Desafio ambiental para o Mercosul: como alimentar o mundo sem esquentar o planeta?
2007-03-27
Por trás do auge das exportações agropecuárias do Mercosul, os países do bloco enfrentam um desafio ambiental: a metade dos gases causadores do efeito estufa liberados na atmosfera procedem do campo. Porém, especialistas da Argentina criaram um plano para reduzir em até 30% a emissão de metano devido ao processo digestivo do gado. “A solução é uma dieta equilibrada entre pastagens e alimento balanceado, aditivos para melhorar a digestão animal e um manejo mais eficiente”, disse à IPS Roberto Gratton, da equipe da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires (Unicen), que realizou a pesquisa.
O estudo, intitulado “Minimização das emissões através da redução das emissões de metano entérico”, contém abundante informação sobre os gases emitidos pela atividade agropecuária argentina, mas também no Brasil, Paraguai e Uruguai, sócios do Mercosul junto com a Venezuela. O plano é importante para aumentar a produtividade do setor e reduzir as emissões de metano, um dos gases aos quais a maioria dos especialistas em clima atribuem o aquecimento do planeta. Segundo o estudo da Unicen, 48% dos gases que causam o efeito estufa emitidos por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai procedem do setor agrícola.
O aquecimento planetário, em geral, é associado ao dióxido de carbono, gás liberado pela queima de combustíveis fósseis. Cerca de 73% das missões globais procedem desse processo, e no caso dos Estados Unidos (o maior emissor) a porcentagem sobe para 84%. Mas em países de menor desenvolvimento e forte atividade agrícola, as proporções mudam. No Mercosul, cujo setor rural vive um período de expansão graças à exportação de alimentos, a preocupação se volta para o campo.
O coordenador do inventário argentino de fontes de emissão de gases causadores do feito estufa, Osvaldo Girardín, confirmou à IPS esses dados, mas explicou que, ao contrário de outros países e regiões do mundo em desenvolvimento, no Mercosul “as florestas ainda são vastas e não se usa biomassa como combustível”. Isto permitirá compensar em parte a contaminação rural, pois as florestas agem como lixões de carbono. De todo modo, as propostas de redução de emissão de gases na pecuária são de fácil aplicação e aumentaram a eficiência.
O gado bovino criado “no campo”, que fornece carne de alta qualidade, emite grande quantidade de metano, outro poderoso gás causador do efeito estufa. “Noventa e seis por cento desse gás é gerado durante a digestão no rúmen, que é o primeiro estômago do animal”, explicou Gratton. Para realizar a medição, os técnicos da Unicen utilizaram um dispositivo já usado na Nova Zelândia para recolher amostras de ar próximo da boca do animal. “Trata-se de um primeiro estudo que deve ser repetido nas diferentes regiões do país, onde as condições de pastoreio alimentação variam”, ressaltou.
Com base nos dados obtidos, os técnicos fizeram sugestões para melhorar a eficiência da produção. “São soluções simples que permitiriam baixar em até 30% as emissões. Ao produtor é conveniente aplicá-las porque haveria menor perda de energia do animal e maior produtividade”, acrescentou Gratton. O técnico explicou que a tecnologia para obter informação sobre emissões foi testado no Uruguai com apenas um animal, não de forma sistemática, e no Brasil há um pequeno experimento sobre estes desenvolvimentos. Por outro lado, os estudos argentinos, realizados com cooperação neozelandesa, parecem estar mais avançados.
As plantações de soja e os arrozais, de enorme desenvolvimento no Mercosul, também são grandes emissores de óxido nitroso, outro gás que contribui para o aquecimento do planeta. Mas para essa atividade as alternativas de redução de emissões ainda não bastam. Segundo dados do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, o desempenho agropecuário da região nos últimos quatro anos foi extraordinário devido a condições naturais, mas também a investimentos tecnológicos à demanda sem precedentes da Ásia, que se manterá no médio prazo.
O Brasil foi em 2006 o maior exportador de carne bovina é líder em produção e venda de carnes de porco e ave. A Argentina é o terceiro exportador mundial de carne bovina, e no Uruguai as exportações desses produtos em 2006 não tiveram precedentes. Por sua vez, o Brasil é o segundo produtor mundial de soja e a Argentina o terceiro, atrás dos Estados Unidos. São seguidos por China, Índia e Paraguai. Isto significa que o Mercosul, como bloco, é o maior produtor dessa leguminosa, que serve de alimento para o gado e para produção de óleo.
O Uruguai, apesar de seu pequeno território, é o sexto produtor mundial de arroz. Porém, todo esses esforço de produção alimentar tem sua contrapartida na contribuição dessas atividades para o aquecimento global. Segundo a Unicen, do setor rural procedem 52% das emissões de gases causadores do efeito estufa da Argentina, 49% das emissões do Brasil, 51,5% do Paraguai e 81% das uruguaias. Neste último caso, a baixa porcentagem de emissões de dióxido de carbono também se explica por sua sustentada expansão florestal.
(Por Marcela Valente, IPS, 26/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=29646&edt=1