A escritora Cristina Marques está fazendo história no mercado editorial brasileiro. Com um método original para publicar livros, a autora utiliza a coleta de lixo reciclável como moeda. Os principais beneficiados são as crianças das escolas municipais de Blumenau em Santa Catarina. O sucesso do projeto garantiu a Cristina o Prêmio Mulher Empreendedora 2006, pela Região Sul, na categoria associação, entregue nesta quarta (28/3).
Cristina Marques, junto com Solange Vale Castro, proprietária da empresa Sacolart (AM), ganhou ainda o prêmio extra: uma viagem internacional para conhecer ações que sejam referência no campo do empreendedorismo. O destino é a Itália e a viagem está prevista para este ano.
Embora inusitada, a estratégia é muito simples. Desde 2005, quando liderou um grupo de professores e juntos fundaram o Instituto Evoluir, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), localizada em Blumenau, Cristina segue a mesma rotina de trabalho. Primeiro ela negocia com grandes empresas, como a Hering e a Bunge, que se comprometem a vender o lixo coletado nas próprias empresas e repassam o dinheiro para o instituto. Outra parte do investimento no projeto vem por meio de renúncia fiscal em leis de incentivo estaduais e federais.
Autora de dezenas de livros infantis, Cristina utiliza o dinheiro para contratar gráficas e artistas plásticos para ilustrar os livros. Articula também com vários escritores locais para escreverem histórias. Quando as publicações estão prontas, a empreendedora visita as escolas públicas da cidade para distribuir os livros gratuitamente. Cada criança recebe um exemplar, desde que traga de casa um quilo de lixo para ser doado à escola, que armazena e vende o lixo coletado da criançada para reinvestir na compra de material escolar.
132 mil livros
A primeira experiência foi em 2005, com a coleção ‘Cantos e Encantos’, formada por 13 livros com histórias de 16 páginas cada, e mais um CD com músicas infantis. Além de Cristina Marques, o trabalho é assinado pela cantora Nana Toledo e o artista plástico Julian Boris. Em seis meses, foram distribuídos 132 mil livros para a garotada. Em 2006, as atividades do Instituto Evoluir foram interrompidas por causa das eleições, para evitar uso político do projeto, e só foram retomadas no final de outubro.
Em 2007, o instituto lança a mais nova coleção ‘Jóias Literárias’, que reúne 12 livros infanto-juvenis de 64 páginas cada, escritos por 12 autores locais, com ilustrações do artista plástico Eugenio Colonese. Os principais gêneros constam na coleção, de suspense a humor. Inicialmente foram rodados 24 mil exemplares. “Fico contente de contribuir para a democratização da cultura e também de gerar renda para as gráficas e revelar novos autores locais. E tudo por meio da educação ambiental”, sintetiza Cristina Marques.
A autora lembra bem quando decidiu abraçar a causa. Como escritora de livros infantis, visitava escolas para conversar com as crianças. Um dia Cristina se comoveu com uma menina. “Enquanto eu falava, ela folheava um dos meus livros com as pontinhas dos dedos para não estragar e procurava terminar a leitura antes que eu fosse embora porque ela não poderia comprar o livro. Ao descer o morro da escola, vi muito lixo reciclável espalhado e pensei: preciso transformar lixo em livro”.
O processo de bater na porta de empresas privadas e da prefeitura em busca de apoio não demorou a gerar resultados. Logo o instituto fidelizou 9 mil pequenos leitores, que agora querem cada vez mais livros. Sem falar nos adolescentes que aguardam o atual lançamento de obras juvenis.
Mobilização da comunidade
Atualmente a propaganda é garantida em todas as rádios e jornais. E toda a comunidade se movimenta para que as crianças sejam avisadas. Na elaboração dos livros, os professores das escolas públicas opinam sobre os temas e os autores locais escrevem sobre a cultura da região.
A Hering, por ser a primeira empresa a ajudar fornecendo lixo, inscreveu o projeto no concurso da revista Expressão e recebeu o Prêmio Marketing Ecológico 2005. “Tal conquista abriu as portas para que muitas empresas engrossassem a fileira de nossos colaboradores”, afirma a líder do instituto.
Nascida em São Paulo e familiarizada com livros desde criança por causa do pai que trabalhava na editora Nova Fronteira, Cristina Marques é formada em Letras e Teologia. Atua no mercado editorial desde 1984. “Temos muito a fazer. No Brasil, 73% de toda a literatura produzida são consumidas por apenas 16% dos leitores. E em 89% dos municípios não existem livrarias propriamente ditas”, enumera.
Atualmente o Instituto Evoluir tem uma programação editorial para três anos. Com patrocínio da Bunge, as atividades agora estão se ampliando para o município vizinho, Gaspar.
Como a maioria dessas crianças nunca teve um livro na vida, apenas tomou emprestado da biblioteca, algumas delas têm até dificuldade em acreditar quando ganham o primeiro, como observa Cristina. “Um dia uma criança trouxe o lixo reciclável, recebeu o livro e perguntou: ‘tia, é meu? Eu falei: ‘é seu, sim’. Ela voltou a perguntar: ‘é para sempre?’”.
(Por Alessandro Soares, Agência Sebrae, 29/03/2007)