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2007-03-22
Dando início a uma série de debates sobre alternativas ao aquecimento global, a Agência Carta Maior reuniu no dia 10 de março, em seu estúdio, os professores Ignacy Sachs e Ladislau Dowbor, entrevistados por Flávio Aguiar, editor-chefe, e Bernardo Kucinski, editor-associado. Na pauta de discussões, as possibilidades de substituição dos combustíveis fósseis por renováveis e a sustentabilidade desse processo.

Para o ecosocioeconomista Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, não basta substituir. “Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições”, diz ele, que aposta ser possível compatibilizar um aumento da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar.

Na mesma linha, o economista Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que é possível aproveitar “essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética”.

Ele ressalta, porém, que se apenas os interesses empresariais prevalecerem, a monocultura pode ser destrutiva, como ele já presenciou in loco ao trabalhar em países africanos. Dowbor, formado na Polônia e na França, tem 25 livros publicados e é renomado especialista em economia solidária e organização do trabalho.

Sachs, nascido em Varsóvia, em 1927, é professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris desde 1968. Tem mais de 20 livros publicados e dirige o Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo na França. É um dos maiores especialistas do mundo em desenvolvimento sustentável. A seguir, a primeira parte da entrevista com os pesquisadores, que também será editada em DVD oportunamente.

Flávio Aguiar – O aquecimento global e seus efeitos nocivos são um consenso hoje?
Ladislau Dowbor – Acho que sempre é muito extenso o tempo que os cientistas levarão para adquirirem uma razoável certeza (e quando são responsáveis nunca têm completa certeza, mas apenas uma razoável certeza, o que é um problema) sobre o aquecimento global, e isso alcançar formadores de opinião e depois evoluir para o nível político, onde se possa tomar decisões. E esse processo se torna muito mais lento no caso do aquecimento global, devido a iniciativas como, por exemplo, a da ExxonMobil, que gastou rios de dinheiro metendo matéria na imprensa tentando desacreditar a idéia mesma de aquecimento global (1).

Ignacy Sachs – Acho que o trabalho desse grupo de cientistas internacionais está talvez sendo usado como um pretexto para não se passar ao debate político, que tem que ser feito agora. Porque sempre vai haver diferenças de opinião entre os cientistas. Não podemos nos dar ao luxo de esperar até que eles acabem por estar todos de acordo para tomar decisões. Agora, ao mesmo tempo é muito perigoso exagerar essa questão da falta de tempo, porque se não há mais tempo para fazer o que quer seja, a melhor coisa é preparar-se para o fim. Na época da Guerra Fria, circulava no leste da Europa uma piada. O que fazer se começar um alerta atômico? Sem pressa, para não gerar pânico, ir ao armário, pegar o melhor terno, botar camisa branca e gravata escura, e dirigir-se sem correria ao cemitério mais próximo [Risos]. Se não há mais outra coisa a fazer, só nos resta isso. Acho extremamente perigoso este alarmismo. Ele já prejudicou o debate nos anos 70 com o Clube de Roma, que nos dizia que no fim do século XX só haveria uma alternativa: ou morrer por falta de recursos ou morrer por excesso de poluição (2).

Bernardo Kucinski – Queria lembrar outras previsões catastrofistas, como, por exemplo, a explosão demográfica. Mas também nós tivemos algumas histórias de sucesso, como aquela do gás da geladeira (3).
Sachs – Porque era simples e coincidia com os interesses econômicos de um grande grupo industrial.

Kucinski – Exatamente. E queria chamar atenção para um outro fato. A expressão aquecimento global é globalizante, mas os efeitos não são os mesmos nas diferentes regiões da Terra.
Sachs – Nem serão imediatos. Quando nos dizem que os oceanos vão aumentar em um metro, por exemplo, parece que haverá um aumento imediato, mas não é assim...

Kucinski – E lamentavelmente parece que os efeitos no hemisfério norte, que é onde estão os centros de poder, são muito menores do que serão nos países tropicais. Então, há menos urgência nestes países. Está correta essa afirmação?
Sachs – Não sei. A única coisa que nós podemos dizer com certeza é que haverá mudanças climáticas e que elas vão se caracterizar pelas amplitudes cada vez maior dos fenômenos. Mais seca, mais inundação, mais tsunami etc. Agora, nós não sabemos como isso vai incidir sobre diferentes áreas. Um exemplo é o da Corrente do Golfo. Uma das hipóteses discutidas é a de que com o derretimento das geleiras da Groenlândia e mesmo da calota polar a Corrente do Golfo vai mudar de rumo. Se isso acontecer, o aquecimento global vai provocar o resfriamento do clima na Europa do Norte.

Kucinski – Agora, por exemplo, professor, dizem que essas repetidas secas no Rio Grande do Sul significam que já houve uma mudança de padrão climático. Elas não são episódicas. Já fazem parte de um novo padrão.
Dowbor – Acho que o que o Ignacy diz é forte. De um lado, nós temos um processo real que exige tomar medidas. Por outro lado, a gente tem que evitar que isso vire um chavão de um tempo, e que tudo mundo liga qualquer problema que acontece a esse processo global e a gente evita de tomar as medidas racionais.

Aguiar – Se nós olharmos o cinema de hoje, por exemplo, existe disseminada uma estética do fim. O fim pode ser bonito. Seja o do Titanic, que mostra o fim de uma época, seja a o da Guerra dos Mundos, que mostra o impasse de uma civilização. O fim, como é uma coisa extrema, motiva atitudes moralmente dignas ou indignas. Mais do que uma preocupação, existe uma verdadeira estética do fim. Está cada vez mais difícil nós termos uma estética da continuidade da vida. Como nós podemos pensar isso?
Sachs – A síndrome do Titanic, aliás, é o título de um livro de um ambientalista francês, Nicolas Hulot, muito influente. Mas o fim não é um fenômeno esteticamente agradável. Agora, é claro que a arte vai sempre exagerar.

Kucinski – E também não é novo, né? A idéia do fim do mundo já ocorreu várias vezes na história da humanidade.
Sachs – Não é novo. Se nós temos que saber quantas décadas nós temos para fazer a adaptação, é absolutamente fundamental para desenhar o processo. Se me dizem que em dez anos tem que mudar tudo, digo: “Vamos para o cemitério mais próximo”. Agora, se me dizem que eu tenho meio século, um século... O seu exemplo demográfico era muito bom. Falava-se da explosão-bomba da população. Como se controla a explosão demográfica? Através de medidas autoritárias, como ensaiou a China, ou através de uma política social, pela melhora das condições do campo, a melhora da educação das meninas, a melhora das condições sanitárias, com menor mortalidade infantil, com redução da taxa de natalidade? Se eu tenho trinta ou quarenta anos para essa mudança social, vale uma estratégia. Se eu não tenho esse tempo, vale uma outra. Por isso, eu acho: não há dúvida de que temos que mudar o padrão energético deste mundo em que vivemos e reduzir o uso das energias fósseis. Dispomos para isso de algumas décadas. Temos que sair do petróleo antes que ele se esgote completamente. Não é pelo esgotamento do petróleo que temos que sair dele. Ao contrário, é por causa dos efeitos nefastos da energia fóssil. E eu diria: viva a crise do preço do petróleo! O alto preço do petróleo permite fazer coisas que deveriam ter sido feitas já antes. Elas não estavam sendo feitas num mundo que continua a se organizar ao redor de decisões que são tomadas unicamente em função de resultados econômicos de curto prazo. Enquanto o petróleo estava barato, não se fazia nada. O petróleo ficou caro, os biocombustíveis estão competitivos, e todo mundo de repente descobre a necessidade de sair da energia fóssil...

Kucinski – Mas o petróleo não está mais caro. O petróleo ainda custa hoje menos do que custa um litro de água mineral.
Sachs – O petróleo está hoje mais caro do que estava há três anos atrás.

Kucinski – Mas não mais caro do que estava há 15 anos atrás.
Sachs – Mas isso não tem importância. O petróleo hoje está acima do patamar de competitividade do etanol. É por isso que todo mundo está falando do etanol. O etanol é competitivo a partir de 35 dólares o barril do petróleo. O petróleo está acima de 50. Há razões para pensar que ele nunca mais vai baixar abaixo de 50. Talvez suba até 100, ou mais. Portanto, gerou uma situação onde se pode fazer os biocombustíveis.

Dowbor – Basicamente, na visão positiva, que é a que nos interessa, o fato do aquecimento global estar se tornando uma preocupação planetária está, pela primeira vez, agregando diversas forças, está colocando a longo prazo a necessidade de pactuações de interesses planetários. Porque nós falamos de aquecimento global porque a questão emergiu, porque tem o filme do Al Gore (4). Mas, na realidade, nós temos a destruição dos recursos de vida nos mares, temos o problema nas florestas, o esgotamento do solo, esterilização. Quer dizer, nós termos um conjunto de processos. Então o avanço da capacidade planetária, da gente começar a tomar medidas pactuadas e organizadas, é vital. Agora, eu queria puxar uma pergunta para o Ignacy, que me parece central, que é o seguinte: no caso da gente transitar para os diversos usos da agricultura, agora reforçando sua base de fonte energética, isso tanto pode ser um bem, de um lado dinamizava o conjunto de atividades agrícolas, como pode se transformar, especialmente no caso do Brasil, em mais um ciclo de monocultura destrutiva em termos ambientais e econômicos e de concentração de renda. Quais são as opções de organização que a gente estaria recomendando?

Sachs – Você está botando o dedo na ferida. Eu acho que, primeiro, não devemos reduzir o problema da saída da energia fóssil unicamente ao problema da substituição. Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições. Agora, contrariamente ao que se afirma em muitos lugares, eu acho que existem condições para compatibilizar um aumento forte da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar. Isso não se fará automaticamente. Requer uma política, na qual a ênfase seja posta sobre sistemas integrados de produção de alimentos e energia adaptados aos diferentes biomas, em que se busca produzir a bioenergia a partir da recuperação de áreas degradadas com plantas oleaginosas, robustas, como o pinhão manso, que não tem muita preferência aos olhos dos agrônomos brasileiros, mas que é considerada como a principal planta do biodiesel, por exemplo, na Índia, e em vários lugares na África (5). Temos que pensar muito mais no aproveitamento de florestas plantadas consorciadas. O conceito da RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado)(6). O Brasil desmatou tanto que tem muito espaço para reflorestar. Se a gente pegar tudo isso, e sobretudo, atentar ao fato que estamos nas vésperas de uma revolução tecnológica, mas isso são os próximos cinco anos, vamos passar ao etanol celulose, onde todos os resíduos florestais e vegetais passam a ser a matéria-prima. Acho que a contradição entre a produção de bioenergia e a produção de alimentos pode ser administrada. Segundo problema, vamos ou não desmatar para fazer isso? Aí, a minha resposta é muito mais cautelosa, para não dizer pessimista. Não é que tenhamos que desmatar. Tem espaço fora das florestas. A questão é se a ânsia do lucro não vai precipitar mais desmatamento, porque as terras de lá são mais baratas que as terras em outro lugar. Portanto, temos um problema. Mas, esse problema, conhecemos por muitos lados. O Banco Mundial acaba de financiar um empréstimo para botar matadouros na Amazônia. Quando todo mundo sabe que a principal fonte do desmatamento é a poupança sobre quatro patas do pequeno, que começa a fazer a roça, depois transforma a roça num pasto sujo, depois bota neste pasto sujo algumas vacas, e vai continuando. A soja chega já, em cima do pasto, mas esse ciclo tem que ser controlado. Não vai haver controle do desmatamento da Amazônia sem um severo controle da pecuária extensiva na Amazônia. E o banco vem, de repente, financiar um elemento que vai criar um incentivo para mais desmatamento. Portanto, esse é o outro lado. Dito isso, para mim, a bioenergia aparece como uma extraordinária janela de oportunidade para mudar o modelo social do campo brasileiro. E essa é a questão central do momento. Em que tipo de modelo vai gerar o boom da bioenergia? Nossos colegas da Unicamp dizem: “Vamos passar de 6 milhões a 30 milhões de hectares da cana”, 30 milhões de hectares da cana seria uma França e meia agrícola. Um mar de cana. Estamos com seis, vamos multiplicar por cinco, qual será o modelo social nestes 24 milhões adicionais de cana?

Aguiar – Aí eu tinha uma pergunta a fazer para o Ladislau. O que o professor Ignacy está chamando a atenção é que não basta mudar o conteúdo da produção. É necessário mudar o modelo produtivo. Não basta trocar os antigos capitães de indústria por cooperativas operárias ou de trabalhadores. É necessário mudar a cadeia de produção. Mas nós vivemos num mundo que está indo na direção contrária a isso. Um mundo cada vez mais individualizado. Cada vez mais, a agricultura produtiva é vista como sendo a agricultura extensiva. Cada vez mais se aproximando deste modelo monocultural, pelo menos em escala regional. Como é que se altera isso? O que é necessário fazer para criar esta política que o professor Ignacy está apontando?
Kucinski – Eu queria complicar um pouco mais a sua questão. Acho que há uma questão também de mudança não só do padrão de produção, mas também do padrão de consumo. O grande vilão desta história toda é o automóvel. Dizem que agora vamos chegar a 2 bilhões de automóveis. Esse complexo, a indústria automobilística, o transporte individual, a mudança de carro todo ano, todo esse padrão, essa sedução de consumo, junto com o complexo da indústria petrolífera, que são as refinarias, os super tanques, os petroleiros, todo esse complexo comandou o processo até agora. Isso criou uma deformação, na verdade, inclusive na qualidade de vida das cidades. Se você não muda esse padrão de consumo, a gente é prisioneiro de uma coisa que vai crescendo cada vez mais.
Dowbor – Deixa-me comentar, primeiro pelo lado da produção. Trabalhei muitos anos na África. Passei sete anos montado sistemas de planejamento. Vi o impacto da monocultura, a destruição radical das capacidades agrícolas do país em detrimento da produção alimentar. Todos nós conhecemos os grandes ciclos da cana, cacau, e outros, como a monocultura pode ser destrutiva, por exemplo, agora no caso da soja, com a dupla face: rende divisas, mas com um impacto para o país. Acho que uma das propostas centrais, que o Ignacy tem trazido com muita força, é que você pode aproveitar essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética. Isso implica dinamizar em cada localidade um sistema integrado de desenvolvimento que permita que haja um equilíbrio. O grande perigo deste processo é que eu tenho que pensar o que está na cabeça de uma visão do tipo estritamente empresarial, que só se preocupe com as dezenas de milhares de hectares necessárias para a produção de etanol. O tipo de conta que se faz pode ser diferente. Por exemplo, o Ignacy estava fazendo. Bom, você tem que ter 200 hectares de soja para gerar um emprego. No caso do óleo de palma, 10 hectares. Do ponto de vista do empresário, ele calcula, “para mim não interessa se estou gerando emprego, interessa só o quanto isso rende”. Do ponto de vista de uma política de governo que queira absorver o excedente de mão-de-obra que temos, ou que é subtilizado, você vai ter que fazer um cálculo mais inteligente: diversificação das culturas, torná-las associadas, priorizar cultivos que absorvam mais mão-de-obra. Ou seja, interessa a nós todos a utilidade sistêmica para o país, e não apenas, digamos, mais um horizonte econômico para a monocultura.

Sachs – Há duas observações sobre isso. O problema da mudança da estrutura do consumo evidentemente é aquele do primeiro nível da política energética. E a questão quanto aos automóveis individuais e o transporte coletivo é uma questão extremamente importante. Em cima dela vem um problema: vai se trocar o automóvel por que tipo de consumo? Por exemplo, os projetos norte-americanos sobre a redução da dependência em relação ao petróleo, começam por esse lado: reduzir pela metade o consumo do automóvel graças a uma nova geração de automóveis ultraleves. Isso faz parte da solução. Agora, voltando ao problema da produção e o que queremos. Um conceito que circulou pouco no Brasil, e que merece a maior atenção, é o que se chamou de uma “revolução duplamente verde”. Porque tivemos a primeira revolução verde, que vocês chamam aqui de agricultura produtivista. A produtividade aumentou muito, mas aumentou através do ganho por insumos de agrotóxicos, fertilizantes e dispêndio de capital. E, num dado momento, a gente andava dizendo que a revolução verde ajuda aqueles que não precisam ser ajudados, porque já têm aquele capital que permite entrar na produção, marginalizando os pequenos. Daí surgiu o conceito da revolução duplamente verde. Um dos grandes teóricos desta revolução é o agrônomo indiano mundialmente conhecido M. S. Swaminathan(7), que diz: maior produtividade, total respeito à natureza e orientada para o agricultor familiar. E o Brasil tem condições, mais do que qualquer outro do mundo, de avançar neste caminho.

Aguiar – Mas aí é um problema político?
Sachs – Obviamente. São políticas.

Kucinski – As soluções científicas e técnicas existem. O problema é político. Por isso, a gente tinha que discutir algumas experiências que se originaram do saber científico e deram politicamente certo. Acho que a experiência do protocolo de Kyoto, apesar da relutância dos Estados Unidos, é uma experiência interessante.

Sachs – Mas eu acho que antes de discutir o internacional, nós temos que reafirmar com toda a força que nesta época da globalização é extremamente importante ter políticas nacionais de desenvolvimento. E ver quais são os instrumentos para esta política. Voltando ao que Ladislau estava dizendo, há o critério de eficiência energética, ou seja, quanto de energia fóssil é necessário para produzir a bioenergia. Os americanos estão num caminho totalmente absurdo, do ponto de vista da eficiência energética. A relação de substituição é de 1 tonelada de energia fóssil para produzir 1,4 tonelada de bioenergia a partir do milho. Na cana, essa relação é de 1 para 8. No dendê, essa relação é de 1 para 5. Na soja, é bastante medíocre, acho que de 1 para 3. Segundo critério: o ambiental. Como isso afeta os gases do efeito estufa? Mas também se deve perguntar como isso afeta as poluições locais. Porque não adianta discutir a redução dos gases do efeito estufa com o álcool, o etanol de cana-de-açúcar, sem olhar os efeitos ambientais da queima do canavial. Portanto, você tem os critérios ambientais, entre os quais está a produtividade por hectare, para poupar terras para a agricultura. Você tem menos de mil litros por hectare da soja, e 6 mil litros do dendê. Entra o problema de água, que não vamos discutir, e entram os critérios sociais. Você gera um emprego por duzentos hectares de soja, um emprego por dez hectares de dendê. E tendo todos esses critérios em vista, além dos critérios tradicionais do custo-benefício, é que deveriam ser tomadas as medidas para autorizar ou não autorizar tais ou tais projetos da expansão da produção da bioenergia. E ainda entra em conta o problema da desnacionalização de um setor da economia que, bem ou mal, era 100% nacional. Hoje empresas internacionais estão comprando e instalando usinas... Onde vamos parar neste processo?

Notas
(1) Segundo a Union of Concerned Scientists (www.ucsusa.org ), com sede em Cambridge, Massachussets, nos Estados Unidos , a ExxonMobil ou Exxon Mobil Corporation investiu 16 milhões de dólares em 43 organizações, entre 1998 e 2005, para gerar uma campanha que desacreditasse a ligação entre efeito estufa e consumo de combustíveis fósseis.

(2) O Clube de Roma é uma organização fundada em 1968 e integrada por economistas, políticos proeminentes das mais variadas tendências, cientistas e outros pensadores acadêmicos (dele fizeram ou fazem parte a rainha da Holanda, Fernando Henrique Cardoso, Mário Soares, o presidente do BID Enrique Iglesias, José Aristodemo Pinotti, a economista Hazel Anderson, entre outros). O Clube mantém um grupo chamado de Think Tank Thirty, com 30 membros na casa dos 30 anos, que elaboram anualmente um relatório sobre problemas mundiais. Em 1972 o relatório, assinado por Donella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens III, chamava-se "Limits to growth" e previa um cenário catastrófico de desorganização mundial pelo esgotamento das fontes de energia, entre outras causas. O livro publicado a partir do relatório vendeu 12 milhões de exemplares.

(3) Em 1987, pelo Tratado de Montreal as empresas produtoras de geladeiras, aparelhos de ar condicionado e de aerossol concordaram em substituir o gás clorofluorcarbono (CFC) que, quando liberado na atmosfera, contribui para destruir a camada de ozônio, pelo hidrofluorcarbono (HFC), que não tem o mesmo efeito. No Brasil essa substituição se completou em 1999. Entretanto, geladeiras antigas ainda funcionam com o CFC, motivo pelo qual deve-se tomar precauções severas em caso de conserto, para não deixar escapar o gás.

(4) “Uma verdade inconveniente”, direção de Davis Guggenheim, sobre o aquecimento global.

5. O pinhão manso (jatropha curcas) é o fruto de uma árvore atarracada, que lembra mais um arbusto de copa larga, comum no sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil, de onde é natural. O fruto é parecido com um jiló.

(6) O RECA partiu de um projeto piloto para combater/reverter o desmatamento intensivo e extensivo praticado na Amazônia em função da agropecuária. Foi adotado pela primeira vez em 1987 no município de Nova Califórnia, em Rondônia, divisa com o Acre.

(7) Presidente da Comissão Nacional para Segurança na Agricultura, Alimentação e Nutrição na Índia.
(Por Bernardo Kucinski e Flávio Aguiar, Agência Carta Maior, 21/03/2007)

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