Por Lúcio Flávio Pinto *
Na mesma região do Estado do Tocantins onde a São Bernardo Recursos Minerais anunciou a descoberta da maior jazida de minério de ferro do mundo, a Sempra Energy, a maior produtora de gás dos Estados Unidos, pretende instalar 12 usinas de álcool, usando uma área de nada menos do que 700 mil hectares. Mas planeja ir além: quer outros 800 mil hectares no Maranhão e em Mato Grosso, para os mesmos fins, mesmo que seja em terras arrendadas. Os dois projetos, o agroindustrial e o mineral, são apenas vizinhos ou há alguma relação entre eles?
Mesmo que tudo não passe de coincidência, é urgente preparar a Amazônia para receber ou rejeitar essa onda de energia verde, que já começou a quebrar dentro dela. A região está despreparada para essa nova invasão, que pode não ser nada melhor do que as anteriores, muito pelo contrário. A região precisa saber o que é melhor para si antes de qualquer fato consumado, o que exige rápido e pesado investimento em pesquisas.
Por enquanto, os amazônidas se comportam como os troianos diante do cavalo grego. No escuro, por isso vendo quase nada, muitos acham que o presente grego é uma maravilha. O cavalo energético é revestido de inclusão social, porque as plantas locais serão privilegiadas, o etanol é o energético do futuro, o biocombustível será inevitável, os assentamentos familiares participarão da festa e todos serão felizes para sempre. O desfecho do mito, porém, Homero já contou. Em versos tão terrivelmente maravilhosos que a prosa do marketing jamais poderá igualar.
Hidrelétricas
A decisão do governo de pagar mais do que fora estabelecido em contrato pelo gás boliviano, dando 100 milhões de dólares adicionais ao governo de Evo Morales, deverá repercutir na construção das duas hidrelétricas previstas para o Rio Madeira. Embora ambas as usinas se localizem no Estado de Rondônia, a Bolívia vai engrossar a voz para sustentar que as águas do rio nascem no seu território. É uma situação diferente do empreendimento energético bilateral de Itaipu, no Rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai, mas ficará cada vez mais parecido. Para o bem e para o mal, provavelmente.
Látex invisível
No mesmo momento em que o governo anunciava um programa para plantar seringueiras no nascente distrito florestal de Carajás, a Luvas Lemgruber, do Rio de Janeiro, maior produtora de luvas cirúrgicas do país, anunciava que pretende abrir sua segunda fábrica. Ficará ou no Maranhão ou no Espírito Santo, que, obviamente, se situam fora da terra nativa da Hévea Brasiliense. Na primeira das três etapas previstas, a fábrica absorverá investimento de R$ 30 milhões. Para os padrões amazônicos, não é tanto dinheiro quanto os nossos "grandes projetos" costumam movimentar, mas a fábrica carioca dá emprego a 500 pessoas.
Por que a Lembruger vai para outro Estado? Porque precisa integrar toda sua produção, indo do látex à luva cirúrgica. Para isso, vai ter que plantar seringueira. Maranhão e Espírito Santo são considerados Estados atraentes naturalmente, mas a indústria também quer incentivos para se decidir. Ela não pode mais depender da importação de látex da Ásia, que constitui 100% da matéria-prima usada na produção de luva cirúrgica no Brasil, que já importa 40% das luvas que usa (antes, era auto-suficiente).
Enquanto isso, a burocracia bate o bumbo e passa com a fanfarra.
* Jornalista, editor do Jornal Pessoal
(
Adital, 20/03/2007)