Decisão final do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1a Região encerra polêmica e ordena a imediata suspensão das atividades do porto até a realização dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Cargill terá de cumprir determinação judicial se quiser continuar operando na região
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com o apoio da Polícia Federal, fechou no sábado (24/3), o terminal graneleiro da multinacional norte-americana Cargill em Santarém, no oeste do Pará. A ação é resultado do pedido do Ministério Público Federal (MPF) do Pará de “fiscalização e paralisação imediata das atividades do porto, além de autuação da empresa por operação irregular” e foi confirmada na sexta-feira pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1a Região.
A pedido do MPF, o desembargador federal do TRF da 1a Região, Souza Prudente, ordenou o cumprimento integral da decisão de 2000 que suspendeu as licenças de funcionamento do porto da Cargill em Santarém. O terminal graneleiro desobedece às leis brasileiras que exigem a realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para empreendimentos desse porte. De acordo com o MPF, “a ordem encerra a pretensão da multinacional de desobedecer a liminar, impede suas atividades na região e garante a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental para o funcionamento do terminal graneleiro”.
Para o procurador da República em Santarém, Felipe Fritz Braga, “a decisão é histórica e muda o paradigma de ausência de governança na região”.
“A paralisação das atividades do porto da Cargill coroa a luta de muitos anos das comunidades locais de Santarém e daqueles que combatem a expansão da soja na Amazônia. A soja e outros produtos do agronegócio são vetores fundamentais do desmatamento, que ameaça a biodiversidade e provoca mudanças climáticas”, disse Tatiana de Carvalho, da campanha do Greenpeace pela proteção da Amazônia.
Segundo Tatiana, a Justiça está dando uma indicação clara de que os grandes empreendimentos do agronegócio não podem mais se esquivar de atender a legislação brasileira. “Confiamos que a Cargill respeitará a decisão judicial fazendo (e fará) um amplo estudo de impacto ambiental (EIA) que resulte em medidas concretas para minimizar os danos ambientais provocados por seu porto e pela expansão da soja em toda a região. Isso será uma forma de demonstrar o compromisso da empresa com a moratória no desmatamento anunciada pelo setor da soja no ano passado”.
Inicialmente previsto para ser concluído no último dia 12, o procedimento de fiscalização teve seu prazo estendido pelo MPF até hoje a pedido do próprio Ibama. Desde 2000, o Ministério Público vem travando uma verdadeira batalha judicial para que a Cargill realize os Estudos de Impacto Ambiental.
Em vez de adequar suas operações de exportação de soja às leis ambientais, a empresa preferiu explorar as brechas da legislação brasileira e ganhar tempo, através de longa batalha judicial, para construir e operar o seu terminal em Santarém.
Desde 2003, o Greenpeace apóia a luta das comunidades locais de Santarém e defende que a Cargill realize amplo Estudo de Impacto Ambiental em toda a região afetada pela soja, para continuar operando. Em 2006, a organização ambientalista publicou extensa investigação dos impactos negativos do avanço da soja na Amazônia. O relatório “Comendo a Amazônia” revela como a demanda mundial por soja produzida na região tem alimentado o desmatamento da maior floresta tropical do planeta. Em maio do mesmo ano, o Greenpeace bloqueou o porto da Cargill com o navio Arctic Sunrise.
“É importante ressaltar o esforço contínuo do trabalho do Ministério Público Federal que, desde o início do processo defende o uso racional dos recursos naturais e vem se firmando como uma grande força de governança na região”, declarou o coordenador da campanha Amazônia, do Greenpeace, Paulo Adario.
“Nós, do movimento social de Santarém, simplesmente sentimos a justiça se realizar, finalmente, em defesa da Amazônia, de seu povo e de seu ecossistema”, disse Edilberto Sena, da Frente da Defesa da Amazônia. “Esperamos que o EIA-Rima de fato expresse a verdade sobre os impacto ambientais que o porto trouxe”.
Lei da mordaça
Em uma última tentativa de adiar o embargo do porto, a Cargill impetrou no último dia 07 de março um mandado de segurança para tentar impedir o Ministério Público Federal de agir ou divulgar atos para o fechamento do terminal graneleiro em Santarém. Com isso, a Cargill tentava impedir a fiscalização do Ibama e o conseqüente embargo do porto. O juiz federal em Santarém, Francisco de Assis Garcês Castro Júnior, indeferiu os pedidos da empresa uma semana depois.
Entenda o caso:
2000 - O MPF ajuiza Ação Civil Pública contra a Cargill e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente para que sejam paralisadas as obras do terminal e elaborado Eia-Rima. No mesmo ano o juiz federal Dimis da Costa Braga concede liminar cancelando as autorizações para o porto. A Cargill ajuíza recursos e obtém efeito suspensivo, iniciando as obras mesmo com a questão judicial irresolvida.
2003 - O terminal graneleiro começa a operar. Os dois primeiros recursos da Cargill contra a liminar da justiça são derrubados no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. A empresa ajuiza outros dois recursos.
2004 - Sai a sentença do processo principal, condenando a empresa a fazer Eia-Rima. A Cargill ajuiza apelação cível e a decisão fica suspensa até apreciação pelo TRF. Enquanto isso, os outros recursos contra a liminar de 2000 são negados pelos desembargadores federais.
2005 - Os advogados da empresa ajuizam outros dois recursos, para serem enviados às instâncias superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal).
2006 - Os últimos recursos são negados e nem chegam ao STJ ou ao STF. As decisões publicadas só poderiam ser questionadas até fevereiro, o que a empresa não faz.
2007 - Em janeiro o MPF é notificado do trânsito em julgado do processo e requisita ao Ibama uma inspeção no terminal, para verificação das licenças ambientais e consequente embargo de atividades. A Cargill tenta evitar novamente o Eia-Rima ajuizando mandado de segurança para impedir a fiscalização. A justiça extingue o processo.
(
Greenpeace Brasil, 24/03/2007)