Cerca de 150 quilombolas e indígenas da região do Vale do Ribeira, sul do Estado de São Paulo, participaram nesta quinta-feira (29/03) de uma audiência pública, na Assembléia Legislativa, para discutir questões ligadas ao reconhecimento territorial e ao desenvolvimento socioeconômico das cerca de 60 comunidades quilombolas e 12 comunidades indígenas da região.
Na análise sobre os principais desafios para o desenvolvimento das comunidades tradicionais do Vale do Ribeira, o projeto de construção da hidrelétrica de Tijuco Alto, cuja barragem, de planejados 153 metros de altura e 65 quilômetros de extensão para geração de 150 MW de energia, foi considerado a maior ameaça à sua complexa diversidade socioambiental e cultural.
Tijuco Alto, uma das quatro barragens prospectadas para o rio Ribeira do Iguape, é um projeto privado da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim, que pretende gerar energia para produção de alumínio em sua fábrica no atual município de Alumínio, antigo distrito de Mairinque. Proposta ainda na década de 1980, a hidrelétrica foi repetidamente rejeitada em função de sua inviabilidade socioambiental, mas o empreendedor acabou enviando o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) ao Ibama em setembro do ano passado. Desde então, o órgão poderá conceder a licença ambiental e de operação a qualquer momento, temem as comunidades.
Segundo José Rodrigues, liderança do quilombo de Ivoporunduva e dirigente do Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB), o impacto sobre o Vale do Ribeira, uma das regiões culturalmente mais ricas e diversas de São Paulo, e detentor de 23% do que resta de Mata Atlântica no Brasil, é imensurável do ponto de vista do passivo socioambiental. Mas as características físicas – solo calcário com ocorrência de uma infinidade de cavernas de todos os tamanhos – tornam a região potencialmente imprópria para a construção de barragens, uma vez que não é possível calcular que tipo de vazão subterrânea da água e quais os perigos de rompimento das estruturas podem ocorrer no decorrer dos anos.
“Estes são aspectos que o Ibama não contempla”, concorda Nilton Tatto, coordenador do Programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA), acrescentando que, de acordo com a legislação ambiental, é necessário que o estudo de impactos abarque toda a bacia do rio, o que não foi feito no EIA/Rima do Tijuco Alto.
Com a inclusão da hidrelétrica no projeto de expansão energética do Ministério das Minas e Energia e sua elevação a instrumento importante para o sucesso do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, comunidades tradicionais, ambientalistas e parlamentares contrários à sua construção se propuseram, como resultado da audiência pública desta quinta, a estudar formas legais de proteger o Ribeira e seu curso.
Entre as propostas discutidas em oposição à barragem, há uma série de investimentos na revitalização do rio e atividades agroextrativistas, agroecológicas, de artesanato, ecoturismo etc, para o desenvolvimento sustentável da região. Segundo o deputado Simão Pedro (PT), um dos articuladores da audiência pública, os assessores do mandato devem estudar os trâmites jurídicos para a apresentação de um projeto de lei que conceda ao rio Ribeira do Iguape status de área protegida, o que impediria legalmente qualquer intervenção como a construção de barragens.
“No momento, estamos empenhados em fiscalizar todos os procedimentos ligados ao projeto da hidrelétrica de Tijuco Alto para garantir o respeito aos direitos das comunidades e o cumprimento da legislação ambiental. Mas a bancada do PT é contrária à construção da barragem, e vamos avaliar juridicamente o que é possível fazer”, afirma o deputado.
De acordo com Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um PL no sentido da criação de uma Unidade de Conservação no curso do rio é possível e pode seguir a lógica da legislação estadual, que, sob o governo de Franco Montoro, declarou São Paulo um Estado livre de usinas nucleares na década de 1980.
Outras medidas na mesma direção estão sendo estudadas tanto em São Paulo quanto no Paraná, onde o rio desemboca no mar, explica Nilton Tatto. “Existem iniciativas de transformar o rio em patrimônio nacional no Paraná, e em São Paulo estamos estudando a possibilidade de registrar o Ribeira como patrimônio imaterial no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”, explica o diretor do ISA.
Mobilizações
No último sábado (24/03), cerca de 2,5 mil quilombolas, indígenas e ativistas ambientais realizaram uma marcha de protesto de nove quilômetros contra Tijuco Alto na BR-116, na altura no município de Cajati, e bloquearam a rodovia por cerca de meia hora.
Segundo os manifestantes, as comunidades locais exigem que o EIA/Rima do projeto seja revisto pelo Ibama e que a licença de operação seja negada, ao mesmo tempo em que o governo garanta investimentos em projetos de desenvolvimento sustentável da região.
“[O empresário] Antonio Ermírio de Morais já afirmou que, para ele, a construção de Tijuco Alto é uma questão de honra. Mas ele não é dono do Vale do Ribeira”, diz José Rodrigues, para quem a avaliação do EIA/Rima pelo Ibama é politicamente viciada, uma vez que técnicos do órgão, quando comparecem ao local, utilizam a estrutura da CBA, como carros e helicópteros, para percorrer a região.
(Por Verena Glass ,
Agência Carta Maior, 29/03/2007)