É possível, sim, compatibilizar crescimento econômico com medidas para reduzir os efeitos do aquecimento global. Mais que isso, buscar eficiência energética e apostar em fontes limpas de energia parece vitaminar os processos de produção. O Reino Unido diminuiu suas emissões de gases do efeito-estufa em 15% desde 1990. No mesmo período, a economia cresceu 40%.
O dono destes números é uma autoridade no assunto, David King, o conselheiro científico do primeiro ministro Tony Blair, uma espécie de ministro da Ciência e Tecnologia, em visita ao Brasil esta semana. "A nossa economia não está sofrendo com as adaptações, muito pelo contrário", diz ele, dando uma alfinetada no governo dos Estados Unidos, que assinou mas não ratificou o Protocolo de Kyoto com o argumento que devia poupar sofrimento à economia do país, o maior emissor de gases de efeito-estufa do mundo. "É factível gerenciar o problema", prossegue King, emendando que o processo de aquecimento global "é o maior desafio que a civilização já teve que enfrentar."
King chegou segunda-feira ao Brasil, passou por Manaus, esteve em São Paulo ontem e hoje cumpre uma agenda em Brasília, onde deve lançar o Ano Brasileiro-Britânico da Ciência & Inovação, um desdobramento da visita do presidente Lula ao Reino Unido, em 2006, e que agora deve resultar em um plano conjunto de ciência e tecnologia.
Ontem, coincidentemente, a ONG ambientalista WWF divulgou que as emissões de dióxido de carbono das centrais elétricas britânicas teriam crescido no ano passado, atingindo seu nível mais alto desde 1992. Segundo a WWF, o crescimento foi puxado pelo aumento da queima de carvão em termoelétricas, opção mais barata que o gás natural.
King rebate com outros dados. Seu governo está investindo pesado num instituto público-privado que pretende pesquisar e desenvolver as chamadas "tecnologias de carbono-zero", o Energy Technologies Institute. "Precisamos desenvolver as energias de que vamos precisar nos próximos 20 anos", diz ele. A intenção é injetar no instituto 1 bilhão de libras em dez anos.
Metade do investimento é bancado pelo governo britânico e a outra metade virá de grandes empresas. Já estão dentro do projeto as gigantes do petróleo BP e Shell, a francesa EDF, a E.On alemã, a Scottish & Southern Energy, a Caterpillar e a Rolls-Royce. Ontem, o convite a participar do ETI também foi apresentado a executivos da Petrobras. Paralelamente ao instituto, o governo britânico está financiando 100 milhões de libras ao ano nas pesquisas dos centros universitários.
"O debate está deixando de lado o impacto das mudanças climáticas", disse King à tarde, na Universidade de São Paulo, a uma platéia de pesquisadores. "Temos que reduzir a dependência aos combustíveis fósseis e nos adaptar", repetiu. A certa altura, exibiu dois mapas da Inglaterra. O da esquerda, amarelo e com alguns pontos vermelhos, ilustra a ilha num mundo que emite menos de 500 ppm (partes por milhão) de CO2, o vilão dos gases-estufa, na atmosfera - um volume que King considera realista. Em 2006, as emissões globais foram de 383 ppm.
Mas se as emissões globais não forem consideravelmente reduzidas, a ilha ficará praticamente toda vermelha em 2080 - a cor representa inundações. Este é o risco do sudeste asiático, da Índia e do Japão, áreas que podem ser severamente impactadas pelo fenômeno. "O ícone deste quadro é o gelo da Groenlândia. Se o perdermos significará que o nível do mar aumentará em 6,5 metros", prosseguiu. "O Ministério da Defesa britânico não está financiando pesquisas por diletantismo", disparou. O governo já investiu 200 milhões de libras ao ano na defesa da costa, um valor que agora alcança os 500 milhões.
Em maio, o governo britânico divulgará um relatório detalhado sobre como pretende atingir a meta de cortar as emissões em 60% até 2050, que o país divulgou em 2003, no molde de uma declaração unilateral. A idéia é fazer com que 10% da energia venha de fontes renováveis já em 2010. O plano também considera um ressurgimento da energia nuclear, que já representou 30% da matriz britânica e hoje caiu para 19%. "Mas acho que teremos que conviver com mais uma geração de nuclear", aposta. No segmento de construções urbanas, que significam 50% das emissões britânicas, está em curso um programa de erguer casas carbono-zero, desenhadas para ter mais ventilação natural e menos ar-condicionado e com um eficiente sistema de aquecimento solar. Para as casas antigas, há incentivos na modernização.
No plano internacional, King defende Kyoto como um caminho importante. Destaca a comercialização de créditos de carbono - "uma idéia brasileira que agora queremos trabalhar na África, continente que não poderá arcar sozinho com o combate ao aquecimento global", registra. "Se eu puder fazer uma previsão econômica, diria que em 10 anos estaremos todos comercializando CO2, que este será o novo padrão de ouro para as moedas. Em outras palavras, mediremos o valor do real, do dólar ou da libra em relação ao valor do CO2 ", anima-se. "Mas, por ora, a resposta do sistema internacional tem sido extremamente lenta", reconhece, considerando que a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, da ONU, um dos frutos da Eco-92, no Rio de Janeiro, "deve ser o caminho para os acordos internacionais e para desbloquear o processo."
(Por Daniela Chiaretti, Ecodebate/ Valor Econômico, 01/04/2007)