Estudos do CGEE delineiam políticas públicas para expansão do etanol
2007-03-22
Muito antes de o assunto etanol chegar aos jornais e à televisão em todo o mundo, e trazer o presidente dos EUA ao Brasil, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos já tratava de reunir especialistas para produzir e organizar as informações necessárias para orientar a tomada de decisão dos gestores de políticas públicas na área.
A primeira aproximação do CGEE com esse assunto aconteceu em 2004 – quando convidou os pesquisadores Isaias Macedo e Luis Antonio Horta para explorarem o tema Biocombustíveis, que resultou no caderno de estudos publicado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (Caderno NAE nº 2 Biocombustíveis) e em artigo publicado na Revista Parcerias Estratégicas (dezembro de 2004).
Em 2005, o CGEE iniciou um estudo prospectivo, liderado pelo Professor Rogério Cerqueira Leite, da Unicamp. Sua intenção era a de preparar o País para expandir a produção de etanol, de forma sustentável, e abastecer os crescentes mercados externo e interno. O estudo já envolveu cerca de 30 pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp; e responde, por muitos ângulos, a uma pergunta básica: qual a melhor maneira de aproveitar os recursos do País para que o Brasil forneça, em 2025, o etanol necessário para substituir 5 a 10% da gasolina consumida no planeta.
Em fases
O título do projeto: “Estudo sobre as Possibilidades e Impactos da Produção de Grandes Quantidades de Etanol Visando a Substituição Parcial da Gasolina do Mundo” explica seu âmbito. A equipe orientada principalmente pelo professor Cerqueira Leite, que idealizou o estudo, e pelos vice coordenadores Luiz Antonio Barbosa Cortez, Manoel Sobral Jr e Manoel Regis Lima Verde Leal, consolidou – em sua primeira fase – informações sobre o mercado atual, os países produtores de etanol, a disponibilidade de recursos naturais para a expansão da produção, a tecnologia atual da cultura da cana no País; a infra-estrutura já existente e a necessária para o incremento na produção e a exportação de etanol; e os impactos sociais, ambientais e econômicos dessa expansão.
“Os resultados da primeira fase, concluída em dezembro de 2005, convergiram para a idealização de uma ‘Destilaria Padrão’ produtora de etanol”, explica Marcelo Poppe – que ocupou a secretaria do Desenvolvimento Energético do Ministério das Minas e Energia (2001-2003) e lidera esse e outros projetos da área de energia dentro do CGEE. Na segunda fase, também já concluída, o trabalho do grupo de pesquisadores concentrou-se no levantamento e consolidação de dados relacionados à melhoria das tecnologias já estabelecidas no cultivo da cana e na fase industrial da produção de álcool. Até o final de março, acontecerá o workshop em que os pesquisadores apresentarão as conclusões do relatório final dessa fase. O conjunto de estudos será publicado até o final do primeiro semestre na forma de livro.
“Nessa segunda fase, o estudo apresenta a ‘usina modelo’, que se diferencia da `Destilaria padrão` pela incorporação de inovações tecnológicas. Os cenários da segunda fase contemplam, também, a organização da produção em ‘clusters’ de destilarias, servidas por alcooldutos”, diz Poppe. A terceira fase, que já está em andamento, detalhará o estudo de uma das áreas já identificadas como potencial para a expansão da produção; e, entre outros objetivos, proporá também um novo marco regulatório para o álcool combustível no Brasil.
Alguns resultados
As terras - O primeiro resultado importante é que o Brasil pode substituir 10% da gasolina que estará em uso no mundo em 2025, se se organizar para isso. Para tanto, deverá produzir 205 bilhões de litros. Hoje, a produção de etanol ocupa 3 milhões de hectares de terras. O estudo já identificou outros 53,4 milhões de hectares, com potencial de produção “alto e bom”.
Essa avaliação do potencial levou em conta, principalmente, qualidade do solo, chuvas e declividade. Como o pressuposto do estudo é analisar as possibilidades de expansão da produção levando em conta a sustentabilidade, 11 milhões de hectares foram excluídos por restrições ambientais ou por estarem ocupados com outras culturas (que não pastagens, pois o estudo considerou-as áreas livres). Esses 42 milhões de hectares restantes, se mantidos os índices de produtividades atuais – pressuposto conservador –, são mais do que suficientes para o Brasil produzir os 205 bilhões de litros em 2025. Essas terras se repartem no estudo, em 17 áreas de produção. Todas elas estão fora do Centro Sul, onde se verifica atualmente uma forte expansão espontânea.
A usina modelo – A fase II do estudo supõe uma “usina modelo” como base para os cenários. Nessa usina, a colheita utilizará máquinas agrícolas que compactem pouco o solo. Essas novas máquinas – que o estudo supõe terão sido desenvolvidas pela indústria de equipamentos brasileira – também terão maior estabilidade, permitindo a incorporação ao cultivo de cana de áreas de maior declividade, hoje excluídas. Metade da palha (hoje abandonada no campo) será recolhida e utilizada na geração de etanol por hidrólise enzimática. A incorporação dessas inovações proporcionará redução expressiva da necessidade de uso de novas terras. Essas usinas modelos deverão estar organizadas em clusters, de forma a maximizar o aproveitamento de alcooldutos para o escoamento da produção.
A organização em clusters é desejável do ponto de vista social: cada cluster atrairá cerca de 200 mil pessoas, sempre de acordo com o planejamento do estudo, o que justifica a instalação de serviços de saúde, escolas nos três níveis de ensino e outras facilidades. O salário médio pago nas usinas modelo será cerca de 50% mais alto do que o salário médio percebido hoje no país.
Recomendação da fase II – Para que a usina modelo seja a realidade da produção de etanol em 2025, será necessário, de acordo com o estudo, a implantação de um centro de excelência em pesquisa e desenvolvimento de etanol, para consolidar e ampliar as competências brasileiras em: hidrolise de material celulósico (para utilização do bagaço e da palha na produção de etanol); sucroquímica e alcoolquímica; desenvolvimento de bens de capital; melhoramento da cana.
Outros resultados
A divulgação e o debate em torno dos resultados do estudo, para sua incorporação às políticas públicas, é uma missão do CGEE. Desde a finalização dos primeiros resultados, Rogério Cerqueira Leite e demais especialistas envolvidos apresentaram conclusões e pressupostos em vários instâncias governamentais: por exemplo, em reuniões na ABDI, no BNDES (em três diferentes ocasiões), e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial. Diversas notas técnicas e exposições de motivo foram elaboradas e o estudo deu apoio à Finep para a definição do edital voltado para a área de bens de capital em biocombustíveis ao programa de subvenção econômica.
Outro resultado do estudo é um convênio já celebrado com a Cepal – Comissão Econômica para a América Latina – para o apoio à elaboração de um guia de políticas públicas em etanol dirigido aos países da América Latina e Caribe.
Próximos passos
Durante a realização da terceira fase do estudo, previsto para ser concluída até setembro de 2007, apresentações dos resultados parciais em workshops estão previstas. Em abril, deverá acontecer o primeiro deles, em que o pesquisador Francisco Rosillo Calle, do Imperial College de Londres, atuando no projeto, apresentará os dados que já levantou sobre a legislação e políticas dos países da União Européia sobre adição de etanol à gasolina. Em maio, deverá acontecer outro seminário, para os resultados sobre o detalhamento da área agrícola; em junho, o relativo ao tema da sustentabilidade da expansão agrícola e do marco regulatório do uso de etanol.
(CGEE, 21/03/2007)
http://www.cgee.org.br/noticias/viewBoletim.php?in_news=618&boletim=2