Os dois maiores produtores de coca do mundo, Colômbia e Peru, estão começando apostar na produção de biocombustíveis como alternativa aos cultivos ilícitos da folha, que é matéria-prima para a cocaína. A idéia enfrenta resistências na Bolívia, terceiro maior produtor mundial de coca, para quem os combustíveis renováveis podem trazer mais problemas que benefícios.
O governo brasileiro mantém diálogo técnico na área agropecuária com os três países. Mas é com o Peru que as conversações estão mais avançadas. Técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estão ajudando, desde o ano passado, os colegas peruanos na escolha e pesquisa das melhores sementes de mamona e pinhão para serem cultivadas em futuros projetos de fontes alternativas de energia.
Um convênio assinado em maio de 2006 já levou especialistas brasileiros ao país andino e trará técnicos peruanos. O custo ao Brasil é de algo em torno de US$ 100 mil, valor pago pela Agência Brasileira de Cooperação, do Itamaraty. "A produção de biocombustível evitaria que as pessoas se envolvessem com o cultivo da coca", disse ao Valor, Juan de Aguila, porta-voz da Gerência de Desenvolvimento Alternativo do Devida, órgão do governo que lida com questões relacionadas à coca.
A perspectiva de lucro não é comparável. Enquanto um hectare de pinhão ou mamona no Peru rende aproximadamente US$ 400 por ano, a mesma área gera um ganho de US$ 700 com coca."Mesmo assim, as as pessoas querem paz não querem viver na intranqüilidade em relação à lei", diz Aguila. O país, segundo ele, tem 8 milhões de hectares de áreas de mata desmatada. A metade é apropriada não apenas para mamona e pinhão, como para outras fontes alternativas como cana-de-açúcar e yuca (da família da mandioca).
Embora o governo peruano ainda esteja em fase de escolha das plantas mais adequadas, muitas famílias de camponeses, segundo Aguila, já trocaram a coca por espécies voltadas para os biocombustíveis. A migração é estimulada por uma lei que entra em vigor em 2008 e que determina o uso de uma mistura de óleos vegetais com o diesel. O relatório "Pesquisa sobre a Coca Andina", da ONU, diz que o Peru responde por 30% da área plantada da região (e do mundo), que em 2005 chegou a 159,6 mil hectares. A Colômbia lidera, com 54%.
Nesse país, o biocombustível também começa a aparecer como potencial alternativa à coca. "Na região do pacífico colombiano, onde há plantações de coca, já há projetos com a participação do governo de plantio de palma para biocombustível, programado para começar a ser produzido em janeiro do que vem", explica Leonias Tobon, diretor desenvolvimento tecnológico do Ministério da Agricultura. "O objetivo é dar cada vez mais opções para os camponeses deixarem a coca."
Assim como no Peru, 2008 também marca na Colômbia o início da mistura de até 5% de biodiesel a combustíveis de origem fóssil. O país já prevê exportações para os EUA com tarifa zero, se o tratado de livre comércio bilateral fechado com Washington for aprovado pelo Congresso americano, o que parece provável. "Isso seria uma atração a mais de demanda de mão-de-obra para as plantações de biocombustível", acredita Tobon.
A Colômbia já mistura de 10% de etanol - feito principalmente de cana-de-açúcar - na gasolina. A Corporación Colombiana de Investigación Agropecuaria (Corpoica) mantém contatos com a Embrapa, mas ainda nenhum projeto comum de biocombustível avançou. Segundo Tobon, não há tampouco cooperação com os EUA.
Dos três produtores de coca, a Bolívia - cuja produção da folha em 2005 era de 16% do total mundial - se destaca por sua oposição ao biocombustível. "Não é política do atual governo buscar alternativas de substituição da folha de coca", disse o vice-ministro de Desenvolvimento Rural e Agropecuário, Javier Escalante. "Mas sim buscar a despenalização do comércio em nível internacional". Não há nenhum projeto no país voltado à produção de biocombustíveis. O crescimento da produção de coca no país preocupa o Brasil e os EUA.
Recentemente o governo recebeu um projeto para plantio de um pinhão melhorado para biodiesel em San Julián, no Departamento de Santa Cruz. "O projeto está parado enquanto se realiza um estudo mais profundo sobre o tema." O governo resiste a projetos desse tipo dizendo que o cultivo de palma, cana e soja para biocombustível "leva à perda de matas tropicais", ao avanço sobre áreas de cultivos de alimentos. E mais: "a queima de matas para o estabelecimento de plantações libera muito mais carbono do que se pode reduzir com os biocombustíveis".
Em fevereiro, técnicos da Embrapa estiveram em missão na Bolívia. "Não se falou nada sobre substituição de coca", afirmou Washington Silva, do setor de cooperação internacional. "É preciso saber onde plantar, mas o plantio de culturas para biocombustível pode ser sim uma alternativa para os cultivos ilícitos nesses países".
(Por Marcos de Moura e Souza, Valor Econômico, 03/04/2007)