O aumento das lavouras de arroz irrigado é uma das principais ameaças ao Rio Miranda, onde, na década de 80, ocorreu uma grande mortandade de peixes contaminados por agrotóxicos. A constatação é da Expedição Brasil das Águas, projeto inédito iniciado em 2003 pelo casal Gérard e Margi Moss, que, utilizando um avião anfíbio, coletou 1.160 amostras de água em 350 rios e lagos brasileiros durante mais de um ano.
A contaminação da água não é o único risco a um dos principais rios do Pantanal, concluiu Gérard Moss, engenheiro e empresário, depois de percorrer cerca de 400 quilômetros do Miranda, entre sua nascente e a foz, como parte da segunda etapa da expedição. A quantidade de pontos de captação de água para irrigar as lavouras, segundo ele, pode comprometer um rio cuja vazão não chega a 80 metros cúbicos por segundo.
"O Miranda não tem volume de água para suportar essa demanda, enquanto pivôs de irrigação se espalham por suas margens, de Jardim a Miranda", alertou o pesquisador. "É preciso controlar essa captação e também o uso de veneno para que não ocorra desequilíbrio ambiental."
O levantamento no Miranda foi realizado de 22 a 28 deste mês, com coleta de água em 20 pontos. A expedição utilizou, desta vez, um barco para atingir áreas mais estreitas do rio, na sua parte superior. Gérard sobrevoou a região em fevereiro, coletando amostras em três pontos. Ele observou que a mata ciliar está preservada e a qualidade da água ainda é superior a média dos rios brasileiros.
Esta etapa do Brasil das Águas realizará estudos da qualidade da água de sete rios em diferentes regiões do País. No ano passado, foram visitados os rios Ribeira (entre o Paraná e São Paulo), Araguaia (de Mato Grosso ao Pará) e o Rio Grande (BA). A expedição em 2007 foi iniciada pelo Miranda, que deságua no Rio Paraguai no Porto da Manga, a 60 quilômetros de Corumbá. E inclui ainda os rios Ibicuí (RS), Verde (MT) e Guaporé (MT/RO).
Sem lixo
A pesquisa de barco amplia o trabalho patrocinado pela Petrobras, que passa a envolver as comunidades que vivem e dependem dos rios, identificando os riscos ambientais, a ocupação desordenada das margens, uso do solo, lixo e tratamento de esgoto. Gérard e Margi – ela, fotógrafa e responsável pelo diário de bordo – conversaram com os ribeirinhos do Miranda e observaram que eles não depredam o rio.
"O que nos impressionou foi a preocupação dos moradores com o lixo, que é colocado no tronco das árvores, devido a cheia, ou armazenados. Isso não ocorre nos demais rios que já visitamos", disse Magi. "Não vimos saco plástico ou garrafa no rio. Eles (os ribeirinhos) falam do rio com orgulho. Esperamos que essa consciência se espalhe pelo Brasil", acrescenta.
O casal também constatou a eficiência da fiscalização por parte da Polícia Militar Ambiental (PMA), cujo trabalho é bem aceito pela comunidade local. A expedição se encontrou com os policiais em vários pontos e ouviu dos ribeirinhos que o rio está bom de peixe em relação aos anos anteriores. "Normalmente, o ribeirinho critica a ausência e a omissão da fiscalização, ao contrário do Miranda", observou Gérard.
Amostras recolhidas em 51 pontos
A primeira Expedição Brasil das Águas para mapear os recursos hídricos brasileiros recolheu amostras de 51 pontoas do Rio Paraguai, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e 44% da água analisada em laboratórios apresentaram alto nível de impacto. Foi uma surpresa para os pesquisadores e cientistas em se tratando de uma região com baixa densidade demográfica como o Pantanal.
"Á água do Pantanal, ao contrário do que imaginávamos, não é totalmente azul, pura e intacta", afirma Gérard Moss, "É um grau de gravidade ainda leve, considerando a extensão da região, mas temos que começar a nos preocupar com a qualidade dessa água."
As análises laboratoriais constataram que a água do Pantanal, principalmente a recolhida na parte alta (Mato Grosso), apresenta grande concentração de fósforo e nitrogênio inorgânico dissolvido (NID), reflexo da atividade agropecuária. "Pensamos que é preciso estudar uma maneira de controlar melhor o gado e reduzir a expansão da agricultura, fatores impactantes", disse o pesquisador.
Em relação ao Rio Miranda, a expedição apontou como positivo o fato de as autoridades se preocuparem com o tratamento do esgoto, citando a cidade de Bonito, pólo do ecoturismo. Gérard e Margi, no entanto, se assustaram com um dado preocupante: Corumbá, com 100 mil habitantes, não tem rede de coleta de esgoto, que cai in natura no Rio Paraguai através da rede de águas pluviais.
(Rios Vivos, 02/04/2007)