Contabilidade ambiental é ferramenta adotada por empresas para proteger a natureza
2007-03-21
Nos últimos anos, cresceu em vários setores a discussão sobre a necessidade de preservação do meio ambiente e das riquezas
naturais. Na contabilidade, essa preocupação surgiu por volta de 1970, quando as empresas passaram a dar maior atenção aos
problemas ligados à ecologia. No Brasil, um dos primeiros profissionais a estudar o tema foi a professora de Ciências
Contábeis da Universidade de São Paulo (USP), Maísa de Souza Ribeiro. "A degradação ambiental tem aumentado tanto que a
sociedade procura meios, em todas as áreas do conhecimento, para tentar sanar ou conter seus efeitos danosos. Resolvi
pesquisar de que forma a contabilidade poderia contribuir, e descobri que o meio seria pela informação dos malefícios e
benefícios das ações empresariais."
Conforme o contador Júlio Zanluca, Contabilidade Ambiental é o registro do patrimônio ambiental (bens, direitos e obrigações
ambientais) de determinada entidade e suas respectivas mutações expressas monetariamente. "O objetivo da atividade é
propiciar informações regulares aos usuários internos e externos acerca dos eventos ambientais que causaram modificações na
situação patrimonial da respectiva entidade, quantificado em moeda", diz.
O professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Fernando Ben, diz que para abordar a Contabilidade Ambiental, deve-se
considerar o conceito de desenvolvimento sustentável e a escassez dos recursos naturais. "Os materiais originados na natureza
são finitos. Um exemplo são as empresas que utilizam madeira. Fala-se em apagão florestal, pois a velocidade do corte é maior
que a do plantio." A gestão ambiental implica atitudes desenvolvidas em todos os setores da sociedade. O contador sugere que
sejam adotadas rotinas como o uso de uma produção mais limpa (gerando menos resíduos), reciclagem (reaproveitamento de
sobras), ecodesign (desenvolvimento ecologicamente correto de produtos) e ISO 14000 (padrões de conduta em relação ao meio
ambiente).
Nesse ramo de atividade, a estrutura do patrimônio divide-se em ativo ambiental, que pode ser representado pelo estoque de
insumos, investimento em máquinas (estações de tratamento de efluentes e filtros) e pesquisas na área. Por passivo ambiental
compreendem-se as obrigações que a empresa tem, como financiamento para a aquisição dos ativos e pagamentos de multas. A
receita ambiental é quanto o empresário ganha em dinheiro em decorrência das práticas aplicadas na empresa, como o lucro
obtido através da venda de produtos reciclados.
Para chegar ao custo ambiental que o empresário terá, é preciso que sejam analisados os gastos com as atividades
desenvolvidas, os recursos empregados e os resultados dessas práticas. O contador, juntamente com seu cliente, identificará o
que pode ser feito para minimizar o impacto da empresa no meio ambiente, como a instalação de estações de efluentes e
pesquisas de qualidade da água. Através do balanço social, a empresa poderá mostrar o que faz em relação ao meio ambiente.
Ben ressalta que já existe uma Norma de Contabilidade sobre o assunto. "A NBCT15 trata da divulgação de informações de
natureza social ambiental. Entrou em vigor em 1 de janeiro de 2006, e possui todos os elementos que devem ser considerados."
Para Ben, através da Contabilidade Ambiental o profissional contábil tem a oportunidade de inserir-se em novos mercados e
atuar junto. O contador Júlio Zanluca diz que, por meio de um plano de contas destacado e de informações adequadas, geradas
pelos departamentos envolvidos nos processos ambientais, como produção, estocagem e processamento de resíduos, o contador
pode auxiliar o empresário a aplicar as medidas necessárias.
Senai do Estado é pioneiro em Centro de Tecnologias Limpas
Para aplicar os conceitos propostos pela Contabilidade Ambiental, os empresários podem adotar práticas de tecnologias limpas.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) gaúcho foi o primeiro do País a instalar um Centro Nacional de
Tecnologias Limpas, que desenvolve ações para outros estados e países. Surgido em 1995 em Porto Alegre, o CNTL está vinculado
a 35 centros de produção apoiados pela Organização das Nações Unidas, dos quais fazem parte países em desenvolvimento da
Ásia, África, Leste Europeu, América Latina e Caribe. O CNTL elabora projetos junto a grupos do Rio Grande do Sul, outros
estados e países, como Chile, México, Equador, Moçambique e Paraguai.
"O enfoque no combate à poluição industrial tornou-se mais sério nos últimos anos, com o crescimento da população e uma
produção maior de resíduos. O problema maior persiste em produzir e depois preocupar-se com o que sobra. Nos anos 60, surgiu
um movimento que percebeu que as empresas poderiam produzir o mesmo gerando menos resíduos", diz o diretor do CNTL, Paulo
Rosa. A fabricação de um bem pode manter-se, mesmo aplicando as técnicas de produção mais limpa. "A produção continua igual,
resultando em menos resíduos e comprometendo menos o meio ambiente. O resultado econômico é ainda maior quando o empresário
adota essa prática", afirma.
No CNTL, através de cursos, são ensinadas técnicas aos funcionários para o uso racional da água, melhor aproveitamento da
matéria-prima e reutilização de materiais. "Avaliamos com os funcionários quais ações podemos empregar para reduzir os
resíduos, trazendo soluções para o meio ambiente," diz Rosa.
O serviço é mais procurado por indústrias de grande porte. O tempo para aplicar as técnicas depende do tamanho da empresa.
Rosa diz que a aplicação dos conceitos de tecnologia limpa trazem resultados econômicos garantidos. "A indústria de tratores
AGCO teve uma economia anual de R$ 400 mil ao empregar o reúso da água na unidade de Canoas."
A água usada na lavagem de equipamentos, até então descartada, passou a ser usada nos sanitários. Em Pelotas, uma pequena
fabricante de cucas, que desperdiçava três toneladas de açúcar ao ano no processo de produção, empregou técnicas que
possibilitaram a redução do ingrediente e, conseqüentemente, a redução dos gastos com matéria-prima.
Medo de penalizações impulsiona investimentos
A responsabilidade da manutenção do meio ambiente é de todos, inclusive dos empresários. Se não estiver apto ou em condições
de receber ou consumir um produto, a continuidade do negócio estará em risco. Esta é a opinião da professora de Ciências
Contábeis da USP, Maísa de Souza Ribeiro. "Várias empresas já introduziram a preservação ecológica na base dos seus sistemas
operacionais, tanto por consciência de sua responsabilidade social, como pressão do governo, do mercado consumidor, do
mercado financeiro e da sociedade em geral", diz Maísa.
O professor da UCS, Fernando Ben salienta que algumas companhias interessaram-se pelo assunto em função da pressão exercida
pela legislação e por ONGs. "Tanto o artigo 225 da Constituição Federal quanto a Lei Estadual 11.520 prevêem multas e
penalizações para quem descumprir suas determinações. Muitos empresários mostram-se atentos a esse risco, uma vez que as
multas podem variar de R$ 50,00 a R$ 50 milhões". Existem leis específicas para cada atividade empresarial e industrial. Para
instalar um curtume é necessário seguir a legislação existente para o setor coureiro-calçadista. O empresário pagará taxas a
órgãos como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), dependendo do trabalho desenvolvido.
A indústria, fábrica ou empresa será eternamente responsável pelos resíduos que gera, mesmo após serem transferidos para um
aterro sanitário. "Os gastos para transportar os resíduos entram nos custos do administrador", diz Ben. Em outubro de 2006, a
Fepam autuou seis empresas do Vale do Sinos responsáveis pelo desastre ambiental que provocou a morte de 87 toneladas de
peixes no arroio Portão. As multas totalizaram R$ 1,217 milhão. Entre as penalizadas, estavam indústrias calçadistas, de
papel e uma empresa que recebia lixo tóxico.
Ben cita vários benefícios estratégicos da gestão ambiental: melhoria da imagem, aumento da produtividade, melhor relação com
a comunidade e outros. "O empresário tem uma motivação econômica associada para preocupar-se com o meio ambiente. A
microempresa, por sua vez, vê como um problema, pois leva em conta mais o operacional. Os grandes vêem como um fator que pode
auxiliar na sua imagem."
Camil estuda instalação de nova termoelétrica
A compra de créditos de carbono é uma das formas de lucrar com os investimentos em tecnologias voltadas à preservação do meio
ambiente. O Protocolo de Kyoto, assinado por vários países em 1997, no Japão, determina que quem polui o meio ambiente deve
assumir financeiramente as conseqüências, pagando pelos prejuízos causados ou compensando com a recuperação ou manutenção de
áreas verdes. Pelo acordo, a compensação pode ser feita tanto no país que originou a poluição como em outro, surgindo assim
os chamados créditos de carbono.
A indústria alimentícia Camil, de Itaqui, foi a primeira empresa brasileira a receber pagamento pelos créditos de carbono,
com a implantação de uma termoelétrica. "Sempre tivemos preocupação ambiental", garante o diretor-financeiro Luciano
Quartiero. "A instalação da usina teve como objetivo dar um destino para a casca de arroz, até então deixada no campo. Não
foi construída com a idéia de lucrar com os créditos de carbono, e sim dar um fim melhor para o resíduo", garante. Com a
queima do resíduo, são gerados 4,2 megawatts de energia.
Quartiero explica que o processo do carbono é longo. "Primeiro precisamos encaminhar o projeto ao Comitê da ONU, que faz uma
pré-aprovação. Reunimos alguns documentos no Brasil e fora. Após validado e aprovado tudo, é contratada uma empresa de
verificação que comprovará no local se os créditos foram gerados." No caso da Camil, a encarregada foi a holandesa SGS. A ONU
emitiu os certificados de emissão, chamados de Certificado de Emissão Reduzida (CER). Pela compra dos créditos, feita por
outra empresa holandesa, a Camil recebeu um milhão e 400 mil euros por 207.298 toneladas de carbono.
"Não consideramos como lucro o valor recebido, uma vez que a manutenção da termoelétrica é custosa. A parte da venda do
crédito de carbono foi uma variável considerada dentro da realidade econômica, que possibilitou a viabilização do projeto." A
companhia gera todo o mês créditos de carbono, mas o pagamento é recebido uma vez apenas por ano. "Vendemos a primeira vez em
2005, agora está sendo feita a nova checagem de campo e avaliação junto à ONU", afirma o diretor.
Quartiero anuncia que a companhia tem projeto de instalar uma nova termoelétrica, na unidade de Camaquã. "Estamos dando os
primeiros passos para o registro inicial no Comitê da ONU. A parte documental brasileira está 95% concluída. Dentro de um
mês, esse processo deve estar pronto." A conclusão da usina deve ocorrer no mínimo até o final de 2008, prevê. "O
investimento trouxe muitas vantagens para a Camil, com grande ganho de imagem. Refletiu na preocupação que a empresa sempre
teve com o meio ambiente. Para nós, esse foi o maior ganho", afirma Quartiero.
Fepam intensifica exigências junto a postos de combustíveis
Um dos ramos de atividade que contém riscos de contaminação e poluição ao meio ambiente é o dos postos de combustível. Para
operar, os proprietários necessitam obter a licença ambiental concedida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental. Segundo
o técnico do Serviço Emergencial da Fepam, Vilson Trava Dutra, o programa foi precursor no Brasil. A fundação é responsável
pelo licenciamento dos postos no Interior do Rio Grande do Sul. Na Capital, a competência é da Secretaria Municipal do Meio
Ambiente (Smam).
No ano passado, em torno de 600 postos não tiveram a licença renovada por apresentarem irregularidades. "Estamos autuando
esses empresários", diz. Para obter a autorização, um posto deve atender a várias exigências, como elaboração de relatórios e
análises semestrais. Atualmente, a Fepam exige que todos os postos possuam piso impermeável na área de bombas. "Os resíduos
de óleo, combustíveis e outros produtos devem ir para uma caixa separadora, que distribui os diferentes materiais. Não tendo
isso, esses conteúdos acabarão no esgoto." Os resíduos são encaminhados para aterros licenciados. "Algumas empresas compram e
recuperam o óleo utilizado, gerando uma pequena receita para os proprietários", diz Dutra.
A Fepam obriga os postos a instalarem unidades de monitoramento, onde periodicamente coletam água e vapor produzidos pelos
tanques para verificar se há contaminação. Os tanques de combustíveis devem ser fabricados com parede dupla, para evitar
vazamentos. "Todos os materiais empregados na produção e instalação devem ter o selo de certificado do Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). A partir de junho, será exigido certificado também dos
instaladores.
Conforme resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) número 273.2000, em casos de passivos ambientais são
responsáveis o proprietário do posto, do tanque (a empresa dona da bandeira) e o operador (quando o estabelecimento é
alugado). "Os três são responsáveis pela descontaminação. Atualmente, temos em torno de 300 remediações no Estado. São postos
que estavam contaminados e estão resolvendo o problema", afirma. O custo para remediar varia de R$ 10 mil a R$ 500 mil,
conforme o caso. Durante o processo de descontaminação, o posto é interditado apenas quando há risco dos produtos entrarem no
encanamento residencial, comercial ou na tubulação de esgoto. "Sem essa possibilidade, segue operando, pois o dono
necessitará de renda para realizar todas as mudanças necessárias."
A Fepam exige que as distribuidoras de combustíveis tenham Equipes de Pronto Atendimento a Emergência. "Quando ocorre um
vazamento, a Epae deve ser a primeira a chegar ao local." O técnico aconselha a todos os empresários que desejem adquirir um
posto de combustível a verificar se o mesmo não apresenta contaminação. "Isso vale também para quem quer comprar um terreno
onde anteriormente havia esse tipo de comércio. É preciso verificar se está livre de riscos", explica. Dutra reconhece que o
órgão ainda tem grandes dificuldades de fiscalização.
Ações da Todeschini reduzem consumo
de água e energia
A fabricante de móveis Todeschini, de Bento Gonçalves, desenvolve ações voltadas à preservação ambiental, como a coleta
seletiva, atendendo à legislação ambiental, conscientização na comunidade, escolas e instituições. Em 1998, foi implantado o
projeto de produção mais limpa, para incentivar e reduzir resíduos nas fábricas.
Segundo a responsável pela área ambiental da empresa, Cecília Giovanella Cecconi, a Todeschini trabalha diretamente com
grupos operacionais formados por colaboradores que sugerem melhorias. Em 2006, houve uma redução de 5,84% no consumo de
energia elétrica, desligando equipamentos e geradores em horários de intervalos e 17,47% de redução de resíduo Classe I e
1,87% de redução no consumo de água, segundo Cecília.
O máximo de reaproveitamento de matéria-prima resulta em ganho para a empresa. A reutilização da água foi outra iniciativa
colocada em prática pela indústria. "A água que sai da empresa é tratada e volta para a irrigação do jardim." Todo material
reciclável é vendido para recicladores. Sobras de madeira e MDF, retornam para o fabricante reprocessar, sem ter que extrair
da natureza.
A empresa monitora seus processos industriais, visando a redução dos elementos poluidores. Em 2001, a Todeschini instituiu o
Programa Integrado de Gestão da Qualidade Ambiental (Proiso), responsável pela implantação e manutenção das normas ISO 9001 e
14001 (a primeira voltada à qualidade do processo produtivo e a segunda à preservação do meio ambiente).
(Jornal da Contabilidade - Jornal do Comércio, 21/03/2007)
http://jcrs.uol.com.br/noticias.aspx?pCodigoNoticia=4102&pCodigoArea=40