A Organização das Nações Unidas divulgou nesta sexta-feira (06/04) a segunda parte de um extenso relatório sobre o aquecimento global. Focado nas adaptações que a humanidade deverá fazer para sobreviver em um mundo até 3ºC mais quente, o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) apresentou, também, desastres ambientais que poderão ocorrer caso não haja uma substancial redução dos gases causadores do efeito estufa, entre eles o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nítrico (N2O).
O relatório, intitulado "Efeitos, adaptação e vulnerabilidade", afirma que, se a temperatura média global subir 1,5ºC acima dos níveis de 1990, 30% dos animais e vegetais estariam ameaçados de extinção. Isso aconteceria porque os hábitats de diversas espécies seriam destruídos por secas, inundações, queimadas ou derretimentos. A temperatura mundial subiu até agora 0,8ºC em comparação com níveis anteriores à Revolução Industrial. Por isso, é possível considerar que a mudança climática já tenha alcançado pessoas e ecossistemas com amplos efeitos. Como exemplos, o relatório cita o aumento das mortes durante as ondas de calor, a extensão das doenças tropicais, as ameaças aos hábitats indígenas, o risco crescente de incêndios florestais e o desaparecimento de muitos sistemas biológicos.
Ecossistemas e Amazônia
Há determinadas zonas geográficas e ecossistemas mais vulneráveis ao aquecimento, entre eles recifes de corais, pólos, tundra, florestas boreais e regiões mediterrâneas. Um dos ecossistemas que mais receberam destaque pelo painel foi a Floresta Amazônica. "Há 50% de probabilidade de que a floresta dê lugar a uma vegetação de cerrado. A extensão dessa transformação vai depender de quanto a temperatura global subir. No cenário mais pessimista, isso significaria 25% da Amazônia" até o ano 2080, explicou, em entrevista à BBC Brasil, Graciela Magrin, coordenadora do capítulo dedicado à América Latina.
Além disso, a floresta continuará sofrendo o desmatamento que, segundo o relatório, deve seguir aumentando pelo menos até 2010. "Nesse ano, 18 milhões de hectares da floresta já terão dado lugar a cultivos agrícolas, não só na parte brasileira, mas em toda a América do Sul", afirmou Magrin. Isso contribuiria para o desaparecimento de diversas espécies de animais na região amazônica e no cerrado brasileiro.
Economia
"São os mais pobres entre os pobres do mundo, e isso inclui pessoas pobres até mesmo em sociedades prósperas, que serão as mais atingidas", disse Rajendra Pachauri, presidente do IPCC. "Isso torna-se uma responsabilidade global, na minha opinião", complementou. Isso ocorreria porque há o perigo de os rendimentos das produções agrícolas diminuam drasticamente, causando colapsos econômicos e humanitários em todo o mundo. "O impacto sobre os países pobres será maior porque são os menos adaptados", afirmou o vice-presidente do IPCC, Martin Parry, em entrevista coletiva em Bruxelas. O relatório afirmou ainda que países africanos podem ter que gastar entre 5% e 10% de seus Produto Interno Bruto (PIB) para se adaptarem à mudança climática.
Doenças
Outro ponto preocupante levantado pelo relatório é a proliferação de doenças. Com o aquecimento, diversas regiões atualmente com temperaturas amenas poderão vir a se tornar habitat de insetos disseminadores de doenças tipicamente tropicais, como a malária e a dengue. Também aumentarão as doenças diarréicas e outras relacionadas à alimentação, além das cardiorrespiratórias, como conseqüência das crescentes concentrações de ozônio na atmosfera. A organização prevê ainda uma diminuição do número de mortes provocadas pela exposição ao frio.
Fenômenos meteorológicos
O painel ainda prevê um aumento das mortes, doenças e feridos em conseqüência de fenômenos meteorológicos extremos, como inundações, tempestades e ondas de calor. Em comunicado à imprensa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) citou como "primeiro exemplo alarmante" a morte de 35 mil pessoas na Europa por causa da onda de calor de 2003.
Refugiados
A zona equatoriana, aponta o relatório, deverá ser uma das que mais sofrerá com a mudança climática. Devido à sua posição geográfica, a região recebe maior incidência de raios solares, o que causaria escassez de água e secas tão grandes que poderiam fazer com que milhões de pessoas fujam, causando o maior fluxo migratório da história.
Derretimentos
O derretimento das calotas polares e dos picos nevados também é um dado preocupante apontado pelo relatório. Com maiores temperaturas, as seculares camadas de gelo que existem nos picos de diversas cadeias montanhosas desapareceriam. Por serem reservas naturais de água, seu fim agravaria ainda mais as possíveis grandes secas - que poderiam deixar mais de 1 bilhão de pessoas sem água potável. Outro perigo é o derretimento das calotas polares. Segundo estudos, 75% das geleiras desaparecerão até o fim do século. Isso faria com que o nível do mar aumentasse de tal forma que cidades litorâneas como Rio de Janeiro, Santos e Salvador fossem inteiramente inundadas.
A Reunião
Especialistas de todo o mundo discutiram durante toda a noite de quinta-feira e parte da manhã desta sexta-feira o esboço do relatório antes de aprová-lo. Segundo informações de fontes da própria reunião, Rússia, China e Arábia Saudita foram os países que atrasaram o consenso ao questionarem cada termo. Os Estados Unidos, que não ratificaram o Protocolo de Kyoto em 2001 e disseram que o acordo custaria muito, também foram contra as partes do texto afirmando que a América do Norte poderia sofrer "sérios danos econômicos" com a mudança climática.
A China, segunda maior fonte de gases nocivos depois dos EUA, insistiu em cortar uma referência a "confiança muito alta" de que a mudança climática já está afetando "muitos sistemas naturais, em todos os continentes e em alguns oceanos." A versão final da segunda parte do relatório foi baseada em dados precisos sobre o clima coletados por 2,5 mil cientistas de 130 países. A principal conclusão da primeira parte do painel foi de que há evidências conclusivas de que o homem foi e continua sendo o causador de 90% das alterações ambientais decorrentes do efeito estufa.
(Por Rajendra Pachauri, Efe, 06/04/2007)