Arrozeiros, cooperativas e indústrias travam na Justiça uma briga com a Basf que pode encarecer a produção do arroz. No centro da batalha jurídica, está uma semente desenvolvida e registrada pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) em 2002. A multinacional quer cobrar uma taxa dos produtores que plantaram a semente gaúcha sem usar o seu herbicida Only. A ação é encabeçada pela Federação das Cooperativas de Arroz do Rio Grande do Sul (Fearroz). Em uma entrevista concedida ontem (14/3), o presidente da entidade, André Barbosa Barretto, falou sobre o assunto:
Zero Hora - Na visão da Fearroz, existe o sistema Clearfield?
André Barretto - O sistema Clearfield não é nada mais do que um sistema que vem sendo usado pelos produtores há cerca de cem anos, apenas acrescido de um herbicida que, segundo nos informaram, é de domínio público, pois já é utilizado em outros produtos de diversas empresas. O que a Basf fez? Ela "redescobriu" isso e disse: este é o sistema Clearfield, só que você tem de usar o herbicida Only e a semente Irga 422 CL.
ZH - Mas Basf afirma ter patenteado o sistema Clearfield.
Barretto- Em momento algum a Basf nos deixou caracterizada a patente sobre o sistema Clearfiel, o qual envolve um cultivar (semente) que é registrado no Ministério da Agricultura em nome do Irga, que é sustentado com recursos exclusivos dos produtores. O arrozeiro paga R$ 0,33 por saca de arroz para o Irga desenvolver pesquisa.
ZH - Como a cobrança da taxa para quem não usa o sistema Clearfield e a necessidade de armazenar em silos separados o arroz produzido por meio da semente Irga 422 CL (exigência da Basf) onera a produção?
Barretto - Com relação à obrigatoridade de separar o arroz produzido com esta semente em silos diferente isso é inviável, pois 65% dos produtores não são proprietários da terra, não têm condições de construir os silos em terras de terceiros. Se não usar o esquema da venda casada (semente do Irga, herbicida Only e monitoramento), o produtor vai ter de pagar 2, 4 ou 6% sobre o total produzido em sua lavoura e não apenas sobre a produção da área que utiliza a semente. Ou seja, uma punição.
ZH - Essas medidas poderiam aumentar os custos de produção em relação a produtores de outros Estados e países? Ou até inviabilizar a lavoura?
Barretto- Sem sombra de dúvida. Seria oneroso ter de fazer esta segregação (em silos) e pagar essa taxa. Além da construção de silos, tem o problema do transporte. A Basf exige para todos, independentemente de usarem herbicida Only, que a carga seja entregue na indústria separada. Se não o fizer, vai ter de pagar 6% sobre todas as variedades usadas na lavoura.
ZH - Como o valor foi estipulado?
Barretto - Eu gostaria de saber qual foi o critério que adotaram. É o judiciário que deveria estabelecer qual seria o valor caso a Basf tivesse direito. Sem falar no monitoramento que integra o sistema da Basf que obriga o setor industrial a permitir o acesso às suas instalações sem aviso prévio por funcionários da Basf. Em outras palavras, expondo sigilos comerciais, um verdadeiro absurdo, uma pretensão criminosa.
ZH - A Fearroz reclama, na ação judicial, de um acordo em que o Irga reconheceria a Basf como proprietária dos direitos sobre a semente que serviu de base para desenvolvimento da variedade gaúcha.
Barretto - O acordo foi chegar ao conhecimento público há pouco tempo. Ninguém conhecia esse acordo, que tem até uma cláusula de sigilo. São tantos os problemas atrás dessa negociação que a patente acaba sendo o de menos.
Entenda o caso
> Segundo a Basf e o Irga, a variedade Irga 422 CL teria sido desenvolvida em 2002 a partir de sementes doadas pela Universidade de Lousianna (EUA), e os direitos sobre a variedade cedida agora seriam da Basf. Os arrozeiros ressaltam que a semente foi criada por um órgão público mantido pelos produtores.
> A Basf afirma ainda ter desenvolvido o que chama de sistema Clearfield: uso da semente gaúcha resistente ao herbicida Only, que mata o arroz vermelho. No ano passado, uma acordo entre a empresa, o Irga e a Federação das Associações de Arrozeiros (Federarroz) estabeleceu a cobrança da taxa.
> Uma liminar concedida, na sexta-feira, pela juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, Cristina Luisa Marquesan da Silva Minini, proibiu a Basf pressionar os 70 autores da ação para que aceitem a taxa.
(Por Francismo Amorim,
Zero Hora, 15/03/2007)