Se o homem é capaz de aquecer inadvertidamente o planeta inteiro, certamente não está além de sua capacidade esfriá-lo, não é? Embora a maior parte dos climatologistas não goste de falar sobre isso, reduzir as emissões dos gases que provocam o efeito estufa não é a única maneira de resolver o problema das mudanças climáticas. Assim como a tecnologia provocou o problema, ela também pode ser capaz de ajudar a revertê-lo. O uso da engenharia em escala planetária para contrabalançar as mudanças climáticas é conhecido como "geoengenharia".
A idéia já existe há anos. Quando um relatório sobre as mudanças climáticas foi submetido ao presidente Lyndon Johnson, em 1965, os autores nem se deram ao trabalho de considerar a idéia da redução das emissões de dióxido de carbono. Em vez disso, o relatório sugeria espalhar "partículas refletoras muito pequenas" pelos oceanos para refletir a luz e levar o calor de volta para o espaço.
Desde então, a maior parte dos ativistas e formuladores de políticas vêm se concentrando na redução das emissões, e a idéia de esfriar deliberadamente a Terra nunca foi adiante. A maior parte das pessoas pensa que reduzir as emissões é o caminho mais sensato. Mas, como as emissões globais continuam crescendo, e parece que continuarão assim nos próximos anos, a idéia da geoengenharia voltou a ser aceita.
A publicação científica "Climate Change" divulgou uma série de artigos sobre o assunto em agosto, incluindo um de Paul Crutzen, o químico atmosférico ganhador do Nobel. Em novembro, a Carnegie Institution e a Nasa, a agência espacial americana, realizaram uma conferência sobre o assunto. E membros do governo americano vêm fazendo lobby para que as pesquisas de geoengenharia sejam incluídas entre as recomendações do mais recente relatório sobre as maneiras de se amenizar as mudanças climáticas do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas, o IPCC.
De todos os planos propostos, o mais ambicioso (e caro) seria colocar uma espécie de pára-sol gigante no espaço, no interior do ponto Lagrange, a posição na linha entre a Terra e o Sol em que a combinação das forças centrípeta e gravitacional permite que um objeto se mantenha em posição constante entre os dois pontos. Se o objeto for grande o bastante, ele pode bloquear uma quantidade de raios de sol suficiente para esfriar a Terra.
Roger Angel, astrônomo da Universidade do Arizona, já sugeriu montar nesse ponto uma nuvem de milhões de pequenas espaçonaves reflexivas (com menos de um metro de comprimento), que bloqueariam 1,8% dos raios solares.
Angel estima que a massa total do pára-sol exigida seria de aproximadamente 20 milhões de toneladas. O espelho consistiria de peças de aproximadamente um metro de comprimento colocadas em posição usando uma combinação de lançadores magnéticos e propulsão ionizada. Segundo ele, o projeto custaria uns poucos trilhões de dólares, ou menos de 0,5% do PIB mundial. Angel admite que a solução é um tanto improvável, mas a Nasa teria acenado com a esperança de que explorará a idéia.
Uma abordagem menos exótica, apoiada por Crutzen, é espalhar pequenas partículas na atmosfera superior para refletir os raios de sol. Esse efeito já foi comprovado na natureza: partículas leves de sulfato, chamadas aerossóis, lançadas na atmosfera por grandes erupções vulcânicas como a do monte Pinatubo, em 1991, já produziram períodos de esfriamento global. A poluição por sulfato pelas indústrias já teve conseqüências parecidas, mas, depois de 1990, o controle da poluição em muitas regiões do planeta teve o efeito colateral perverso de aumentar o aquecimento global.
A idéia mais "pé no chão" é a que foi proposta por John Latham, um cientista do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas do Colorado (EUA). Ele sugere que assoprar gotículas de água do mar no ar estimularia a formação de nuvens marinhas baixas e com alto poder de refletir os raios. Simulações indicam que isso pode ter um bom efeito de resfriar a temperatura. A questão é: como fazer isso de uma maneira economicamente viável?
Stephen Salter, da Universidade de Edimburgo, projetou uma embarcação sem tripulantes que produziria essas nuvens usando a força do vento. Ela avalia que apenas 50 dessas estruturas, cada uma custando uns poucos milhões de dólares e pulverizando cerca de 10 litros de água por segundo, poderiam neutralizar o equivalente a um ano de emissões globais de dióxido de carbono - mas outras 50 embarcações seriam necessárias a cada ano até que as emissões de dióxido de carbono estivessem sob controle.
Os barcos de Salter seriam muito mais eficazes do que outros esquemas de geoengenharia, diz ele. Poderiam ser utilizados no Atlântico Norte para esfriar a capa de gelo da Groenlândia durante o verão no hemisfério, sendo depois transferidos para a Antártica para trabalhar no verão do Sul. Ken Caldeira, cientista da Carnegie Institution, sugere até que, ao esfriarem o mar, essas embarcações poderiam ser usadas para combater os furacões, já que as altas temperaturas na superfície do mar estão ligadas à formação deste fenômeno.
Outras propostas incluem semear os oceanos para que eles absorvam mais dióxido de carbono e construir enormes refletores em regiões desérticas para refletir a luz do Sol de volta para o espaço. Esta última idéia é impraticável, diz Caldeira, que avalia que metade dos desertos do mundo teriam que ser cobertos pelos refletores. Na verdade, a maioria dos esquemas de geoengenharia parecem meio loucos e tendem a apresentar complicações técnicas e estéticas. Poluir deliberadamente a atmosfera deixaria o céu menos azul, embora isso fosse tornar o pôr-do-sol mais bonito. Bloquear a luz solar ajudaria a esfriar o planeta, mas seria pouco útil na equação de outros efeitos colaterais do aumento dos níveis de gás carbônico na atmosfera, como a acidificação dos oceanos.
Muitos ambientalistas se opõem à idéia. Ralph Cicerone, presidente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, disse que a geoengenharia desperta reações contrárias "por razões variadas e sinceras que não são totalmente científicas".
Mas parece razoável temer que a esperança ilusória de uma solução científica possa prejudicar a adoção de soluções políticas, como as metas de redução nas emissões de gases-estufa, elaboradas para atacar a principal causa do problema. E há também o perigo das conseqüências não previstas. As mudanças climáticas são, indiscutivelmente, uma experiência com a qual a humanidade se deparou sem querer. Iniciar uma segunda experiência na esperança de contrabalançar a primeira seria, no mínimo, arriscado.
(
The Economist , 23/03/2007)