Acostumada a lidar com questões judiciais que envolvem contaminação por substâncias tóxicas, a advogada Bettina Maciel, do escritório Barcellos Lima & Maciel Advogados Associados SC, considera que as chamadas brechas na legislação, aliadas à falta de informação e ao poder econômico de megagrupos empresariais, deixam a sociedade nos países mais pobres à mercê de atividades potencialmente poluidoras. Segundo ela, na América Latina há condições favoráveis à produção de agroquímicos, onde a mobilização das indústrias consegue, inclusive, interferir nas leis.
Ela lembra que em 1992, a Portaria Nº 3 do Ministério da Saúde, ratificou um documento (do mesmo Ministério) denominado “Diretrizes e orientações referentes à autorização de registros, renovação de registros e uso de agrotóxicos e afins.” Essa Portaria alterou a classificação toxicológica dos agrotóxicos, fazendo com que produtos como o Tamaron, protagonista do acidente na Bayer, anteriomente considerados mais perigosos, fossem classificados como menos tóxicos. “O caso do Tamaron que teve restringido o seu uso nos países desenvolvidos, enquanto é praticamente de uso livre no Brasil não é isolado. Muitos agroquímicos, principalmente da classe dos organofosforados, têm sido desaguados irrestritamente nos sítios de países em desenvolvimento”, afirma a advogada sobre o produto contido no tanque que explodiu em Belford Roxo.
Mudança Letal
Bettina Maciel conta que “os produtos classificados como Classes I, faixa vermelha e caveira (Extremamente Tóxicos), e II, faixa amarela e caveira (Altamente Tóxicos), passaram para as Classes III, faixa azul, (Medianamente Tóxicos), e IV, faixa verde, (Pouco Tóxicos)”. Com a alteração, apenas 6% dos agrotóxicos do País permaneceram nas Classes I e II, e 94% passaram às Classes III e IV. Antes, 85% deles eram classificados como Extremamente ou Altamente Tóxicos. “O Tamaron é um organofosforado que sofreu mudança de classificação. Antes pertencia à faixa vermelha, agora está na faixa azul”, explica. A mesma Portaria do Ministério da Saúde, acrescenta a advogada, também possibilitou o aumento da concentração de ingredientes ativos nos produtos, pois passou a dose letal de veneno de 20mg/Kg para 200mg/Kg.
Outro exemplo de vulnerabilidade socioambiental do Brasil foi a Medida Provisória Nº 131 que legalizou o glifosato contrabandeado do Paraguai por agricultores de soja transgênica do Sul do Brasil. "Na época o glifosato não tinha autorização de uso concedida por órgãos federais, como determina a Lei 7802/89, para uso na parte aérea da soja”, lembra Bettina.
Outro exemplo clássico é o caso do chlorpirifos, igualmente um organofosforado, que já havia enfrentado severas restrições na Europa e Estados Unidos, inclusive perdendo o parâmetro de produto seguro, mas que aqui era comumente usado, sendo vendido nas gôndolas de supermercados. No caso do chlorpirifos, no entanto, houve um desfecho positivo para a sociedade.
A partir de um acidente de trabalho que intoxicou mais de 140 pessoas em Porto Alegre, em 1999, com um produto à base desse organofosforado, houve uma mobilização de um grupo de pessoas (toxicologista, neurotoxicologista, advogadas, médicos do SUS, profissionais do Centro de Saúde e Referência do Trabalhador do município, além do Ministério Público Federal). Pelo reconhecimento da responsabilidade por parte do empregador, esse agroquímico teve o registro cassado junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no curso de Ação Civil Pública. “Devemos nos questionar se precisaremos sempre esperar que o pior aconteça para tentar remediar”, diz a advogada.
Poder Corporativo
A advogada também reforça que a mobilização social se faz cada vez mais necessária, para exigir transparência, em um cenário em que a força do segmento empresarial conquista cada vez mais espaço. “Um levantamento do Institute for Policy Studies, de 2000, informa que das maiores 100 economias do mundo, 52 são agora corporações, apenas 48 são países”, diz ela. No setor de agroquímicos, a realidade não é diferente. Segundo cita a especialista, “um estudo da Rural Advancement Foundation International, de 2001, revelou que há vinte anos, 65 companhias de químicos agrícolas competiam no mercado mundial”. “Hoje, nove companhias detêm aproximadamente 90% das vendas de pesticida, 90% das novas tecnologias e patentes de produtos estão nas mãos de corporações globais.”
Para Bettina “è a força das corporações que subsistirá enquanto as pessoas não se unirem”. Da mobilização da sociedade também dependem, segundo conclui Bettina Maciel, as questões relacionadas à saúde e à qualidade de vida, assim como os bens ambientais, que precisam ser colocados no centro de todas as discussões políticas, e contemplados com políticas públicas.
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Por Elizabeth Oliveira
A reportagem de Elizabeth Oliveira constitui um marco diferencial pois foi patrocinada solidária e voluntariamente por diversos jornalistas ambientais que participam da RBJA – Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, sendo veiculada espontaneamente por diversos veículos da mídia ambiental engajados em estimular e exigir maior investimento em jornalismo ambiental investigativo.