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2007-03-27
Fenômenos climáticos como El Niño e o atual aquecimento global incidem de maneira desproporcional sobre as regiões pobres. Por isso, são cruciais as contribuições da meteorologia à luta contra a pobreza, afirmam cientistas. “Onde há menos infra-estrutura, há mais vulnerabilidade e mais população pobre”, explicou à IPS Yesid Carvajal, especialista da Rede de Universidades do Pacífico Sul (Rupsur). Muitas perdas poderiam ser evitadas se envolvessem a ciência nas decisões, acrescentou Carvajal, doutor em hidrologia e até 2006 secretário-executivo da Rupsur. “Sempre os pobres são os vulneráveis e os que estão mais expostos a perdas, tanto econômicas quanto em vidas humanas”, afirmou.

Há 10 anos, os cientistas trabalham duramente para que “os tomadores de decisão se conscientizem de que é preciso e urgente envolver o tema do clima no planejamento dos recursos naturais”. A proporção entre os custos de atender um desastre e investir em pesquisas e infra-estrutura para diminuir a vulnerabilidade é de nove a um, segundo Rupsur. A rede de universidades da Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Peru, Paraguai e Venezuela foi criada em 1998. Com vistas a chamar a atenção sobre a importância do clima, no último dia 23, Dia Meteorológico Mundial, foi dedicado à meteorologia dos pólos, vinculada à celebração do Ano Polar Internacional (2007-2009).

Segundo especialistas da Rupsur, a América Latina é muito vulnerável à “variação e mudança climática” e a fenômenos periódicos como El Niño, que está terminando. Em razão do El Niño, a Bolívia viveu entre dezembro e este mês uma onda inusitada de chuvas, transbordamentos de rios e ventos de furacão no nordeste, e secas, granizo e geadas no ocidente. Mais de 50 pessoas morreram e quase 800 famílias foram afetadas em todo o país. Também houve danos no Equador, Peru e na Colômbia.

El Niño, fase quente da Oscilação do Sul (ENOS), ocorre quanto a temperatura da água do oceano Pacífico esfria no sudeste asiático e aquece perto da costa sul-americana. As repercussões climáticas do processo têm escala planetária. Sua contraparte, La Niña, fase fria do ENOS e menos estudada, já começou. Costuma durar 12 meses, segundo Max Henríquez, subdiretor de meteorologia do estatal Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Assuntos Ambientais da Colômbia (Ideam). Devido à La Niña, são esperados mais furacões no Caribe nesta temporada, e mais fortes do que de costume.

Neste momento de transição entre as duas fases, começa a chover onde houve seca, e ali onde houve inundações, seca pouco a pouco. Na Colômbia, por exemplo, foram extintos mais de 370 incêndios que arrasaram mais de 40 mil hectares de florestas e planícies em 187 municípios durante a passagem do El Niño, e os rios, muito lentamente, voltam ao seu leito. Carvajal alertou que a chegada de La Niña “se traduz, devido às condições topográficas da Colômbia, em deslizamentos, inundações perda de infra-estrutura, que tornam necessário tomar medidas preventivas para tentar minimizar os efeitos desta fase fria”.

Neste país, mais de dois milhões de pessoas vivem em zonas de alto risco de inundação, ao lado de rios que de tempos em tempos transbordam, algo “que está relacionado com o modelo de desenvolvimento que implementamos neste país”, disse à IPS Henríquez, que não vê solução para isso. Entretanto, reconhece progressos “muito positivos”, como a assinatura, após quatro anos de insistência, de um convênio de cooperação entre o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural e o Idam. A razão, segundo Henríquez, é que “agora sim” o conhecimento sobre o clima ganha importância.

É que os alertas, feitos meses atrás pelo Ideam, sobre o impacto do El Niño foram, em geral, precisos, embora em novembro e dezembro tenham caído fortes chuvas, quando se esperava seca, efeito que aconteceu entre janeiro e metade de março. O acordo “vai servir para criarmos capacidades em nível institucional no Ideam para poder responder melhor as necessidades do setor agropecuário”, disse. As perdas globais da Colômbia por causa do El Niño, que devem incluir a redução da navegabilidade dos rios, ainda devem ser quantificados, mas o Ministério da Agricultura estima que as fortes geadas custaram cerca de US$ 55 milhões.

As repentinas temperaturas abaixo de zero nas madrugadas queimaram em nove dos 32 departamentos cerca de 15 mil hectares de cultivos de batata, flores, hortaliças, frutas, leguminosas, milho e aromáticas, bem como pastagem para o gado. Além do convênio, também foram aprovados recursos do Estado para um projeto que havia sido proposto sem sucesso no ano passado, pelo qual Henríquez e sua equipe esperam fazer, nos próximos três anos, uma atualização do modelo usado pela instituição para avaliar os efeitos do El Niño e estudar as condições oceânicas em relação ao clima.

A atenção estará voltada para o mar do Caribe, para estudar os vínculos do El Niño com a chamada Oscilação do Atlântico Norte (NAO, sigla em inglês), um sistema de bombeamento de pressão na atmosfera “que nos indica se a água fria ou quente se move para a costa do nordeste dos Estados Unidos ou em sentido contrário”, explicou Henríquez. Até agora, o Ideam não havia envolvido a NAO em suas análises sobre El Niño. “Acreditávamos que não era tão determinante em nosso clima, ou, pelo menos, não havia sido no passado. Mas neste último ano vimos que tem um peso maior. De todo modo, temos de entendê-lo, pesquisá-lo”, afirmou.

O impacto da Oscilação do Sul “recai de forma desproporcional sobre os países em desenvolvimento, especialmente sobre os setores mais pobres, pondo em risco o êxito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) ao incrementar as desigualdades na saúde, no acesso a uma alimentação adequada, à água potável e a outros recursos”, afirma Rupsur. O principal dos oito ODM (compromissos assumidos em 2000 por todas os países da ONU) é reduzir pela metade a proporção de indigência e fome com base nos dados de 1990, com prazo até 2015. Por isso Rupsur dedicou seu quarto encontro, realizado em novembro a analisar os impactos sócio-econômicos e ambientais do El Niño, bem como a explorar as tendências e os desafios referentes aos ODM, para definir ações.
(Por Constanza Vieira, IPS, 26/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=29644&edt=1

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