Dez anos depois de ser proibida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a farra do boi continua a ser praticada ilegalmente em Santa Catarina e, segundo dados da PM (Polícia Militar), cresce a cada ano.
No ano passado, foram registradas 467 ocorrências de abuso ao animal. Desde 2002, quando o então governador Esperidião Amin (PP) barrou --por considerar inconstitucional-- um projeto de lei da Assembléia Legislativa que legalizava novamente a festa, houve um aumento de 134% nos casos flagrados pelas autoridades.
Cinco anos atrás, foram registradas 199 denúncias de farra do boi em 11 cidades. Em 2006, 21 municípios tiveram ocorrências desse tipo.
Para o comandante-geral da PM de Santa Catarina, Eliésio Rodrigues, o aumento ocorreu porque "despertou o sentimento das pessoas, que passaram a acionar mais a polícia".
Rodrigues diz que os dados são referentes aos chamados recebidos pelo telefone 190.
Neste ano, às vésperas da Semana Santa --período em que a festa é mais praticada--, já foram registrados incidentes graves. Em Balneário Camboriú, um vigilante da prefeitura chegou a ser agredido por farristas. Ninguém foi preso.
Já em Florianópolis, uma mulher teve a casa apedrejada após denunciar à Polícia Militar maus-tratos contra um boi na praia da Joaquina.
Mais denúncias
Para Rodrigues, não há razão para temor. "Se der espaço, a malandragem ocupa. Se passar a se esconder e não denunciar, os casos só vão aumentar", diz o comandante-geral da PM.
A capital teve, no ano passado, 206 ocorrências do festival. Itapema, Biguaçu, Porto Belo e Governador Celso Ramos são os outros municípios do Estado que encabeçam a lista dos campeões em registros.
Na farra tradicional, o boi é solto nos chamados "mangueirões" --pastos cercados com madeira-- ou mesmo no meio da multidão, que tenta, com paus, chicotes e objetos cortantes, vencê-lo pelo cansaço ou então feri-lo mortalmente.
A festa foi proibida em 3 de junho de 1997 pelo STF, que considerou o festival "cruel".
A prática é considerada crime. O artigo 32, da lei federal 9.605, diz que aquele que "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres" fica sujeito a uma pena que varia de três meses a um ano de detenção e multa.
Para o presidente da ONG Instituto Ambiental Ecosul, Hallem Guerra, um dos principais problemas encontrados pela polícia é identificar os farristas. "Quando se chega, após a denúncia, só está o boi", afirma.
Segundo ele, as autoridades não estão sendo mais omissas como em anos anteriores. Ainda assim, diz, será muito difícil banir o festival do Estado.
Protesto
Neste ano, entidades como a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês) devem voltar a fazer manifestações, que receberão o apoio da Polícia Militar e do Ministério Público.
Em 2006, houve protestos em 14 cidades do país contra a tradição catarinense. O slogan escolhido em 2007 é "Farra do Boi - Festa de Covardes".
O governador reeleito Luiz Henrique da Silveira (PMDB), que, no ano passado, afirmou que era preciso "respeitar a raiz cultural do evento" e foi alvo de alguns protestos, deverá ser poupado desta vez.
"Ele pelo menos não se manifestou mais. Entendeu que como autoridade máxima do Estado incorre no crime se faz vistas grossas ou declara simpatia por isso", diz Guerra, do Instituto Ambiental Ecosul.
(Folha de S. Paulo, 01/04/2007)