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2007-03-19
Bactérias e outros microrganismos, além de produtos químicos como defensivos agrícolas, comprometem a qualidade de carnes, verduras, frutas, leite e derivados, causando males que em alguns casos põem em risco a vida do consumidor

A população precisa ficar muito atenta em relação aos alimentos que consome. Pesquisas e serviços de análise microbiológica e toxicológica da UNESP identificaram níveis elevados de bactérias prejudiciais ao ser humano em carne bovina, frango, leite e queijo, além de pesticidas em verduras. A fiscalização precária e a falta de higiene na manipulação dos produtos estão entre as principais causas da contaminação por microrganismos. “Nos últimos anos, estão aumentando as doenças transmitidas por alimentos (DTAs), como diarréias, males gastrintestinais, cólera e hepatite A”, alerta Karina Pavão, docente da Faculdade de Medicina (FM), campus de Botucatu.

No ano passado, pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), em Botucatu, detectaram a bactéria salmonela em 30% das cerca de mil amostras de frango de frigoríficos de todo o Estado. “Embora seja eliminado no cozimento e na fritura, esse microrganismo pode contaminar alimentos crus no preparo das refeições”, avalia José Paes de Almeida Nogueira Pinto, docente da FMVZ e coordenador do Serviço de Orientação e Alimentação Pública (Soap), onde foram feitas as análises. (Leia quadro abaixo.)

Segundo Nogueira, a contaminação começa já nas propriedades rurais, por meio de insetos, roedores e pássaros, que transmitem a bactéria à ração e à água dos animais. “Os pintos entregues às granjas já podem estar com esse agente incubado e promover o contágio de outras aves”, esclarece. “Durante o abate, existem ainda muitas etapas críticas em termos de contaminação, como a falta de higiene de quem manipula os frangos.”

Índices ainda maiores de contaminação dessas aves foram encontrados num estudo do Instituto de Biociências (IB), de Botucatu, em cinco supermercados e quatro açougues da cidade. Das 25 amostras, 56% estavam com quantidades de salmonela e coliformes termotolerantes (que indicam contaminação por fezes) acima das aceitáveis pela Vigilância Sanitária. Além disso, das 40 embalagens de lingüiças coletadas, 90% eram impróprias para consumo. Os produtos estampavam o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). “São resultados compatíveis com os detectados em outros Estados e devem ser analisados com muita atenção, pois o consumo desses alimentos tem aumentado muito”, avalia Vera Lucia Mores Rall, docente do IB e orientadora do estudo.

Irrigação com esgoto
A falta de saneamento básico é uma das causas da contaminação em verduras e carnes, principalmente nas propriedades vizinhas às zonas urbanas. Um estudo de mestrado da FMVZ em cinco lavouras de alface próximas a Botucatu constatou que três eram irrigadas com água não tratada, vinda da rede de esgoto. “Nas folhas, foram encontrados parasitas como ácaros e nematóides”, afirma Lílian Guimarães Martins, autora do trabalho.

Pastagens irrigadas com água de esgoto também estão associadas à presença da Taenia saginata, que provoca a cisticercose. Entre 1990 e 2000, 4% das 2 milhões de cabeças de gado bovino compradas por seis frigoríficos na região noroeste de São Paulo continham ovos desse parasita em índices acima dos fixados pela legislação. Ao analisar a procedência da carne vinda de 43 municípios, o veterinário observou que os rebanhos criados próximo às áreas urbanas foram os mais afetados. “Esse número é alto e não deve ter mudado até hoje, pois as causas ainda não foram sanadas”, aponta José Osmar Fernandes, autor do estudo de doutorado, realizado no curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Odontologia, campus de Araçatuba. No homem, a Taenia saginata se fixa no cérebro e pode causar até mesmo a morte.

Sem fiscalização
O maior risco para o consumidor está no alimento sem fiscalização. Everlon Rigobelo, docente do curso de Zootecnia do campus de Dracena, estima que 60% da carne consumida no País vem de abatedores clandestinos. “Já o produto sujeito à inspeção é geralmente de qualidade e segue padrões de segurança alimentar”, observa.

Mesmo fiscalizados, porém, os alimentos industrializados não estão livres da contaminação. Em seu estudo de doutorado, que acompanhou as etapas de processamento da carne de um grande frigorífico, Rigobelo encontrou a variante mais perigosa da bactéria Escherichia coli, conhecida como O157:H7. Em adultos, ela pode provocar doenças graves como a síndrome urêmica hemolítica, que afeta os rins, e, nas crianças, diarréia, que pode ser letal.

A contaminação teria ocorrido fora do frigorífico, por meio da ração ou durante o abate, por um funcionário que manipulou a carne sem ter lavado as mãos. “No campo, esse tipo de bactéria é mais comum nas estações da chuva, quando é eliminada pelas fezes dos animais contaminados ou disseminada pelo esgoto não tratado”, explica Rigobelo.

O aumento da resistência de algumas bactérias aos antibióticos usados sem critério é outra dificuldade dos produtores. “Quando o animal está com diarréia, por exemplo, o pecuarista costuma injetar por conta própria qualquer tipo de antibiótico e só chama o veterinário quando o problema se mantém”, relata o docente. “Desse modo, algumas bactérias se tornam mais resistentes a medicamentos”, observa.

Vantagem dos probióticos
Carne de frangos tratados com antibióticos não será aceita a partir deste ano pela União Européia, o que causará um grande impacto no Brasil, o maior exportador mundial do produto. Tais substâncias, que servem também como promotoras de crescimento do animal, podem ocasionar resistência a medicamentos entre os microrganismos da flora intestinal do consumidor.

Uma saída está na utilização dos chamados probióticos. Num experimento em 100 aves na FMVZ, esses aditivos de ração à base de organismos vivos apresentaram bons resultados. “Na fase do abate, os probióticos diminuíram significativamente a contaminação por salmonela”, aponta Ariel Mendes, docente da FMVZ e orientador do trabalho. “Além disso, as cepas de bactérias oriundas de frangos alimentados com probióticos apresentaram menor resistência aos antimicrobianos”, completa o veterinário João Caramori Junior, autor do estudo.

As bactérias também estão ficando resistentes tanto a altas como a baixas temperaturas. Pesquisadores da FMVZ detectaram Listeria monocytogenes em quatro carcaças resfriadas de novilhos superprecoces, criados na UNESP. Como a bactéria não havia sido detectada nos animais nem nos alimentos e na água que consumiram, a conclusão é que a contaminação ocorreu na câmara fria de um matadouro-frigorífico da região.

“Ao contrário da grande maioria dos organismos patógenos, essa bactéria se multiplica em baixas temperaturas”, afirma Nogueira, um dos autores da pesquisa realizada em conjunto com pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de São Paulo. A L. monocytogenes acomete principalmente crianças, idosos, gestantes e pessoas com baixa imunidade.

Longa vida
Nem mesmo o leite longa vida, que passa por um processo de ultra-alta temperatura (UAT) para eliminar microrganismos, está livre da contaminação. Das 30 amostras do produto analisadas em um estudo da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, campus de Jaboticabal (FCAV), 13% apresentaram o Bacillus cereus. “O processo UAT diminui, mas não elimina totalmente as bactérias”, destaca o médico veterinário Oswaldo Rossi Júnior, orientador do estudo. “Resistente ao calor, esse bacilo pode favorecer a produção de toxinas que provocam vômitos e diarréias.”

As mesmas cepas do bacilo também foram encontradas em 97% das amostras do leite pasteurizado, 73% do leite em pó e 50% do leite cru de uma usina de beneficiamento do interior, inspecionada pelo SIF. “A contaminação pode ter ocorrido devido à falta de higiene do empregado que manejou o produto nos currais”, observa Naiá Lago, autora do estudo de doutorado.

Ainda na FCAV, os pesquisadores constataram contaminação num tipo de queijo comercializado na região de Ribeirão Preto (SP). “Num total de 38 amostras, 24% apresentavam coliformes fecais, 44% cepas de E. coli e 22% de Klebsiella em níveis acima dos limites da legislação”, aponta Fernando Antônio de Ávila, docente e orientador do estudo. “Provavelmente a contaminação ocorreu pelas fezes de quem preparou os alimentos”, acrescenta Adriana Jorge Drubi, autora da pesquisa.

O perigo químico
Outro risco é a ingestão de substâncias químicas na comida. A contaminação geralmente ocorre com resíduos de defensivos agrícolas ou pesticidas. Em Botucatu, o Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do IB presta serviço a empresas que produzem e comercializam alimentos e buscam evitar que esse tipo de substância chegue aos consumidores.

Em 2006, de acordo com a farmacêutica-bioquímica Denise Zuccari Bissacot, 50 amostras de alimentos passaram por análises no Ceatox. Em peixes, leite bovino e arroz, foram encontrados resíduos de inseticidas organofosforados, carbamatos e piretróides. A ingestão de altas concentrações dessas substâncias pode provocar tonturas, fraqueza, cólicas, vômitos, tremores e, a longo prazo, até mesmo câncer.

Por ser mais sensível às pragas, o tomate é um dos alimentos com maior risco de intoxicação por agrotóxicos. A substância parationa-metílica, proibida pela Vigilância Sanitária, foi encontrada em lotes do produto em Aracaju (SE), por meio de métodos desenvolvidos pelo químico Sandro Navickiene durante seu doutorado no Instituto de Química (IQ), campus de Araraquara. Ela pode provocar náuseas, vômitos, diarréia, salivação e suor excessivos. “Nos casos mais graves, está relacionada a aumento da secreção pulmonar, contrações musculares e depressão”, observa Navickiene.

O risco de contrair uma doença através dos alimentos tem aumentado, tanto pela disseminação de diferentes microrganismos como pela maior circulação de pessoas e produtos, por causa do processo de globalização. No entanto, a médica Karina adverte que a ingestão de comida contaminada não significa necessariamente que a pessoa vai adoecer. “O contágio vai depender da agressividade e da quantidade dos agentes, além do estado imunológico do consumidor”, afirma.

Laboratórios fazem análise de alimentos
A UNESP conta com vários centros e laboratórios que prestam serviço de análise microbiológica e toxicológica de alimentos industrializados ou in natura para empresas que buscam aprimorar seu funcionamento e obter produtos mais saudáveis.

Em funcionamento desde 1983, o Serviço de Orientação e Alimentação Pública (Soap), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), em Botucatu, atende a mais de 200 empresas de vários Estados, tendo realizado cerca de 25 mil análises em 2006. “Muitas indústrias de alimentos de origem animal querem laudos para exportar o produto”, afirma José Paes Nogueira Pinto, professor da FMVZ e coordenador do serviço. Segundo ele, algumas prefeituras também solicitam o serviço para atestar a qualidade de alimentos destinados à merenda escolar.

No Instituto de Biociências (IB), o Laboratório de Microbiologia realiza, há 10 anos, análises de indicadores de higiene e de microrganismos e substâncias prejudiciais à saúde, em carne bovina e de frango e comida de hospital. Segundo a coordenadora, a docente Vera Lúcia Mores Rall, este ano, o laboratório também passará a identificar toxinas produzidas por fungos em grãos de milho, soja, farinha, arroz e feijão.

Ainda em Botucatu, prefeituras, indústrias, clínicas veterinárias e laboratórios de análises clínicas são os principais clientes do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do IB. O serviço possui também um ambulatório de toxicologia, além do Centro de Informações Toxicológicas, que funciona 24 horas para atendimento à comunidade.

No Instituto de Química, campus de Araraquara, o químico José Anchieta Gomes Neto e a professora Mercedes de Moraes coordenam as atividades do laboratório do Grupo de Pesquisa em Espectroanalítica e Automação, voltado para a identificação de elementos químicos em baixas concentrações nos produtos. “Desenvolvemos metodologia para detectar, por exemplo, cádmio e chumbo em vinhos, cobre e chumbo na cachaça e arsênio em açúcar”, diz Gomes Neto.

No Laboratório de Análises de Produtos de Origem Animal e Água da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), campus de Jaboticabal, o leite e seus derivados foram os alimentos que revelaram o maior nível de contaminação, em 2006. O serviço, credenciado pelo Ministério da Agricultura, atende a 25 empresas por ano, segundo o docente responsável, Antonio Nader Filho.

Treinamento melhora qualidade das refeições
A médica Karina Pavão, professora da Faculdade de Medicina (FM), campus de Botucatu, aponta a falta de higiene no preparo dos alimentos como uma das principais origens da contaminação dos produtos. “Em 2006, em uma inspeção em todas as padarias de Botucatu, feita como parte prática de uma disciplina de Nutrição, constatamos que todas apresentavam falhas na conduta dos funcionários quanto à manipulação dos alimentos”, conta.

Nos trailers de lanches, a falta de higiene é a principal causa de contaminação. No seu estudo de mestrado, realizado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), em Botucatu, a veterinária Filomena Felipe avaliou entre péssimos e regulares os aspectos higiênicos e sanitários de 26 desses estabelecimentos em Presidente Prudente. A conclusão se baseou nas respostas dos proprietários a questionários e em análises microbiológicas do material coletado nas visitas.

Em 70% dos lanches tipo cheese-salada, o volume de coliformes fecais estava acima do estabelecido na legislação. Na maionese, foi detectada salmonela e, nas folhas de alface, ovos e larvas de nematóides, como lombrigas. “As análises microbiológicas das mãos e unhas de que quem prepara os lanches também mostraram contaminação pela bactéria Stafilococcus aureus, em 23%, e por enterobactérias, em 80% dos casos”, aponta Filomena.

“Os dados são preocupantes, visto que cada vez mais as pessoas fazem refeições rápidas e baratas fora de casa”, afirma Luiz Carlos de Souza, docente da FMVZ, orientador do estudo. A partir da pesquisa, como coordenadora da Vigilância Sanitária de Presidente Prudente, Filomena desenvolveu um treinamento para 120 trabalhadores de trailers. “Obtivemos a melhora de 60% da adoção de boas práticas e implantamos um selo de qualidade para esses estabelecimentos”, acrescenta.
Por Julio Zanella (Colaborou Genira Chagas)
(Jornal da Unesp, 16/03/2007)
http://www.unesp.br/aci/jornal/220/alimentos.php

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