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2007-03-20
A Bolívia entra no quarto mês da investida do El Niño, fenômeno climático que aumentou e ameaça voltar com uma força semelhante ou maior. De acordo com previsões do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia e da Comunidade Científica de Agências Internacionais, o vice-ministro da Defesa anunciou no início deste mês a despedida do El Niño, fase quente da chamada Oscilação do Sul. Porém, chuvas, cheias, transbordamentos de rios e ventos semelhantes a furacão não cessam na região nordeste, enquanto persistem secas, granizadas e geadas no ocidente deste país que aglutina todos os climas, desde o tropical nas planícies até o polar na cordilheira andina.

Especialistas ouvidos pelo Terramérica concordam que a região andina deve se preparar para visitas mais freqüentes e intensas do El Niño, devido à mudança climática. O risco maior é para o setentrional Departamento de Pando, que sofre fortes cheias por causa das chuvas no vizinho Peru, informou o Vice-Ministério. Embora esta seja a temporada de chuvas em todo o território boliviano, o episódio iniciado em dezembro é o mais severo desde 1998.

O El Niño é um fenômeno climático periódico que resulta da interação entre a temperatura da superfície do oceano e a atmosfera no Oceano Pacífico, perto do Equador, que afeta boa parte do planeta, especialmente a zona andina sul-americana. “A força do deste ano era esperada”, disse ao Terramérica Oscar Paz, coordenador-geral do Programa Nacional de Mudanças Climáticas (PNCC) do Vice-Ministério de Planejamento Territorial e Meio Ambiente.

Pode ser uma manifestação da nova etapa de desastres naturais, segundo os últimos estudos do Grupo Intergovernamental sobre Mudança Climática da Organização das Nações Unidas, divulgado em fevereiro. “Devido ao aquecimento global, nos últimos anos as chuvas se tornaram mais constantes e fortes”, disse ao Terramérica Carlos Céspedes, chefe de Planejamento do Serviço Nacional de Hidrologia Naval.

O fenômeno alcançou sua intensidade máxima, disse ao Terramérica Luis Phillips, especialista em Hidrologia e gerente técnico do Serviço de Melhoria da Navegação Amazônica. Ele diz que no nordeste boliviano o impacto é mais desastroso agora do que há uma década, pois está oito vezes mais povoado e com uma economia dinamizada pela pecuária, agora dizimada pelas chuvas. A Federação de Pecuaristas do Departamento de Beni calcula pelo menos 22 mil reses mortas. Outras perdas, ainda sem quantificar, estão relacionadas ao setor agroindustrial desse departamento e dos de Santa Cruz e Pando, onde as plantações de arroz e soja foram alagadas.

Mais de 50 pessoas morreram e 79.386 famílias foram afetadas em todo o país. Richard Quispe, da Associação Ecológica do Leste, disse ao Terramérica que também se deve considerar o desaparecimento de cobertura vegetal e as prováveis perdas de espécies ameaçadas de animais silvestres, com ao mutum topete de pedra (Pauxi unicornis), que habita no trópico oriental. Nas chuvas de 1998, os prejuízos superaram os US$ 527 milhões.

O tema foi tratado na II Conferência Alexander von Humboldt sobre o papel da Geofísica na Prevenção de Catástrofes Naturais, entre 5 e 10 de março, em Lima, onde o oceanógrafo norte-americano Michael McPhaden previu mais desastres se a humanidade não assumir sua responsabilidade com relação à mudança climática. “Continua a construção em regiões onde El Niño provoca chuvas intensas, e prossegue o desmatamento em pontos onde causa fortes secas”, afirmou.

Segundo Paz, embora os índices de aquecimento do Pacífico Sul e o histórico dos acontecimentos climáticos na região sirvam para antecipar seu impacto, nunca se sabe como e onde terminará. As medidas a tomar terão de vir, primeiro, com a tecnificação, disse Philips. “Na Bolívia, nossas estações de controle são completamente arcaicas, quando em todo o mundo têm instrumentos ligados a satélites”, disse ao Terramérica.

O Peru, muito vulnerável às mudanças de temperatura do Pacífico, desta vez foi menos afetado do que a Bolívia, em parte por seu sistema de acompanhamento do El Niño e por estar melhor preparado para seus impactos. Além disso, ao contrário de 1998, quando o fenômeno arrasou o território peruano, este ano as intensas chuvas se concentraram na Bolívia, em parte da Argentina e do Brasil. Segundo Paz, o desafio é criar um órgão de alto nível científico que trabalhe em um sistema de controle deste e outros fenômenos climáticos, articulado com uma rede de governos estadual e municipal capazes de dar alerta, estabelecer zonas vulneráveis e planejar em conseqüência.

Por outro lado, o PNCC trabalha com comunidades nas diferentes regiões para entender os problemas derivados da mudança climática e integrar estas experiências a uma política nacional. Seu diretor garantiu que concluirá um projeto para ter acesso a fundos dispostos a partir da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (1994), a fim de vigiar os devastadores jogos do El Niño.
(Por Bernarda Claure, Terramérica, 19/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=29247&edt=1

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