T.J. Buthelezi abre um largo sorriso ao ser questionado sobre os benefícios proporcionados pelo algodão transgênico aos pequenos agricultores negros da região de Makhatini, no nordeste da África do Sul, perto das fronteiras com Suazilândia e Moçambique.
Alheio à polêmica que ainda envolve o plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs), ele afirma que, com boas chuvas, a produtividade pode ser até três vezes maior que a do algodão convencional. E explica que o número de aplicações de agroquímicos nas lavouras é menor e o lucro é garantido, apesar de a semente ser mais cara.
Aos 57 anos, Buthelezi preside a confederação de pequenos produtores do país, entidade que reúne 53 associações que representam cerca de 5 mil filiados no total, 500 deles espalhados em propriedades de no máximo dez hectares em Makhatini. Em inglês fluente, diz que ele próprio agora pode oferecer melhores condições de vida a sua família, o que não é desprezível.
Fiel às tradições do guerreiro povo zulu, majoritário na região, Buthelezi tem quatro esposas e aguarda o nascimento do 20º filho - que se tudo der certo, aposta, plantará muito algodão no futuro.
Pioneira no continente africano no plantio de culturas transgênicas, a África do Sul tornou-se mais que um laboratório ou mercado importante para as empresas globais desse segmento. Virou vitrine.
À disposição, soja, milho e algodão com tecnologia da americana Monsanto, que detém quase 100% do mercado local de sementes modificadas certificadas, e também milho de concorrentes como Syngenta, Bayer, Dow AgroSciences e DuPont.
Mesmo dominante, a Monsanto - que vende transgênicos no país desde que eles começaram a ser liberados, em 1997, no governo de Nelson Mandela - fatura pouco mais de US$ 80 milhões por ano no país, apenas uma fração de vendas mundiais que superam US$ 7 bilhões.
Mas o ponto não é esse. Para essas companhias, a África do Sul é, hoje, terreno fértil para a disseminação de uma ideologia favorável aos transgênicos. No país, a fome e a pobreza representam um forte argumento contra aqueles que denunciam riscos ambientais dos OGMs, ou estrilam diante do poderio econômico das multinacionais.
"Ambientalistas costumavam vir aqui para pedir que não plantássemos transgênicos. Não nos ofereciam nada, continuamos plantando e eles pararam de vir", diz Buthelezi.
Nesse contexto, a escalada do nível de adesão à biotecnologia foi vertiginosa. O algodão transgênico - hoje vendido nas versões tolerante a insetos, resistente a herbicidas ou com ambas as características combinadas - já ocupa 80% da área total de cotonicultura. É verdade que, em razão da estiagem e da concorrência com o milho, essa área caiu para 13,5 mil hectares na safra atual, ante 120 mil do início da década. Mas produtores crêem em retomada, e que ela se dará com mais transgênicos.
"Cresceríamos de qualquer forma, mas com o algodão transgênico temos uma produtividade 30% maior", afirma Kobus Willense, gerente da Makhatini Cotton Gin, grupo que dedica 1,6 mil hectares à cotonicultura, quase toda ela geneticamente alterada.
Gigante para os padrões locais, dona de uma fiação, a empresa presta consultoria a outros produtores e está entre os agricultores representados por Buthelezi e o mercado. Propriedade de um empresário branco, é ela, que tem escala, que vende os insumos (sementes e agroquímicos, já que as terras locais demandam pouca fertilização) para os pequenos e deles compra a produção, em uma rede que envolve aproximadamente 4 mil agricultores.
É um modelo de negócios comum no mundo todo, mas que em países ou regiões onde o campo é mais carente ainda rende discussões acaloradas. Na Índia, por exemplo, o debate sobre essa "globalização agrícola", incluindo suas multinacionais e seus subsídios, ferve.
Em 2006, a ONG Oxfam criticou duramente a "integração forçada e indiscriminada" dos cotonicultores indianos a um "sistema global injusto". No fim do ano, por conta da crise de preços, 1,2 mil deles preferiram o suicídio a encarar os credores. Hoje os ataques dos países pobres estão concentrados nos subsídios dos ricos, e qualquer sinal de aumento de renda - transgênico ou não - é bem recebido.
Ao contrário do que já fizeram muitos agricultores sul-africanos, o grupo de Buthelezi não pensa em mudar para o milho, mas é o grão a cultura que mais ganha espaço nas terras locais, impulsionado pelos bons preços gerados a partir da onda do etanol nos Estados Unidos.
Base da alimentação da população negra nas versões branca e amarela, o milho já ocupou quase 2,6 milhões de hectares no país na safra 2006/07, ante 1,6 milhão na safra 2005/06. As sementes transgênicas cobrem 44% do plantio sul-africano, e nesse movimento de expansão essa participação também tende a aumentar.
"Até prefiro o milho convencional, mas vou plantar transgênicos, que em breve vão ocupar todo o espaço que temos", afirma Poor du Plessets, dono de uma fazenda no distrito de Delmas, na Província de Mpumalanga, a cerca de 200 quilômetros de Johannesburgo. Seu vizinho Koos Uys, outro grande produtor branco, ocupa 60% das terras que tem (1,4 mil hectares) com milho transgênico e garante que com ele obtém produtividade 10% maior.
Com o ascendente milho como carro-chefe, mas pouca diversificação e poucos investimentos em razão da difícil situação socioeconômica da população negra, que ainda tenta melhorar sua inserção em atividades produtivas após anos de regime de segregação racial, a agricultura representa menos de 4% do PIB da África do Sul.
Em um país de 46,9 milhões de habitantes, quase 80% negros, o campo absorve 10% dos empregos, e a agricultura de subsistência predomina nas regiões mais pobres.
Nestas, onde a carência salta aos olhos no saneamento, as melhorias pós-apartheid são visíveis nas escolas novas e bem conservadas. Moradias também têm sido reformadas, mas nem de longe essas áreas têm algo em comum com Johannesburgo, um canteiro de obras de olho na Copa do Mundo de futebol de 2010, ou com a Cidade do Cabo, onde os vinhedos são atração turística e fonte de divisas.
(Por Fernando Lopes,
Valor Econômico, 23/03/2007)