em 2000, 107 já estavam funcionando em 1º de dezembro de 2006, e 57 outras estavam sendo construídas ou ampliadas.
Depois de a Comissão de Bruxelas ter fixado, em 15 de fevereiro, para a União Européia (UE) um objetivo de 10% de consumo de combustível oriundo da biomassa para 2020, as perspectivas se tornaram da mesma forma interessantes na Europa para o setor do biodiesel.
Os biocombustíveis apresentam uma tripla vantagem, explica Philippe Tillous-Borde, o diretor geral da Sofiproteol, uma companhia que desponta como um importante protagonista do setor francês do biodiesel: eles emitem menos CO2 do que a gasolina e os óleos combustíveis para motores ou aquecedores; eles limitam a dependência energética em relação aos países produtores de petróleo, politicamente incertos; eles constituem uma nova fonte de renda para os agricultores.
"O peso dos lobbies"
A multiplicação, por cinco e até sete conforme os cenários apresentados pela Agência Internacional da Energia (AIE), da produção mundial de "combustíveis verdes" que deverá ocorrer daqui até 2030, tem tudo para transformar por completo a economia das produções e do comércio agrícola e energético mundial dentro dos dez a quinze próximos anos.
A cartografia desta "nova economia agrícola", para retomar a expressão do engenheiro agrônomo Michel Griffon, está longe de ser definida. A competitividade de cada setor (milho, cana-de-açúcar, colza, etc.) e, portanto, de cada região do mundo, depende ao mesmo tempo do seu rendimento energético - que deve ser superior à energia consumida para produzir, transportar, etc. -, dos seus custos de produção, da capacidade dos seus atores de tirar proveito - ou de se proteger - da concorrência mundial e do preço do petróleo.
Recentes estudos do Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica (cuja sigla em francês é Inra) mostraram que, na sua grande maioria, os biocombustíveis existentes só podem ser competitivos, sem subvenções, se o barril de petróleo estiver cotado a US$ 80. Contudo, distribuidoras e agricultores propõem outros cálculos. "Nesta matéria, o peso dos lobbies é tão grande que é praticamente impossível obter dados confiáveis", comenta com amargura um pesquisador. Com isso, o Inra, para não melindrar a entidade que o tutela, o ministério francês da agricultura, renunciou a comunicar publicamente os seus estudos sobre esses assuntos.
Um estudo do Federal Reserve Bank de Kansas City, um dos doze componentes do Fed, o Banco Central americano, também faz um alerta contra as esperanças desmedidas dos "farmers" (fazendeiros) do Meio-Oeste. À medida que as usinas de produção cresceram e se multiplicaram, os investimentos foram se tornando tão pesados que a sua propriedade passou das mãos das cooperativas (100% da produção em 1999) para as das companhias petroleiras, até essas cooperativas controlarem 10% apenas da produção em 2006.
Por sua vez, os agricultores, apesar de formarem uma categoria bastante unida, tampouco têm condições para suportar as fortes variações das cotações do etanol, vinculadas às do petróleo. A concentração da produção nas zonas agrícolas também apresenta problemas de transporte: uma vez que o etanol não pode ser escoado pelos oleodutos, é preciso encaminhá-lo por ferrovias e rodovias até as refinarias de petróleo.
Uma vez que estas estão localizadas nos portos, perto dos terminais petroleiros, as "majors" do petróleo podem ser tentadas a importar o etanol dos países do Sul, cuja agricultura é mais competitiva. "Toda a questão é de descobrir como a renda gerada pelos biocombustíveis vai ser distribuída", observa finalmente Vincent Gitz, um pesquisador no Centro Internacional de Pesquisas sobre o meio-ambiente e o desenvolvimento (Cired).
O comércio do etanol - que é mais facilmente transportável do que o biodiesel - já é uma das metas em disputa nas negociações comerciais internacionais: os Estados Unidos, a UE, o Brasil, a China, a Índia e a África do Sul iniciaram em 2 de março discussões sobre esta questão, no quadro das Nações Unidas.
"Existe um enorme não-dito em tudo isso", constata Michel Colombier, um pesquisador do Instituto do desenvolvimento sustentável e das relações internacionais (Iddri). "Os dirigentes afirmam que existe uma adequação entre a política energética e a política agrícola, ao passo que a preocupação energética induz a importar maciçamente, e que a política agrícola consiste em proteger a nossa agricultura da concorrência mundial em relação a esses novos mercados".
Antes de se precipitar sobre os biocombustíveis de primeira geração, cujos rendimentos e cuja competitividade são incertos, não seria o caso de se perguntar qual seria a escolha adequada das matérias-primas a desenvolver, e qual seria o ritmo do crescimento dessa produção? Contudo, para Philippe Tillous-Borde, da Sofiproteol, "nós ainda não passamos do bê-á-bá no que diz respeito à segunda geração, e ainda precisamos superar enormes limites tecnológicos: nada disso será realizado antes de ao menos dez anos. E nós não podemos esperar".
(Le Monde - UOL, 07/04/2007)