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2007-04-05
Em palestra realizada na noite da última terça-feira (03/04), no Salão de Atos da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, o cientista político Guy Sorman atacou os ecologistas. Ao final de sua palestra, em que atestou a predominância de uma cultura "Made in USA", globalizada, Sorman disse que acredita que "a classe" (ecologistas) "nada mais é do que um bando de marxistas reciclados", que tentaram destruir o capitalismo através da revolução proletária. "Sem sucesso, decidiram seguir a via ecológica. Eles têm todo o direito de fazê-lo, mas eu também tenho o direito de rir”, atestou, causando um certo incômodo em alguns membros da audiência.

Sorman, que fez a palestra dentro da programação do curso de altos estudos "Fronteiras do Pensamento", patrocinado pela Copesul, classificou os ambientalistas como um movimento “neo-pagão”, que confere ao culto a árvores uma importância maior que o culto aos homens.

“É uma inversão das teorias judaico-cristãs”. A única relação positiva entre ecologistas e progresso é a de que as críticas de cientistas estão obrigando industriais a buscar soluções para a poluição.

Quanto à responsabilização do desenvolvimento econômico por danos ao ambiente, foi enfático. “É lógico que há aquecimento global e parte do problema é atribuído à atividade humana. Mas temos que pensar que o desenvolvimento é mais importante que a estabilidade do clima”.

Para ele, o que é atualmente tido como vilão é, na verdade, o mocinho. “É impossível ficarmos contra o aquecimento. Temos que pensar numa maneira de gerenciá-lo, que virá apenas com o desenvolvimento tecnológico advindo do progresso”.

Cidadãos do tempo, não do espaço
A agilidade conferida à comunicação através da Internet é, na opinião do cientista político Guy Sorman, a mais evidente razão criadora da “nova humanidade”, baseada no multiculturalismo e no cidadão do tempo, não mais do lugar.

O cientista político, quarto conferencista do curso de altos estudos Fronteiras do Pensamento, falou durante 55 minutos. Depois, seguiu por mais de meia hora respondendo questões da platéia, que o provocou com perguntas que surpreenderam até mesmo o palestrante – os temas relacionavam geopolítica, economia, sociedade, religião e meio ambiente. “São realmente questões importantes”, elogiou.

Durante a exposição de suas idéias, Guy Sorman mudou o plano da conferência algumas vezes. “Vou direto ao que mais me interessa, não farei vocês perderem tempo”, disse, numa bela metáfora do lema capitalista de que "tempo é dinheiro".

Na nova era em que vivemos, concluiu no final da palestra, a identidade cultural tem mais a ver com o tempo do que com o espaço. “Antes vocês eram cidadãos do Rio Grande do Sul; eu, um parisiense. Agora, somos uma soma dessas características locais com as mudanças que a mobilidade produz, como descobertas de viagens ou troca de experiências pela Internet”.

A tese de que a contemporaneidade é regida pelo tempo e que as fronteiras espaciais deixam de existir numa suposta “realidade virtual” não é nova. Porém, encontrou em Guy Sorman um adepto por abrir pressuposto para a defesa do liberalismo. “A nova civilização, gostemos ou não, é baseada numa sociedade comum com modelo Made in USA”.

Para o estudioso, é a cultura norte-americana que sintetiza as características dessa nova civilização, que obrigatoriamente deve ser liberal, já que “é o mais eficaz de todos os sistemas testados”.

“Os Estados Unidos são o resultado da mestiçagem dos colonizadores europeus com os atuais imigrantes latinos, o que transforma essa nação numa fotografia da humanidade”. Segundo Sorman, é um erro entender, portanto, que o país impõe o imperialismo aos demais povos. “Eles são um laboratório da modernidade, que propõe ao mesmo tempo a sua própria imagem e a imagem do futuro de todos nós”, pregou.

Objetando o falecido conterrâneo Jean Baudrillard, Guy Sorman duvida que sejamos todos uma “versão legendada dos norte-americanos”. Para ele, o fato de a identidade contemporânea ser múltipla não significa um empobrecimento, como muitos críticos expõem, mas sim, um fator de inovação. “O problema é que muitos não suportam a perda de poder causado pelo desenraizamento”.

Já a suposta desigualdade social gerada pela concentração de riquezas que comumente é associada ao liberalismo foi uma tese contestada pelo francês. “Numa sociedade autocrática, como a da URSS [antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas], quem era rico, continuava rico. Com o liberalismo há a possibilidade de mobilidade social, é possível crescer e passar a integrar o grupo dos ricos”.

Conversão de FHC e Lula ao liberalismo provoca risos na platéia
Depois da palestra, Guy Sorman respondeu a perguntas da platéia durante 37 minutos – o pensador liberal seguiria atendendo aos questionamentos não fosse a hora avançada. O principal foco abordado pelos presentes foi exatamente a proposta de Guy Sorman para a palestra: o liberalismo como opção econômica.

Primeiro, sobre sua definição, diferente na Europa e na América do Sul e mesmo entre o conceito clássico do século XVIII e o atual. “No México, por exemplo, meu livro 'A Solução Liberal' foi um sucesso de vendas, pois nesse país, liberal é sinônimo de anticlerical”.

Também usou como exemplo dessa divergência o próprio modelo proposto por ele, os Estados Unidos, onde um liberal é um social-democrata, mais favorável ao intervencionismo estatal do que os conservadores, que pregam a liberdade de mercado.

Alguns dos debates em torno dos métodos utilizados pelos países capitalistas para proteger suas economias foram lembrados nas perguntas. “Os subsídios agrícolas são um péssimo negócio para todos, inclusive para o produtor, que não busca inovação capaz de gerar progresso real na produção”.

Por fim, uma análise da oposição – improcedente na opinião do conferencista – entre liberdade de mercado e justiça social, com especial ênfase na América Latina. Guy Sorman usou o argumento de que o progresso econômico gera igualdade social, na medida em que possibilita a geração de riquezas individuais.

“Enquanto há estagnação econômica, ninguém exige nada. A prosperidade cria a exigência de justiça social”, defendeu. Mesmo porque, “o empreendedor precisa do assalariado para vender seus produtos”.

Assim, acredita que a crítica possível é com relação à lentidão pela qual o liberalismo peca. “A lógica é crescer para distribuir, Mas os resultados são cobrados antes mesmo de haver geração de riqueza”.

Ainda no âmbito latino-americano, Guy Sorman fez a platéia dar boas risadas ao lembrar que os últimos dois presidente brasileiros – Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva – vieram, ambos de tradições esquerdistas. “Mas a condução de suas políticas econômicas nos prova que também eles se converteram ao liberalismo”.

Os problemas da sociedade contemporânea também foram levantados pelo público, como na pergunta sobre globalização como sinônimo de consumo irracional. “Os homens são o que são, podemos lamentar que a humanidade não tenha aspirações maiores do que consumir, educar os filhos. Mas é o desejo dos povos. Podemos considerá-los alienados, mas penso que podemos, por exemplo, orar melhor de estômago cheio”.

O debate sobre políticas de cotas também entrou na pauta. “No caso dos americanos, por exemplo, foi a solução para terminar com a guerra civil entre negros e brancos. Assim, as elites negras optaram pela não revolução para juntarem-se ao centro”, definiu, defendendo a adoção de um sistema similar na França. Guy Sorman foi muito aplaudido ao não comentar o caso brasileiro. “Não conheço a política brasileira e nem quero me meter nesse assunto”.

Provocado sobre os levantes populares na França ente 2004 e 2005 – nos quais jovens criticavam as políticas de emprego no país – Sorman preferiu uma resposta menos direta. “O problema é que estamos na terceira geração de imigrantes e nossa economia é lenta demais para absorver esses jovens. É uma questão que diz respeito exclusivamente à França, nada tem a ver com o liberalismo econômico”.

Também não é problema do capitalismo, na visão do cientista político, a instabilidade no continente africano, de origem política e não econômica, cuja solução deve ser gestada internamente. “Mesmo que queiramos, é muito difícil fazer uma intervenção, pois os próprios povos africanos não encontraram uma alternativa política depois do fim da colonização”.
(Por Naira Hofmeister e Guilherme Kolling, editado por Cláudia Viegas, Jornal Já, 04/04/2007)

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