Crucificar a Fepam. Este parece ter sido o propósito da Audiência Pública
que debateu o
Zoneamento
Ambiental para a Silvicultura, ontem (21/03) no auditório Dante Barone
na Assembléia Legislativa. De um lado do auditório sentaram os prefeitos e vereadores dos municípios da Metade Sul do Estado. Do outro, ambientalistas, acadêmicos e funcionários da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Enquanto um dos lados, literalmente, gritava: “os moradores da Zona Sul
estão morrendo de fome, precisamos dos 1 bilhão e 300 milhões de dólares que virão da Silvicultura", o outro respondia, também aos gritos: "que comam eucaliptos!".
Ambientalistas e críticos ferozes da monocultura eucaliptiana
também estavam lá. Sebastião Pinheiro e os professores da Ecologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Brack e o casal
Buckup, Ludwig e Georgina.
A audiência, promovida por três comissões do legislativo, começou mal. O
material de divulgação anunciava que a Fepam faria uma apresentação técnica
do Zoneamento, o que não aconteceu. O resultado foi uma saraivada de vaias.
Ao final, as comissões e Fepam prometeram agendar uma outra
reunião somente para tal apresentação. “Mas o que foram fazer na Assembléia
então? “, se questionavam os presentes. Em nome dos parlamentares, o deputado
Nelson Härter (PMDB), prometeu agilizar um novo encontro.
Finalmente, a primeira apresentação, que coube ao professor Marcelo Dutra,
da Universidade Católica de Pelotas. Ele mostrou seus estudos em parceria
com a Votorantim Celulose e Papel (VC). Em uma apresentação “Power Point”, tentou explicar ao povo o que seria a ecologia e a metodologia científica do trabalho. O público não
entendeu nada. O professor, então, concluiu o que muitos esperavam: "é
possível conciliar a silvicultura com as espécies campestres através do
incentivo e a criação de Unidades de Conservação (UCs) públicas e privadas".
Dutra ainda atacou a Fepam de forma subentendida dizendo que o Zoneamento
precisa ser um documento técnico e não pode ter viés ideológico. Essa
última afirmação também apareceu no discurso do palestrante seguinte, o
professor Mauro Schumacher, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM):
"a finalização do Zoneamento tem que ser trabalhada. Não podemos investir
numa Silvicultura predatória e destrutiva".
Petistas criticam Fepam
O Zoneamento da Fepam conseguiu uma proeza. Desagradou o Setor Florestal,
deputados ligados ao agrobusiness e parte da bancada petista. Se a bancada ruralista gaúcha não gostou do documento da Fepam por considera-lo um “entrave ao setor”, os petistas reclamam da morosidade do órgão ambiental.
O deputado Ivar Pavan do PT lamentou que a Fepam, sob o pretexto de
desencontro de informações, não apresente o único documento público
existente sobre tema. Já o seu companheiro, Ronaldo Zulke, exigiu a divulgação da versão do estudo que será encaminhado ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). “A
Assembléia Legislativa precisa saber se o conteúdo será idêntico ao elaborado no
governo anterior ou se será enviada uma versão com alterações propostas pelo
grupo de trabalho montado pelo governo Yeda para revisar o estudo”,
ressaltou.
Daniel Bordignon, também do PT, anunciou que irá reapresentar na Comissão
de Saúde e Meio Ambiente requerimento para realização de outra audiência
pública para discutir especificamente o estudo da Fepam. Algo que já havia
sido decidido no início dos trabalhos, diga-se de passagem.
A favor do Zoneamento, se pronunciaram os deputados Raul Carrion (PC do B),
Stela Farias (PT), Zulke (PT) e Elvino Bom Gass (PT). Eles ressaltaram que o
estudo foi feito em parte com verbas da Associação Gaúcha de Empresas Florestais
(Ageflor), que contratou uma firma especializada para fazer as análises, e
que não entendem por quê a própria Ageflor quer agora desmerecer o trabalho.
Apresentações
A Emater de Pelotas apresentou o programa Poupança Florestal da VCP, que já
tem 4 mil hectares plantados de eucalipto em terras de 264 famílias. Foi
explicado aos presentes que a compra da produção é garantida para a VCP por
sete ou 14 anos. Lélio Falcão, presidente da Comissão de Meio Ambiente do
Corede-Sul e representantes do Fórum da Metade Sul foi mais um a se queixar:
“A Corede-Sul não participou da elaboração do documento, nem as
universidades da região. Defendemos um zoneamento coerente. Queremos
alterações significativas que o tornem viável”, disse.
O presidente da Associação dos Servidores da Fepam fez o discurso mais
emocionado da manhã. Ele lamentou as acusações dos representantes do setor
florestal. “Nos acusam de fundamentalistas ou de vagabundos”, disse, ao
lembrar de uma matéria publicada na coluna da jornalista Denise Nunes do
Correio do Povo, onde o deputado Giovani Cherini diz que o atraso nas
autorizações para construções de barragens se deve a
falta de trabalho da Fepam.
O professor Ludwig Buckup, da Ecologia da UFRGS foi categórico: “A UFRGS não
foi convidada para essa audiência, mas viemos”, disparou e pediu respeito ao
trabalho da Fepam. “O zoneamento é um excepcional documento científico, é
uma fonte altamente qualificada. Eu o analisei detalhadamente.
Buckup pediu ainda que o Projeto de Lei, do deputado Nelson Harter seja
retirado.
“Está na cara que esse projeto é um processo que visa às empresas plantarem
como, onde, quando e quanto quiserem. Espero que a Universidade possa ser
ouvida da próxima vez em um ambiente com acadêmicos mais neutros”, afirmou,
referindo-se à UFSM e à UCPEL.
Defesa da Fepam
Acuado pela enxurrada de críticas, o presidente da Fepam, Irineu Schneider
não fugiu do debate. Ele afirmou não acreditar que o Zoneamento inviabilize
os plantios de eucalipto, uma vez que o órgão ambiental já se reuniu com os
representantes das maiores empresas que mantém investimentos no Estado, e
ficou acordado que a Fepam iría licenciar pela regra existente. “O Ministério Público concorda com isso. Dá para licenciar qualquer empreendimento até mil hectares sem EIA/RIMA, num processo mais
simplificado, para viabilizar os plantios de 2007. O resto fica para depois
de aprovado o zoneamento”, explicou.
Conforme Schneider, a pressão da Ageflor está sendo, sem dúvidas, muito
grande em cima dos órgãos ambientais. “Não quero questionar se a pressão é
procedente, ou não. A Ageflor defende um grupo produtivo e tem todo o
direito de fazer isso, de apresentar suas ponderações”, disse.
O presidente da Fepam lembrou que qualquer alteração no projeto será
decidida pelo Consema, que receberá o documento até 31 de março. “ Faremos
quatro audiências públicas pelo Estado para a apresentação do zoneamento”,
avisou. Schneider lembrou que, além da Ageflor, o trabalho foi feito por muitas
outras mãos. “Posso citar USP, a Universidade Federal de Lavras, Uninos,
Unilassale, Universidade de Viçosa, PUCRS, Ministério do Meio Ambiente,
Emater, FZB, entre outras”, disse.
O presidente da Fepam aproveitou a ocasião para se queixar da situação em
que o órgão ambiental do Estado se encontra. “Nós estamos com um problema de
auto-estima. Precisamos recuperar o prestígio da Fepam, claro que, para
isso, temos que fazer a lição de casa, mas também temos sérias
dificuldades”, disse. Na opinião de Schneider, se o Estado quiser se desenvolver tem que dar
condições ao órgão ambeintal de fazer os licenciamentos que estão represados
lá, por questão de estrutura de pessoal e financeira. “Não é somente uma
questão de custo, ali é investimento. Porque são milhares de empregos e
bilhões de reais em empreendimentos que estão lá”, destacou.
A engenheira agrônoma da Fepam, Silvia Piagel tentou explicar a complexidade
da elaboração de um trabalho como o zoneamento ambiental. “O zoneamento dá
uma visão de base regional, isso implica olhar o Estado como se tu olhasses
uma imagem de satélite, ou seja, diretrizes regionais”.
Segundo a engenheira, enquanto a Emater faz uma análise de planejamento na
propriedade, a Fepam faz o estudo com base em regionais, conseguindo agregar
uma série de informações que o Estado não dispunha, como por exemplo, a
espacialização das espécies ameaçadas de extinção, ou seja, onde é que elas
estão concentradas. “Tendo essas informações tu geras diretrizes regionais,
e isso é uma coisa nova”, avaliou.
Argumentou ainda que, o fato de serem novas, as diretrizes precisam ser
discutidas e muitas delas não são inviabilizadoras. Conforme Sílvia, elas
apontam problemas e pedem mais estudos, como no caso de disponibilidade
hídrica. A Fepam, explica ela, apontou áreas que têm risco potencial, onde é
necessária a realização de estudos aprofundados, justamente para ver se
comporta a atividade de Silvicultura.
Ela destacou que, se o projeto de lei que adia o zoneamento para 2011
passar, todo o trabalho que foi feito será jogado no lixo, porque foi feito
com uma preocupação com o bioma pampa, analisando 45 unidades e delimitando
os percentuais de ocupação da silvicultura. “Mas estamos a abertos a
dialogar. A Fepam é criticada de qualquer forma, se não faz o estudo, é
omissa, se faz, é ideológica", lamentou.
(Por Carlos Matsubara e Ana Luiza Leal Vieira, Ambiente JÁ, 21/03/2007)
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