O cenário de devastação deixado pela atividade mineradora no município de Poconé (100 quilômetros de Cuiabá) entre as décadas de 1980 e 1990 pode representar hoje mais do que uma agressão à beleza cênica de um dos “portais” do Pantanal.
Em muitas das antigas crateras, hoje transformadas em lagos, uma concentração elevada de rejeitos de mercúrio se combina com terrenos frágeis ou pouco estabilizados. Um risco de contaminação permanente para os cursos d’água da região.
A situação vem sendo discutida há sete meses por iniciativa do Ministério Público Estadual. E poderá ganhar rumo prático a partir de maio, com a participação de biólogos, geólogos e dos próprios representantes do setor minerário do município.
O foco do trabalho será avaliar a condição de 17 áreas embargadas judicialmente nas últimas duas décadas. E propor medidas preventivas, caso seja necessário.
“Naquelas áreas estão depositados rejeitos de mercúrio que podem contaminar o meio-ambiente”, diz o promotor Rinaldo Segundo, da promotoria de Poconé.
O garimpo na região remonta ao primeiro ciclo do ouro, ainda no século 18. Em declínio após a guerra do Paraguai, a atividade foi retomada a partir da década de 1980 com um ímpeto vigoroso e, ao mesmo tempo, descontrolado.
“A atividade evoluiu rápida, desordenada e de forma caótica, sem nenhum tipo de intervenção dos órgãos de fiscalização”, reconhece um relatório produzido pela extinta Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema), em 2003, para a proposta de recuperação de uma área degradada na zona urbana.
O texto informa que, em 1988, Poconé abrigava 75 garimpos e mais de 2 mil garimpeiros. “Em 1995, teve início o processo que culminou com a regularização desta atividade (...) à época existia um montante de 52 garimpos”.
O resultado deste trabalho logrou transformar as práticas e reduzir os impactos ambientais. As marcas do período de devastação, porém, continuam a compor o cenário pantaneiro. “Apesar do longo tempo de embargo, nem todos os pontos foram recompostos. E isso representa um perigo”.
Locais como o “Tanque dos Padres”, onde o Centro de Tecnologia Mineral (CETEM, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia) identificou mais de 300 mil metros cúbicos de rejeitos de garimpo – o equivalente à carga de 10 mil caminhões-tanque.
“Vamos estudar, em conjunto com os peritos, formas de estabilização daquelas áreas. Não há ainda um consenso sobre o que fazer. Mas, nas condições de degradação que muitas se encontram, um vazamento poderia ser algo terrível não apenas para o município, mas para todo o pantanal”.
Mineradores não acreditam em catástrofe
O geólogo André Luiz da Silva Molina, presidente da Cooperativa de Desenvolvimento Mineral de Poconé (Cooperpoconé), não acredita que o diagnóstico proposto pelo MPE vá encontrar alguma catástrofe em potencial. Segundo ele, a maior parte das áreas já se regenerou.
“Eu tenho a sensação de que 70% a 80% daquelas áreas já se encontram em um patamar muito avançado de regeneração. Não há necessidade de mexer, portanto. Talvez fosse o caso de recuperar algumas áreas de preservação permanente, mas não vejo risco algum de vazamento”, avalia.
A Cooperpoconé reúne 17 empresas mineradoras do município. Para o presidente, o estrago deixado pela atividade é um retrato da falta de marcos legais. “Até 1995, não havia nem Código Ambiental no Estado. Hoje a situação é outra. Somos um modelo para o Brasil”.
Para o presidente, uma medida mais urgente que o diagnóstico das lagoas é a implantação de instrumentos de controle e monitoramento das áreas. “Acho que talvez fosse o caso de plantar alguma vegetação, mas o principal é monitorar a água e os sedimentos”.
O risco de contaminação pelo mercúrio, diz o geólogo, é superdimensionado. “Existe muita fantasia. No caso das lagoas, o material está no fundo e inerte. Não vejo risco algum”.
(Por Rodrigo Vargas, Diário de Cuiabá, 02/03/2007)