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2007-03-23
O Dia Mundial da Água, comemorado ontem (22/03), estará marcado no Equador por protestos contra a privatização, a construção de represas a exploração mineira, e, ainda, pela campanha para incluir na futura Constituição o acesso ao recurso como um direito humano fundamental. Ativistas vêem como uma vitória a suspensão do processo de privatização do serviço de água potável em Quito, decidida na semana passada pelo prefeito Paco Moncayo. O processo de concessão, iniciado em 2004, foi divulgado e criticado pela revista Tintají, da capital, que, junto a organizações sociais e indígenas, formou a coalizão destinada a combatê-lo.

Após várias mobilizações, o governo municipal suspendeu temporariamente a licitação, cuja convocação foi feita no início do ano passado através dos jornais mais importantes, e na semana descartou a privatização. “Os argumentos da Coalizão em Defesa da Água foram sólidos. Depois de diversas reuniões, foram feitas as avaliações que demosntraram que a concessão era desnecessária”, disse Moncayo. Segundo Rosa Rodrigues, da Coalizão pela Defesa da Água, foi ganha apenas uma batalha.

“Temos informação de que se está iniciando a concessão do serviço de água potável em uma zona rural de Quito, bem como em outros pontos do país. Por isso, a Assembléia Constituinte que será instalada em poucos meses deve redigir uma Constituição que declare o acesso à água um direito humano fundamental e proíba sua privatização”, disse a ativista à IPS. No dia 15 de abril, os cidadãos do Equador deverão eleger os constituintes que vão redigir a nova Constituição.

“É necessário terminar com a proposta dos governos neoliberais que consideravam a água como mais uma mercadoria. A água é fonte de vida e o Estado pode e deve garantir uma gestão sustentável deste bem público”, acrescentou Rodrigues. Enquanto organizavam a privatização, as autoridades da municipal Empresa Metropolitana de Saneamento e Água Potável-Quito (Emaap-Q) ocultaram a presença de grandes concentrações de arsênico na água de alguns bairros rurais da cidade onde moram cerca de 60 mil pessoas.

Dois empregados da empresa que analisaram a água exigiram das autoridades que tomassem medidas para amenizar a contaminação no começo de 2006. Por causa de sua insistência, foram demitidos. Seis meses depois, quando o fato se tornou público, a direção da empresa exortou a população dessas áreas a não utilizarem a água corrente para beber. Embora as autoridades tenham se comprometido a buscar uma solução mudando as fontes de água desses bairros por outras não contaminadas, a situação permanece a mesma. No último ano, as mobilizações pela água ficaram intensas em diferentes zonas do país onde se constrói ou projeta represas hidrelétricas.

Na província de Los Rios, a planejada represa Baba (destinada à geração elétrica e à transposição de água para outras zonas agrícolas) causou um conflito com as comunidades de agricultores locais contrários à obra. Para a organização Água, Terra e Vida, ligada aos camponeses afetados, o objetivo da represa é desviar água de Los Rios para a área de latifúndios agroindustriais da vizinha província de Guayas, onde existem grandes propriedades de setores empresariais de Guayaquil.

A “intenção oculta” por trás dessa construção “é a privatização da água, e isso não vamos permitir: a água é para todas e todos”, disse a organização em um comunicado. Há mais de um ano os camponeses realizam protestos, alguns duramente reprimidos pela policia, mas conseguiram que o Ministério do Meio Ambiente adiasse a concessão da licença ambienta para iniciar as obras. Na província do Carchi, a empresa norte-americana Current Energy obteve do Conselho Nacional de Recursos Hídricos a concessão por 50 anos do rio Apaqui para construir uma hidrelétrica.

Os agricultores locais se queixam que não terão livre acesso ao rio, de onde provém a irrigação e água para os vilarejos próximos, e afirmam que os projetos hidrelétricos devem respeitar “o fornecimento de água potável e de irrigação”, bem como a biodiversidade, e ainda têm de trazer benefícios para as comunidades que emprestam suas águas para a produção de energia”. O de Apaqui é o primeiro de 19 projetos hidrelétricos programados em vários rios de Carchi.

“A energia se tornou um comércio das multinacionais que se fazem dona de todas as bacias hídricas dos países do terceiro mundo, privatizando a água e gerando em nosso país graves problemas sociais, confrontos e danos ecológicos”, disse à IPS o ativista Ricardo Buitrón, da organização Ação Ecológica. A crise causada pela escassez de água, sua má administração e pelos problemas de saneamento em todo o mundo continuam sendo sérios obstáculos para se atingir até 2015 os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas. Um deles obriga reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável no mundo.

Na província amazônica de Morona Santiago, sudeste do país, existe um conflito semelhante desde agosto de 2006, quando organizações sociais comunidades realizaram uma greve provincial de cinco dias contra a segunda fase do Projeto Hidrelétrico Hidroabanico e de megaprojetos mineiros na região. A campanha contra Hidroabanico foi assumida pela não-governamental Assembléia Provincial pla Defesa da Vida, da Natureza e da Soberania Nacional. Hidroabanico está relacionada com a empresa canadense de mineração Corriente Resources e com sua subsidiaria EcuaCorrient, com a qual assinou uma carta de intenção para a venda em março de 2006. As atividades da Hidroabanico, cuja primeira fase já produz energia, e da EcuaCorriente afetam as fontes de água dos indígenas shuar.

Segundo Buitrón, a Constituição de 1998 abriu as portas para um processo de crescente controle privado dos recursos hídricos, ao estabelecer que o uso e aproveitamento da água “caberá ao Estado ou a quem obtiver esses direitos”. O artigo constitucional 249 diz que a água potável de irrigação, bem como os serviços relacionados com sua utilização são responsabilidade do Estado, “que poderá prestá-los diretamente ou por delegação a empresas mistas ou privadas, por meio de concessão, associação, capitalização, transferência da propriedade acionária ou qualquer outra forma contratual”.

Organizações sociais, ambientalistas, indignas e camponesas defendem que a nova constituição modifique esse artigo para determinar que “a água é um bem essencial para a vida”, e que o acesso à água potável e ao saneamento “constituem direitos humanos fundamentais”. A campanha não-governamental propõe, ainda, que as águas superficiais e subterrâneas sejam de domínio estatal e que os serviços de irrigação, água potável e saneamento sejam prestados exclusiva e diretamente pelo Estado. Neste Dia Mundial da Água, estes movimentos realizarão uma marcha em Quito como encerramento das atividades especiais organizadas durante a semana.
(Por Kintto Lucas, IPS, 22/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=29500&edt=1

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