A médica neurotoxicologista, Heloísa Pacheco Ferreira, defende o banimento dos agrotóxicos das lavouras brasileiras e garante que esse tipo de produto tem colocado em risco a saúde de trabalhadores e consumidores, além dos impactos ambientais. “Estamos pesquisando alternativas viáveis ao uso de agrotóxicos e uma delas é a agrohomeopatia, uma solução que tem dado resultados excelentes em Friburgo (região Serrana do RJ). Essa pesquisa, realizada há dois anos, em lavouras de tomates, demonstra que é possível substituir o uso de Tamaron, largamente utilizado nesse tipo de cultura agrícola,” exemplifica a médica.
Como coordenadora do ambulatório de Toxicologia Clínica do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a especialista tem acompanhado de perto, não só o atendimento ambulatorial a pacientes com histórico de contaminação, mas pesquisas que comprovam danos ambientais e à saúde pública, provocados pelos agrotóxicos, metais pesados e solventes. São mais de 600 atendimentos anuais, 16 por semana.
“Temos constatado situações absurdas no Brasil, em que o uso indiscriminado de pesticidas tem causado sérios danos à saúde e ao meio ambiente”, reforça Heloísa. Um exemplo que comprova a realidade, segundo a neurotoxicologista, foi o de uma pesquisa desenvolvida pelo Iesc, em lavouras de tomate no Mato Grosso do Sul, em 2004, onde foi constatada a ineficácia da utilização do Tamaron. “Os agricultores tinham que utilizar grandes quantidades do produto para obter baixos resultados, o que acarretava em altos custos para manter a produção, além dos impactos da exposição dos trabalhadores e os danos ambientais”, reforça.
Capacitação
A exemplo do que vem fazendo em outros Estados brasileiros, no Mato Grosso do Sul, a equipe de pesquisadores do Iesc realizou cursos de capacitação em toxicologia ambiental, destinado aos profissionais que atuam na área de vigilância sanitária e ambiental. O objetivo é preparar os médicos e outros especialistas, para identificar e diagnosticar, com mais facilidade, casos de contaminação por agrotóxicos e outras substâncias tóxicas.
“No caso do Tamaron alertamos que o produto é extremamente neurotóxico, podendo provocar alterações emocionais e comportamentais, além de distúrbios de memória, entre outros problemas de saúde”, afirma Heloísa Pacheco. A médica neurotoxicologista disse ter acompanhado com preocupação a divulgação de informações sobre o acidente ocorrido na fábrica da Bayer, em Belford Roxo, em função do tanque que explodiu conter Tamaron. Embora a empresa tenha informado que não houve vazamento do produto para o meio ambiente, a especialista defendeu uma investigação apurada do ocorrido.
“Não somente em função do acidente, mas como uma prática cotidiana, a minha recomendação é que a população exija relatórios ambientais dos órgãos competentes para tomar conhecimento da dosagem de substâncias tóxicas que estão respirando no dia-a-dia. Defendo também que se a população está convivendo ao lado de uma fábrica de substâncias químicas, seria fundamental capacitar os profissionais de saúde do município para realizar diagnóstico em toxicologia ambiental e ocupacional. O estudo epidemiológico da população é outra iniciativa fundamental”, analisa.
A especialista concluiu que os paradigmas toxicológicos adotados pelas empresas precisam ser mudados, uma vez que a toxicologia na atualidade trabalha com as questões que envolvem suscetibilidades, que por sua vez, são maiores ou menores dependendo de questões diretamente interligadas a fatores socioeconômicos e ambientais. “Produtos químicos podem ser mais tóxicos para crianças e pessoas idosas, por exemplo, ou para pessoas que enfrentem situação de desnutrição e histórico de problemas respiratórios. Se estamos falando de comunidades carentes que vivem no entorno de uma indústria química essas suscetibilidades precisam ser levadas em consideração”, conclui.
Arma química
O engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro, no artigo “Tamaron, a bomba atômica dos miseráveis”, citado em matéria do portal Ambiente Brasil, já havia alertado sobre a toxidade do produto. Segundo o especialista, “o Tamaron tem uso restrito na União Européia e é proibido em vários países por sua toxidade aguda, crônica e latente, desde que se descobriu, em 1991, através de um estudo epidemiológico do reino da Noruega, que comprovou que os fosforados provocavam uma defasagem cognitiva nas crianças da área rural do país de melhor qualidade de vida”.
No artigo que escreveu, o engenheiro agrônomo sugeriu:
- Levantamento epidemiológico sobre cognição das crianças da Baixada Fluminense em Belford Roxo no entorno do acidente, de acordo com o Estatuto da Criança;
- Coletas de amostras para análise de TetraMetilDiTioPiroPhosfato (TMDTPP) nas águas, urina e ar, no entorno;
- Análise do enantiomorfo no sangue dos operários da empresa;
- Presença de TMDTPP, enantiomorfo de Tamaron, nas partidas de produtos após o acidente.
Ainda segundo Pinheiro os principais riscos oferecidos pelo Tamaron são os seguintes:
- O Tamaron em contato com águas ácidas dos esgotos das favelas tem uma meia vida de 700 dias;
- O Tamaron se isomeriza no ambiente e TetraMetilDiTioPiroPhosfato (HMDTPP) com Dose Letal 50 de 0,9 mg/Kg, trinta vezes mais tóxico que o produto original;
- O Tamaron, em contato com sais de cobre conforme trabalho de Tese de Engenheiro-Doutor J.Wiemer, em 1976, para a Bayer AG, NÃO PUBLICADO, segundo Christa Fest, Karl J. Schmidt se torna (chiral) “enantiomorfo” até mil vezes mais tóxico e usado em armas químicas, aparentado com os “VG” e “VX” na Guerra do Iraque.
Os três questionamentos divulgados pela imprensa foram respondidos pela Bayer da seguinte forma:
– Nossos dados sobre o comportamento hidrolítico (comportamento em água) de metamidofós em soluções buffer mostram que a meia-vida com valores de pH ácidos é mais longa que sob condições neutras ou básicas. Sob condições de tratamento de esgoto o valor do pH neutro é realista. Nosso estudo com água, com sedimento e pH 7,3-7,5 mostra meias-vidas de menos de 10 dias, tanto na água como no sistema todo;
- Não foram detectadas estruturas dímeras (e.g. Pirofosfatos) em nenhum dos nossos estudos de destino ambiental – solo, água e ar;
- Metamidofós é um composto quiral do éster do ácido tiofosfórico. Ele é comercializado como mistura racênica. Foram feitos todos os testes toxicológicos com essa mistura, que recebeu aprovação para registo. VX (Guerra do Iraque), ao contrário, é um derivado do ácido metanofosfônico e, portanto, não é quimicamente comparável.”
Para saber mais sobre agrotóxicos:
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Curso Agrotóxicos - o controle de saúde dos trabalhadores expostos”. Congresso ANAMT – Goiânia, 2004
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Impacto ambiental e administração de problemas toxicológicos na utilização de inseticidas agrícolas
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Pesticidas: um problema grave de saúde pública e ambiental
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É veneno ou remédio? Agrotóxicos, saúde e ambiente
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Intoxicações e uso de pesticidas por agricultores do município de Paty do Alferes, Rio de Janeiro, Brasil
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Agentes pesticidas causadores de intoxicação em três zonas habitacionais do município de Cáceres, Alto Pantanal, MT, Brasil
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Analisando os impactos socioambientais resultantes do uso de agrotóxicos num assentamento de reforma agrária
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Sinais e sintomas do envenenamento por agrotóxicos
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Por Elizabeth Oliveira
A reportagem de Elizabeth Oliveira constitui um marco diferencial pois foi patrocinada solidária e voluntariamente por diversos jornalistas ambientais que participam da RBJA – Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, sendo veiculada espontaneamente por diversos veículos da mídia ambiental engajados em estimular e exigir maior investimento em jornalismo ambiental investigativo.