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2007-03-19
Quem estuda o meio ambiente acusa o setor sucroalcooleiro de impactar a natureza com o plantio de cana. A preocupação maior é com o vinhoto, subproduto da cana, que, se não for tratado devidamente, prejudica a oxigenação na água nos lençóis freáticos, interfere na sua potabilidade, podendo ainda ocasionar danos ambientais.

Bem detalhista, o biólogo Edward Bertoline, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e doutorando em Educação Ambiental, procura pontuar o que uma monocultura pode trazer de prejuízo. “Primeiro, qualquer uma delas, promove o desmatamento e, a princípio, o desequilíbrio. Alguns predadores somem e outras populações, como a de insetos, por exemplo, excedem”, explica ele.

Quanto ao vinhoto, ele lembra de um acidente em Jaciara em que um dos tanques virou e houve mortandade de peixes.

“Quando isso?”, indaga o assessor executivo do Sindalcool, Jorge dos Santos. “Há 30 anos? Isso foi num tempo em que não tínhamos a tecnologia que temos hoje”. Segundo ele, se lembra apenas de uma ocorrência, em 82, em uma das usinas. O nome dela mantém sigilo, alegando questão de ética. “Foi um ligeiro vazamento em um córrego, rebelado rapidamente. Não afetou nada – bem, claro que sempre afeta – mas não foi um desastre ambiental”, defende.

Inácio José Werner, do Centro Burnier Fé e Justiça, destaca que os impactos são ambientais e humanos. “A comunidade do Fumo próxima à Alcopan, não pode mais cavar poço, porque a água já está insalubre”, dá um exemplo.

Setor é o maior escravagista do Estado
A produção sucroalcooleira de MT, de onde vem o novo “ouro” brasileiro aos olhos internacionais, o etanol, reúne a maioria das ocorrências de trabalho escravo

A visita do presidente norte-americano, George Bush, ao Brasil pôs na pauta do país um assunto jamais tratado popularmente: o etanol. E apontou aos empresários do setor sucroalcooleiro que a era por vir é a da monocultura da cana, da qual é retirado o doce açúcar e o álcool brasileiro, considerado barato e de boa qualidade. O assunto da vez, no entanto, de doce nada tem. É este o setor que em Mato Grosso mais repete a prática do escravagismo. As 10 usinas instaladas no Estado estão na mira do Ministério Público do Trabalho, de onde vêem informações e fotos que chocam sobre o que o homem é capaz de fazer com o homem em nome do lucro. Massas de braçais vivendo em condições piores que a de animais. O empresariado, no entanto, ignora o problema, nega este tipo de relação que está no cerne da formação da nação e acha que isso é invencionismo de movimentos sociais.

É fato incontestável, porém, que de 1995 a 2006, o MPT registrou 41 procedimentos instaurados em razão da existência de trabalho escravo em usinas de álcool no Estado.

A campeã em irregularidades e reincidência, conforme o MPT, é a Alcopan, na região de Poconé, a 120 quilômetros de Cuiabá, uma das portas de entrada para o Pantanal mato-grossense. De lá, 341 pessoas foram resgatadas. O recorde nacional em libertação de trabalhadores tratados como escravos também é daqui. Foram libertadas, em junho de 2005, 1.008 pessoas da Destilaria Gameleira, no município de Confresa, a 1,3 mil quilômetros ao norte de Cuiabá, considerada a maior operação de libertação de trabalhadores escravos já ocorrida no país. O auditor fiscal do Trabalho, Humberto Célio Pereira, disse na ocasião ao site “A Nossa História”, também enquanto coordenador do grupo móvel de fiscalização, que “a situação aqui é horrível! Há superlotação dos alojamentos, que exalam um mau cheiro insuportável. A única água que recebe tratamento é aquela que vai para as caldeiras e não para os trabalhadores. A alimentação estava estragada, deteriorada. O caminhão chega jogando comida no chão. Pior do que a comida que se dá para bicho, porque esse pelo menos tem coxo”.

Para o procurador José Pedro dos Reis, da Coordenadoria Estadual de Combate ao Trabalho Escravo, “a situação hoje é pior do que a era do escravagismo, porque naquela época o escravo agregava valor aos donos e eram tratados como coisa, como boi. Recebiam alimentação forte, do contraria adoeciam, morriam e os donos não queriam isso. Hoje, os braçais, como estes que fazem o plantio e o corte de cana, não têm alimentação digna, alojamento, água potável, cidadania, vivem à margem da sociedade, sem documentos, muitos deles se quer têm certidão de nascimento, são tratados como força de trabalho que servem apenas para gerar riquezas. Em situações extremas, ainda trabalham sob a mira de uma arma”, afirma o procurador.

“São vítimas da superexploração”, diz Inácio José Werner, do Centro Burnier Fé e Justiça, uma entidade jesuíta que trabalha em favor dos diretos sociais.

A reação do empresariado é de negação. “Não sei de onde esse pessoal tira essas coisas. A gente contesta todas essas informações, em todas as nossas usinas há alojamentos, restaurantes e estão absolutamente dentro das normas do Ministério do Trabalho”, irrita-se o assessor executivo do Sindicato das Indústrias Sucroalcooleiras do Estado de Mato Grosso (Sindalcool), Jorge dos Santos.
(Por Keka Werneck, Diário de Cuiabá, 17/03/2007)
http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=280737
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