Enfrentar a escassez de água. Este é o tema de 2007 para o Dia Mundial da Água, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 para alertar a humanidade sobre a importância desse finito recurso natural. Santa Catarina se prepara para esse desafio adequando a gestão dos recursos hídricos e com programas de controle da poluição.
O diretor de controle ambiental da Fundação do Meio Ambiente (Fatma), Luiz Antônio Garcia Corrêa, lembrou das décadas de 1980 e 1990, quando foram desenvolvidos programas nas principais bacias hidrográficas do Estado para reduzir a carga poluidora lançada nos rios.
- Esses programas já estão concluídos e surtiram efeitos positivos. Agora a Fatma atua em projetos de controle ambiental em conjunto com o Ministério Público estadual, como os Termos de Ajustamento de Conduta - comentou Corrêa.
Esses acordos na suinocultura, avicultura, mineração e destinação do lixo, por exemplo, têm efeito no controle da poluição dos rios, segundo o diretor. Reduzir o consumo de água no processo produtivo e trabalhar com educação ambiental, para disseminar técnicas de reaproveitamento de recursos, também são ações promovidas pela Fatma na gestão do recursos hídricos.
Ao mesmo tempo, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável avança no processo de concessão de outorga, ou seja, do direito de uso da água.
Usuários da bacia do Rio Itajaí são cadastrados
Hoje (22/3) será lançado o cadastro para os usuários da Bacia do Rio Itajaí, um passo anterior à outorga. Os usos da água são múltiplos, como a pesca, geração de energia, navegação, irrigação, consumo doméstico e industrial, entre outros. A expectativa é, em seis meses, cadastrar até 3 mil usuários que captam água dos rios e do subsolo para uso em atividades econômicas ou que lançam efluentes na bacia.
Serão realizados, ao todo, nove treinamentos com representantes de usuários para o preenchimento do formulário disponível no site www.aguas.sc.gov.br/cadastro. Até hoje, somente a Bacia do Rio Cubatão Norte havia recebido a outorga, mas o processo deve se estender a todas as bacias hidrográficas do Estado.
O professor Christian Caubet, do departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), considera que a fase do alerta já passou há muitos anos e agora é hora de ação.
- Não fosse pela existência de conflitos, não seria necessário estabelecer princípios sobre o uso da água doce. Quem tem o poder de decisão deve agir o quanto antes, pois o quadro é dramático.
Poluição ameaça uma tradição
O pai dele foi pescador e, com apenas sete anos Pedro Ramos Filho, hoje com 37, também já tarrafeava na Baía da Babitonga em cima de uma bateira. Não é difícil entender o porquê dele amar o lugar. Sempre morou ao redor do mar. - Isso aqui é tudo. Fui criado e tiro o meu sustento deste lugar. É um paraíso à beira-mar - afirmou o pescador e morador do Morro do Amaral, em Joinville.
Apesar da declaração, com os olhos parados na imensidão de águas a sua frente, Ramos não quer mais ver os três filhos dependerem do mar.
Assim que chegou da baía ontem, após 12 horas de trabalho, trouxe apenas 150 quilos de peixes, menos da metade do que costumava conseguir há alguns anos.
- O que conseguimos com a venda dá apenas para comer. Não quero esse futuro para eles. O que o mar tinha para dar, já deu - afirmou o pescador.
Além de Ramos, outros 200 pescadores e respectivas famílias vivem, ou melhor, sobrevivem da Baía da Babitonga só em Joinville, segundo o presidente da Colônia de Pescadores de Joinville Z 32, Pedro Rosalvo de Amorim Rosa. De acordo com ele, o volume da pesca diminuiu 70% nos últimos 20 anos.
- Os peixes estão cada vez escassos devido à poluição, ao assoreamento. As pessoas que vivem da pesca artesanal estão sentindo dificuldades. A renda de muitos deles já não é exclusivamente da pesca. Trabalham como pedreiros e carpinteiros. Quando não há peixes em algumas safras, alguns passam necessidades - lamentou.
No Rio do Peixe, resta a saudade de um tempo de fartura na pesca
Pescar, mas cuidar para que os peixes do Rio do Peixe não acabem. Esta é a filosofia do pescador João Luiz de Oliveira, 73 anos, de Luzerna, no Meio-Oeste.
Há 40 anos, ele cumpre o ritual praticamente todo dia: pega o milho e a mandioca e a massa para pescar e segue até a Rua da Represa, entra na pequena trilha e inicia seu passatempo predileto.
- Vou pescar, nem que não dê nada. Se der, deu. Se não der, fazer o quê? Não perdi nada!
Apesar da simplicidade, João tem consciência ecológica. Ele conta que coloca os peixes em um pequeno tanque cheio de água. Se até o fim do dia pescar mais de dez, ele leva para casa. Caso contrário, coloca os peixes de volta a o rio. A alimentação dos peixes também é sagrada.
- Se todo mundo alimentasse os peixes como eu faço, nunca faltaria para nenhum pescador.
Segundo o pescador, há 20 anos sobrou apenas o nome do rio para contar história. Peixe, que é bom, quase não existe. A população foi afetada pela contaminação do rio. Segunda e terça-feira dessa semana, por exemplo, as cinco horas tentando pegar algum peixe foram em vão.
Mas, mesmo assim, o pescador volta todo dia na casinha montada por ele com madeira e folhas de zinco na beira do rio. Fica horas sentado em uma espuma. Leva, sempre, um saco com a comida para os peixes e pega a varinha para tentar pescar algum peixe.
Os sete filhos de João, quando crianças, comeram muito peixe pescado por ele no rio. Seis dias antes da enchente de 1983, que atingiu a região, ele pescou sua maior carpa.
- Não pesei, mas calculo que era de mais ou menos 15 quilos.
A preocupação é também com a água do rio. Conforme João, antigamente a água era transparente e tinha muito peixe.
- Acho que é muito veneno na água. Os peixes não resistem.
Água há, mas até quando?
Para o rizicultor Hélcio Demarchi, 46 anos, produzir arroz irrigado é uma opção de vida. Produtor no Bairro Santa Luzia, ele se utiliza do Rio Itapocu, em valo que percorre nove quilômetros até chegar aos arrozais.
Com 23 hectares plantados e média de produtividade de 150 sacas por hectare, diz que a água abundante de hoje ainda não é motivo de preocupação para os que vivem da atividade.
- Por enquanto, não temos problema nenhum de falta de água. Mesmo quando tem estiagem, se sofre pouco com isso. Essa água banha 400 hectares de arrozais.
Ele conta que o recurso é utilizado cinco meses por ano, mas tem consciência da necessidade de evitar o desperdício:
- A gente sabe que, no futuro, a água vai ser taxada.
Apesar de reconhecer que a região é privilegiada em termos hídricos, lembra com nostalgia do tempo de criança, quando o Itapocu era lotado de peixes, como traíra, bagre, cará e lambari.
- Naquele tempo, se tomava banho nesse rio. Tinha gente que até bebia essa água. Hoje é arriscado, por causa da poluição - constata.
(Por Alícia Alão, Kelly Muller e Lilian Simioni,
Diário Catarinense, 22/03/2007)