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2007-03-21
A cada vez mais freqüente relação entre as guerras civis no Sul pobre e as secas é um mau sinal para um mundo cada vez mais sedento, afirmam cientistas para os quais esse vínculo será mais evidente com o avanço da mudança climática. Pesquisadores e ativistas de todo o planeta destacarão esse e outros impactos da escassez de água sobre o desenvolvimento e a política no Dia Mundial da Água, na próxima quinta-feira (22/03). “Secas severas e prolongadas constituem o fator mais forte dos conflitos de alta intensidade”, disse Marc Levy, diretor-adjunto do Centro para uma Rede Internacional de Informação sobre Ciências da Terra, no Instituto da Terra, da Universidade de Columbia, em Nova York.

Trata-se de conflitos internos, e não entre países, que atingem o grau de “alta intensidade” porque cada um deles envolve mais de mil mortes anuais em combate, afirmou Levy em uma entrevista coletiva na semana passada em Washington. Esses conflitos tendem a ocorrer cerca de um ano após um “severo desvio nos padrões de chuvas”, explicou. O especialista e seus colegas utilizaram décadas de detalhados registros pluviométricos, conflitos geoespaciais e outros dados em um completo modelo informatizado, que superpõe toda essa informação em um mapa mundi de pequena escala.

“Os principais desvios dos padrões de chuvas normais foram os fatores de previsão mais fortes de conflitos. Me surpreendeu o quanto é forte a correlação”, afirmou Levy, enfatizando que as secas não causam diretamente a crise armada, mas são os prováveis gatilhos em regiões onde já existem tensões ou conflitos de baixa intensidade. Por exemplo, no recente conflito civil no Nepal, as zonas do país onde se registrou maior parte da luta registraram poucas chuvas durante vários anos e, em seguida, uma grave seca, no final dos anos 90. Os agricultores poderiam ter abandonado a esperança de plantar e ter se unido à rebelião local como modo de manter suas famílias, afirmou o especialista.

Já as chuvas parecem ter um efeito pacificador. As áreas úmidas da África, por exemplo, têm muito menos anos de conflitos internos violentos do que as regiões secas. Entre as zonas com alto risco de conflito este ano devido a condições extremamente secas no ano anterior, segundo o modelo de Levy, figuram Costa do Marfim, Bangladesh, Haiti e Sudão, além dos Estados indianos de Nagaland e Manipur.

Porém, embora a idéia tenha sentido, “não é possível prever como as pessoas agirão”, disse Robert McLeman, da Universidade de Ottawa, que estuda a relação entre situações ambientais extremas e migração. “Na Nigéria, durante períodos de seca, os criadores de gado e os agricultores habitualmente resolvem os problemas entre eles”, afirmou McLeman à IPS. Os africanos lidam com a seca por milhares de anos. Hoje, as cidades funcionam como bocas de saída, pois registram-se migrações durante a época seca. E cada vez mais pessoas ficam nas cidades, onde podem atender suas necessidades mais facilmente do que nas áreas rurais, acrescentou.

De todo modo, McLeman estimou que boa parte do Afeganistão experimentou uma prolongada seca, e que os agricultores poderiam pensar em unir-se ao movimento islâmico Talibã (que dominou o país entre 1996 e 2001) se não têm outras opções. Habitualmente, a adaptação às secas normais é possível, mas mudanças ambientais significativas e rápidas costumam levar a instabilidade social, migrações forçadas e violência intergrupal, destacou Nils Petter Gleditsch, do Centro para o Estudo da Guerra Civil no Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz, com sede em Oslo.

“Uma seca na Hungria e outra na Etiópia não são a mesma coisa”, pois no primeiro o Estado tem maior capacidade de absorver o impacto, acrescentou Gleditsch na entrevista coletiva. Embora a mudança climática cause maior degradação ambiental (mais inundações e secas, temperaturas mais elevadas) ainda não se avaliou os impactos sociais de longo alcance, ressaltou o especialista. Calcula-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas em todo o mundo sofrem uma severa escassez de água, prevê-se que esse número aumente com o crescimento da população e a mudança climática. “É provável que a mudança climática aumente a freqüência de guerras civis”, afirmou Levy.

A iniqüidade está no centro da maioria dos conflitos, disse Satish Kumar, diretor de programas no Centro Internacional para os Estudos Ecológicos, do britânico Schumacher College. “Causa cada vez mais mal-estar o fato de os ricos serem a causa do aquecimento global, enquanto são os pobres os que mais sofre”, disse Kumar à IPS. “Ouvi muitas pessoas na Índia estabelecerem está conexão considerando as secas em precedentes ocorridas no país”. O estilo de vida norte-americano médio produz 12 vezes mais gases causadores do efeito estufa do que os habitantes dos países pobres, segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas. E também em nações pobres há pessoas muito ricas com estilos de vida que liberam na atmosfera tanto gás que provoca o efeito estufa quanto as do Norte, ressaltou o especialista.

Um aumento dos conflitos, da violência e do mal-estar social é inevitável na medida em que o aquecimento do planeta torna a vida mais difícil para muitos dos pobres do mundo e estes se conscientizam de que os ricos do mundo são os responsáveis, afirmou Kumar. A única maneira de evitar o pior e adotar ações urgentes para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa abordar as desigualdades econômicas e sociais. Kumar também alertou contra as soluções neoliberais. “O capitalismo é suficientemente esperto para usar a escassez de recursos como a água para fazer ainda mais dinheiro para os ricos”, ressaltou.
(Por Stephen Leahy, IPS, 20/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=29338&edt=1

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