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2007-04-04

Chuvas muito intensas voltaram a expor a enorme vulnerabilidade à mudança climática de uma vasta zona oriental da Argentina. O saldo provisório é de 12 mortes e dezenas de milhares de evacuados, 3,5 milhões de hectares alagados, estradas intransitáveis e pontes destruídas. “Foi repetido até o cansaço que as cidades vulneráveis devem adaptar-se à mudança climática e Santa Fé é uma cidade com risco hídrico, mas não aprendemos a lição, não estamos prontos para receber uma chuva forte”, queixou-se à IPS Jorge Capatto, diretor da Fundação Proteger nesta capital da província de mesmo nome, epicentro da crise.

 

O aquecimento da Terra, produzido pelo dióxido de carbono e por outras emissões ligadas à atividade humana, se manifesta nesta região com chuvas de extrema intensidade mais freqüentes do que antes, seguidas de períodos de prolongada seca. São fenômenos que obrigam as sociedades a se adaptarem a estas modificações climáticas. Segundo o Serviço Meteorológico Nacional, o temporal que afetou na última semana principalmente as províncias orientais de Santa Fé, Entre Ríos e norte de Buenos Aires, bem como o sul da central Córdoba, registra escassos precedentes pelo volume de água caído.

 

Entretanto, para Capatto não é desculpa. “Chuvas fortes sempre aconteceram na cidade de Santa Fé”, afirmou. O fenômeno transformou em uma piscina um terço dessa cidade, que fica 450 quilômetros a noroeste da capital da Argentina e que possui 400 mil dos 2,8 milhões de habitantes da província da qual é a capital. A mesma área afetada agora em Santa Fé, situada em uma planície, já havia sido vítima de uma trágica inundação em 2003, quando a força das águas provocou a queda de parte das defensas que contêm o rio Salado. Com essas muralhas, a cidade é como um imenso tanque, rodeado por rios, riachos e lagoas.

 

Vinte e três pessoas morreram, quase todas pela erupção brusca de um enorme volume de água sobre bairros da zona oeste, e foram 130 mil as que tiveram de ser evacuadas. Agora os rios que circundam Santa Fé – o Salado e o Paraná – estão em níveis manejáveis, mas a água da chuva acumulada dentro da cidade não tem como vazar pelas defensas reconstruídas. Jorge Capatto destacou que Santa Fé poderia liderar a lista de cidades com maior índice de engenheiros hidráulicos. O próprio prefeito da capital, Martín Balbarry, é um deles. Mas mesmo assim, o desastre não pôde ser evitado.

 

Balbarrey, que em sua tentativa para que não se repetisse a tragédia de 2003 recomendou aos moradores não esperar as águas subirem mais de um metro para abandonar suas casas localizadas em zonas de risco, admitiu nos últimos dias não saber com quantas bombas de extração conta a cidade. “Há muitas, não sei exatamente”, confessou aos jornalistas, após receber 20 bombas de reforço. “Há um plano de contingência, mas se trata de um papel, ninguém sabe o que deve fazer”, alertou Capatto. “Os sistemas de bombeamento não funcionam por falta de manutenção e saques”, acrescentou. Foi preciso trazer bombas adicionais das cidades de Chaco e Córdoba por causa da emergência.

 

Para o diretor da Fundação Proteger, o problema de Santa Fé se agrava por falta de prevenção, mas, também por debilidades sociais, acusou. “Santa Fé inunda porque aqui a sociedade civil é fraca e premia com seu voto dirigentes políticos que deveriam ser responsáveis para que isto não ocorra”, ressaltou. Capatto, denunciou que as autoridades municipais favorecem a urbanização de zonas vulneráveis levando até elas serviços de água e luz, “porque ali têm suas massas cativas de eleitores”, destacou. Mas não há preparação para a emergência, nem manutenção dos sistemas de extração de água, explicou Capatto.

 

No momento, os mortos por causa do temporal chegam a 12, somadas as vítimas registradas em Santa Fé e na vizinha Rosario, na província de Entre Ríos, e no sul de Córdoba. Na província de Santa Fé existem atualmente 59 localidades inundadas, inúmeras ruas intransitáveis por causa da água e pequenas populações isoladas. Algumas mortes aconteceram por causa do desabamento de casas na margem do Rio Paraná. Outros morreram afogados ou eletrocutados. O número de pessoas evacuadas variam entre as diversas listas.

 

Nem todos contabilizam os que deixaram suas casas por conta própria e permanecem com familiares ou amigos, não usando os abrigos que as autoridades improvisam em centros governamentais, escolas, igrejas e outros locais públicos. Só na cidade de Santa Fé, onde está o maior número de refugiados, o governo provincial estima que são mais de 32 mil os que deixaram suas casas temporariamente. Mas Capatto considera que, se somados os que partiram por conta própria, o número deve ser multiplicado por dois. Em Entre Ríos, o outro grande distrito afetado, uns e outros somam 18 mil.

 

Nos bairros do oeste de Santa Fé há casas com água até o teto, onde permanecem os chefes de família para evitar que sejam saqueadas. Também foi informado que nos abrigos faltam colchões, roupa, calçado e o alimento é escasso. O fantasma das inundações de 2003 se repete. “É desesperador, parece que depois daquela lição não aprendemos nada”, lamentou Capatto.

(Por Marcela Valente, IPS, 03/04/2007)

 


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