O ataque de Guy Sorman aos ecologistas pode ser ácido e direto, mas não é novo. Desde que a tese do crescimento ilimitado passou a ser contestada - isso publicamente teve grande repercussão com o estudo "Limites do Crescimento", de Donela e Dennis Meadows, Jörgen Randers e William Behrens, publicado em 1972 –, não faltaram pesquisas e contra-argumentos para defender o oposto - a apologia da salvação de todo desastre ou desgraça ambiental pela via tecnológica.
O velho dilema colocado pelos quatro pesquisadores do chamado Clube de Roma - "é melhor viver dentro de limites aceitando de forma auto-imposta as restrições do crescimento ou é preferível continuar crescendo até que surja algum outro limite natural, na esperança de que outro salto tecnológico permita que o crescimento continue?" - é hoje alvo de chacota por parte dos defensores do liberalismo. Até porque os próprios formuladores do dilema reconheceram que a segunda alternativa é a que a humanidade já escolheu, na prática. A diferença é qual o julgamento de valor que se faz sobre essa escolha.
Vale lembrar que a tese da salvação tecnológica encontra quem esperneie contra ela e envolve desmerecer o trabalho de autoridades como Al Gore contra o aquecimento global ou pelo menos em favor de uma reversão desse problema cujas incertezas despertam, no mínimo, a precaução na ala "ecologista" refutada por Sorman. Vale lembrar também que Sorman colocou na vala comum "ecologistas" com visões profundas - "ecocêntricos" e ecologistas com um entendimento menos ecocentrado - digamos, com um entendimento "antropo-incluidor" de meio ambiente. Rotulou como ecologistas uma diversidade de epistemologias quanto à relação homem-natureza. Assim, sob um único rótulo, fica mais fácil estabelecer uma dualidade entre "liberalismo" e "ecologismo".
Fica, após a palestra, a sensação de que o "made in USA" é mesmo uma versão culturalmente mais parecida com a tese americana "temos que ter um inimigo", mais conhecida nas palavras do presidente Bush quando ele se refere a um "eixo do mal". Pode esse "eixo do mal" incluir os ecologistas da visão de Sorman? Coincidentemente, poucas horas antes de o pensador falar em Porto Alegre, a Suprema Corte americana tomava uma decisão histórica na questão da responsabilidade norte-americana pelos danos do aquecimento global, dando à Agência de Proteção Ambiental (EPA) a prerrogativa de controlar - e não apenas sugerir planos para minorar - as emissões de gases estufa.
Discordando ou não de Sorman, ou até para melhor fundamentar um possível novo debate (?) com ele, duas leituras são importantes, além do clássico "Limits to Growth". Uma delas é a do "The Skeptical Envioronmentalist" ("O Ambientalista Cético", cujo subtítulo é "Mensurando o Estado Real do Mundo"), de Bjorn Lomborg, o dinamarquês que em 2001 colocou rio abaixo toda a defesa, até então construída, da necessidade de limitar a produção de gases de efeito estufa, num momento em que o Protocolo de Kyoto estava engatinhando. Pouco tempo depois, teve seu prestígio abalado ao se verificarem excessos de interpretação estatística para favorecer a indústria que o patrocinava. Mas vale a pena atestar a capacidade ferrenha na produção matematizada de Lomborg contra teses de ambientalistas como Lester Brown, do World Resources Institute, e mesmo contra o velho Clube de Roma.
Outra leitura interessante é a de Alex Kozinski, em um artigo intitulado "Gore Wars" ("Guerras de Gore"), na Michigan Law Review de 26 de agosto de 2002, páginas 1742 a 1767. De certa forma, repete e corrobora algumas idéias de Lomborg, mas também o critica. Não deixa de ser uma metáfora anti-ambientalista de "Star Wars" com direito a subtítulos como "Ataque dos Clones", e assim por diante, para atrair um leitor mais afinado com a lógica defendida em Porto Alegre por Sorman. A questão é (nesta metáfora): onde nos leva a lógica Skywalker versus Darth Varden? Temos alguma saída para os problemas humano-ambientais pensando de forma maniqueísta?
Leia o
texto sobre a palestra de Sorman em Porto Alegre.
(Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 05/04/2007)