Uma equipe multidisciplinar, reunindo fiscais do Centro de Recursos Ambientais (CRA), além de químicos e biólogos da autarquia da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Semarh), está monitorando diária e sistematicamente as praias do recôncavo baiano como Acupe, Itapema, Saubara, Cabuçu, Bom Jesus dos Pobres e São Francisco do Conde. Também está acompanhando de perto empreendimentos localizados na área, a exemplo das fazendas de camarão, fábricas, gasodutos, barragens e outros que possam ter liberado algum componente químico nas águas da Baía de Todos os Santos e causado, há duas semanas, o maior acidente ambiental da região.
As coletas das amostras dos peixes, crustáceos e águas estão sendo feitas e encaminhadas para análise nos laboratório do Centro de Tecnologia Industrial Pedro Ribeiro (Cetind), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e, assim que forem conhecidas, serão divulgadas para a imprensa e o público em geral, como informou na terça-feira (20/03), o diretor de Fiscalização e Monitoramento Ambiental do CRA, Ronaldo Martins.
Tartarugas mortas
Na tarde de terça-feira (20/03), a secretária do Meio Ambiente do município de São Francisco do Conde, Maria Amélia Seabra Martins, contatou o CRA para informar que foi encontrada uma tartaruga morta na praia, da espécie careta careta, com sangramento nas narinas, ouvidos, olhos e boca e que acionou o Projeto Tamar para recolher a espécie e fazer a necrópsia.
Segundo ela, tem acontecido mortandade de peixes na área, e os pescadores e marisqueiros da cidade já se reuniram preocupados com a situação. Ninguém quer consumir ou comprar os pescados e isso gera um problema, além de ambiental, socioeconômico, porque muitos moradores de São Francisco vivem da pesca, argumentou.
Maria Amélia disse ainda que na quarta-feira (21/03), às 7h30, uma equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura de São Francisco do Conde efetuou vistoria no mar para verificar se havia vestígios de outras espécies mortas e que fará relatório ao CRA sobre possíveis ocorrências.
Também na região de São Roque do Paraguaçu, outra espécie de tartaruga foi encontrada em estado de agonia, segundo diagnosticou Maria do Socorro Reis, da ONG Mamíferos Aquáticos, a Mama, depois que recebeu um telefonema de um pescador do estaleiro da localidade. "Vistoriei a área e verifiquei que este ovíporo tinha sido tragado pelas redes de algum pescador, que depois abandonou o animal em sofrimento", informou. Ela disse ainda que houve denúncia de que dois botos também estariam se debatendo no mar, mas que percorreu toda a área e não localizou os mamíferos.
Na madrugada de domingo para segunda-feira (18 e 19/03), nova coleta de peixes e águas foram realizadas e, desta vez, encaminhadas aos laboratórios do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para que outros parâmetros de contaminação possam ser investigados. Na matriz água foram analisados parâmetros que demandam um tempo de investigação, como organoclorados, organofosforados, voláteis, semivoláteis e bifenilas policloradas, detalhou o coordenador de Avaliação Ambiental do CRA, Wilson Rossi.
A Prefeitura Municipal de Saubara já decretou estado de calamidade pública, e a população está em estado de alerta. A recomendação principal é que as praias da região são sejam utilizadas para banho de mar e que peixes e mariscos não sejam consumidos.
O presidente da Colônia de Pescadores de Saubara Z-16, que também é presidente da Federação dos Pescadores e Aquicultores do Estado da Bahia, José Carlos Rodrigues, convocou uma reunião para a próxima sexta-feira (23/03), às 9h, com representantes de órgãos como o CRA, Ibama, Coopa, Petrobras e Polícia Civil, além dos prefeitos e secretários de Meio Ambiente de Santo Amaro e Saubara. Nessa reunião, a expectativa é que o CRA já tenha os laudos técnicos para que as causas da montandade sejam conhecidas, afirmou Rodrigues.
Apuração
Os danos que ocasionaram a morte dos peixes, em uma quantidade de mais de 20 toneladas, conforme dimensionou a Prefeitura de Saubara, não foram causados apenas pela pesca com bombas e explosivos, segundo já constataram o CRA e a Polícia Civil do município. Na semana passada, foram identificados novos indícios de outros agentes do desequilíbrio ambiental, como a coloração avermelhada e o aspecto barrento no mar, na localidade de Ponta de Saubara, o que constata a possibilidade da presença de fonte contaminante. Este agravante sinalizou ao órgão de meio ambiente do Estado que são necessárias novas e mais investigações e monitoramentos de maneira diária e sistemática.
Segundo a bióloga e coordenadora de Fiscalização Ambiental do CRA Carla Fabíola Ribeiro, toda a área afetada pelo dano ambiental já foi sobrevoada por duas vezes e, na primeira vez, dia 13 de março, foram verificados os locais de onde estariam vindo o líquido avermelhado. "Estamos nos debruçando em todas as possibilidades de fontes de contaminação, indo a campo para verificarmos in loco todas as probabilidades, investigando com muito cuidado, porque existem vários empreendimentos na região e todos são passivos de serem fiscalizados", informou.
No último sábado (17/03), novo sobrevôo aconteceu na região porque, como Carla explica, o CRA está trabalhando com três hipóteses: mortandade por pesca com bomba, contaminação química e o aparecimento de algas, que também são condutoras de substâncias tóxicas. "Assim, temos que examinar categoricamente, todas as possibilidades", disse.
Resíduos
Carla explica ainda que não há certeza do fato causador do dano ambiental, que segundo, os pescadores da região, foi o primeiro e único já acontecido. O que ela garante é que técnicos do CRA estão fazendo um levantamento criterioso dos possíveis pontos de dissipação de poluentes através de um software que monitora a direção das correntes marítimas.
O geólogo Wilson Rossi, da Avalia, informa que também foi feita uma simulação baseada em modelagem matemática, ou seja, com referência ao comportamento das correntes marítimas. Ele adiantou ainda que no caso da morte de peixe, onde não se conhece a fonte causadora, simula-se o efeito de diversas fontes prováveis conhecidas e verifica-se qual a mais apta de causar a mortandade em função do local onde apareceram os peixes mortos, correlacionando com as regiões de influência das diversas fontes simuladas. O modelo apresenta resultados da contaminação de um determinado efluente através de números, gráficos e imagens ou figuras georreferenciadas, o que facilita bastante a avaliação do problema, detalhou Rossi.
Paralelamente a toda essa fiscalização e monitoramento, estão sendo limpas as areias das praias. Mas um forte odor ainda permanece no ar. A concentração maior da fauna marinha morta está distribuída entre o distrito de Acupe, em Santo Amaro e Cabuçu, em Saubara. Tainhas, xaréus, xangós e robalos apareceram mortos aos milhares e a primeira suspeita – a intensa pesca predatória com bombas e explosivos – já divide a desconfiança com algum vazamento de resíduo químico. Até baiacus e nikins, considerados peixes mais duros, ou seja, menos sensíveis, como o xangó, por exemplo, estão morrendo, lamentou o pescador Eduardo Santos Conceição, na localidade de Acupe.
As diligências para coibir a ação dos bombistas, iniciadas na semana passada, continuam apesar de, em todas as localidades de praias do recôncavo, os moradores afirmarem que há mais bomba no mar que procissão de padroeiro ou festa de São João, em que pese o planejamento traçado pela Delegacia de Saubara.
Segundo os moradores de Cabuçu, a pesca com bomba cresceu muito na região nos últimos anos e muitos pescadores chegam de outras localidades, como Salinas das Margaridas, denunciam. Os pescadores nativos estão passando necessidades e até sendo ameaçados pelos bombistas, culminando com esta tragédia, disse Raimundo, proprietário de uma pousada na região.
Tristeza
O olhar perdido no mar e, nas mãos, uma rede por remendar. Assim estava, na tarde da última sexta-feira (16/03), o pescador Aderbal Francisco, o Fan, 53 anos, desencantado com toda esta situação. "Nessa época, quando a maré estava pra peixe, chegávamos e pescar três toneladas, o que dava para abastecer a comunidade e manter o sustento da nossa família. Isso que aconteceu é de uma malvadeza sem tamanho", disse lamentando.
Também na sexta à tarde as marisqueiras Gildete Santos Machado, Jovelina da Conceição Santos e Antonia Santos foram à Colônia de Pesca Z-16 para saber que providências estão sendo tomadas para que elas possam garantir o sustento das suas famílias."Nesse período, nos anos anteriores, tínhamos uma renda de R$ 200 por semana e agora estamos sem este ganho", reclamaram.
Os proprietários de pousadas e restaurantes das praias do recôncavo também estão apreensivos. É o caso de Lúcia Santana, dona do restaurante Mais Você, em Saubara. Ela disse que o movimento caiu muito na região e para a Semana Santa, quando sempre registrava um excelente fluxo de turistas, estava agora sem esperanças devido ao acontecido. "Ninguém quer comer peixes e mariscos da região. Vou a Salvador comprar esses produtos e guardar a nota fiscal, como precaução, para mostrar aos clientes", disse, decidida a manter sua freguesia.
Passado
Observando com tristeza o fraco movimento de visitantes em um fim de semana de sol, Lúcia lamentou que a pesca com bomba aconteça na região há mais de 40 anos. "Meu avô, o pescador Antonio Gregório, morreu em decorrência da pesca com bomba. Durante uma pescaria com astróias- rede que é mergulhada nas profundezas de um canal - ele atirou o explosivo no mar e como o estampido demorou de detonar ele mergulhou para ver o que tinha acontecido. Houve a explosão que abriu todo o seu peito, matando-o na hora", conta em tom de lamento. "Mesmo assim", continua Lucia, "meu pai, Gonçalo Mercedes dos Santos, insistia em pescar e, se não padeceu em decorrência de bomba, morreu por fumar muito e ter a respiração comprometida. Também se foi no mar", desabafou a comerciante.
(Por Nádya Argôlo,
Assessoria de Comunicação do Centro de Recursos Ambientais/BA, 20/03/2007)