"Acho que todos os países devem ter metas de redução de emissões, mas as metas devem ser calculadas desde o início da Revolução Industrial." A frase, de Oswaldo Oliva Neto, chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o NAE, indica uma nuance mais flexível (mas muito cautelosa) na posição do governo brasileiro nas negociações internacionais que desenham a segunda fase do Protocolo de Kyoto, conhecido como período pós-2012. "Não podemos ser ingênuos neste debate. Há por trás dele grandes interesses econômicos e de jogo de poder entre as nações. "
As mudanças climáticas são um dos eixos estratégicos do NAE, órgão sem perfil executor, mas que tem a estratégia no nome e na essência. Em 2005, o núcleo finalizou uma série de estudos técnicos, publicados em dois volumes de 500 páginas, que passaram na surdina mas agora ganham relevância. Serão levados a uma reunião interministerial que deve ser conduzida pela ministra do Meio Ambiente Marina Silva este mês, diz Oliva, e podem ajudar a alinhavar a política nacional de combate às mudanças climáticas.
Os estudos feitos por 27 especialistas em recursos hídricos, saúde, energia, zonas costeiras, Amazônia, traçaram perspectivas a partir do grau de vulnerabilidade dos biomas brasileiros ao aumento da concentração de gases-estufa. Dali saíram, também, algumas "janelas importantes que podem ser abertas para o Brasil e acelerar o desenvolvimento", aposta Oliva. Cita a mais evidente: "Estamos falando em 5% da gasolina do mundo que pode vir a ser substituída por etanol, o que significa US$ 250 bilhões ao ano." Mas volta à nuvem da ameaça: "Os países desenvolvidos procuram desviar a discussão do impacto do carbono nas mudanças climáticas para as queimadas. Não podemos ter a mesma responsabilidade dos países da América do Norte e Europa, que já se desenvolveram e liquidaram suas florestas", continua. "Temos que diminuir as queimadas no Brasil, todos concordam com isso. Mas quem paga a conta para substituirmos o fogo pelo trator?", pergunta. "Se o Brasil for responsabilizado, teremos nosso desenvolvimento bloqueado."
"As questões climáticas são um tempero a mais para a confusão aumentar, caso não resolvermos questões de infra-estrutura e gestão de água", diz o professor Claudio Freitas Neves, especialista em recursos hídricos da Universidade Federal do RJ (Coppe/UFRJ) e ex-diretor da Agência Nacional de Águas. "Costumo comparar a Etiópia e a Califórnia, lugares com a mesma aridez e disponibilidade hídrica. Em um deles, as pessoas são riquíssimas; no outro, morrem de fome e sede. Tratam de maneira diferente a mesma situação."
Ele ressalta que, no Brasil, os modelos que traçam cenários para 2050 e 2100, levando em conta a questão climática, trazem muitas incertezas - na mesma região, alguns apontam para mais chuvas, outros falam em redução. Mas é fácil arriscar o quadro que se esboça em regiões como a Grande São Paulo, onde a disponibilidade de água por habitante/ano é de 300 metros cúbicos, muito abaixo do limite ideal recomendado, de 2 mil metros cúbicos por habitante ao ano, e com as áreas de planícies de inundação ocupadas. "Se acontecer alteração no regime de chuvas para mais, a região sofre com enchentes mais recorrentes; se o cenário pender para o outro lado, de mais seca, a região, que tem 1/3 do abastecimento de água proveniente da bacia do Piracicaba, já sem mais disponibilidade, vai ter problemas de falta de água."
No Rio, o quadro não é melhor. Praticamente 80% do Estado vive da água do Paraíba do Sul, que nasce em São Paulo - sinal de alerta, se os paulistas precisarem desta fonte. Na outra ponta, o Paraíba está cada vez mais assoreado - o que significa que transborda mais facilmente. Nestas fraquezas urbanas, que o aquecimento global só agrava, é preciso trabalhar rapidamente em sistemas de esgoto mais eficientes e na redução dos vazamentos, aponta Neves. No semi-árido nordestino, área que deve sofrer ainda mais com a alta das temperaturas, ele fala na urgência em se ter sistemas que armazenem água para os poucos meses de chuva, como cisternas de 16 mil litros.
De 22 estudos feitos na Amazônia, 19 demonstraram que, alterando a vegetação, o volume de chuva se reduz. Na questão climática, a floresta parece ser, ora vítima ora algoz. As queimadas colocam o Brasil como o quarto país emissor de gases-estufa do mundo; mas com o aumento da temperatura, a mata sofre. "O risco da mudança climática é certo, mas se estivermos estruturados para gerenciar os recursos naturais de forma mais adequada, estaremos melhor preparados."
Ulisses Confalonieri, especialista em epidemiologia de doenças transmissíveis, professor da Universidade Federal Fluminense e da Fiocruz, coordenou um projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia que mapeou a vulnerabilidade de todos os Estados brasileiros, considerando aspectos sócio-econômicos, de saúde e de clima. O trabalho não esboçou cenários, retratou a situação de 2000 e 2001, estudou seis doenças transmissíveis (dengue, malária, cólera, leptospirose) e criou um índice de vulnerabilidade. Alagoas despontou como o Estado mais frágil, o Distrito Federal como o de melhor situação. "Com eventos extremos climáticos aumentados, as doenças de veiculação hídrica aumentam", registra. "As pessoas migram e pode ocorrer redistribuição de doenças." E nas áreas urbanas, o clima alterado afeta a poluição atmosférica, com complicações de saúde pública.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 05/04/2007)