Não poderia ser diferente. As expectativas de um mercado exuberante de biocombustíveis para o Brasil abrem oportunidades a todo tipo de empreendedor. No Estado, que pretende assumir posição de destaque na produção de biodiesel, as três primeiras usinas que entrarão em produção não poderiam ter origens mais distintas. Um empresário do ramo metalúrgico, outro atuante no ramo de óleo de soja e um carioca botafoguense serão os primeiros empreendedores de biodiesel no Rio Grande do Sul. Zero Hora mostra esses pioneiros e seus negócios.
O que é biocombustível?
Todo produto que pode ser usado para gerar energia obtido a partir de algum tipo de vegetal e até compostos de origem animal, como gordura (sebo).
Esses produtos têm sido valorizados porque poluem menos do que os combustíveis de origem fóssil - principalmente petróleo, mas também carvão e gás natural - e porque são renováveis, ao contrário das reservas dos produtos de origem mineral.
E há vantagem: a cada plantação, é possível produzir mais.
Qual a diferença entre etanol e biodiesel?
Ambos são biocombustíveis, mas a identidade termina aí. O etanol é o álcool combustível, produzido no Brasil há mais de 30 anos, objeto de um acordo com os Estados Unidos, mais usado para substituir a gasolina.
O biodiesel pode ser um componente ou um substituto do óleo diesel, um derivado de petróleo.
Com o que se pode fazer álcool?
As matérias-primas mais usadas são cana-de-açúcar, milho e beterraba.
Com o que se pode fazer biodiesel?
Há maior diversidade de matérias-primas. Soja, girassol, canola, dendê, castanha, buriti e mamona estão entre os mais empregados.
Também é possível usar gordura animal para compor o óleo.
Como se faz o biodiesel
Plantio
O agricultor planta soja, mamona, girassol, canola e outras sementes usadas para a produção de biodiesel. O grão é enviado para as usinas.
Produção
Nas usinas, esses grãos são esmagados para a extração de óleo.
Transformação
O óleo passa por um processo chamado de transesterificação, ou seja, a transformação do óleo em éster (nome químico do biodiesel).
Compra e venda
A usina venderá o biodiesel para as distribuidoras, que vão fazer a mistura na proporção de 2%, que passa a ser obrigatória no próximo ano. Ou podem vender diretamente a frotistas - empresas de ônibus ou de transportes - e para as refinarias, também autorizadas a fazer a mistura.
Consumo
O biodiesel é distribuído para postos de combustíveis, para ser consumido por veículos como caminhões e ônibus.
Radicalização na lavoura
Irineu Boff já ouvia falar em biocombustível desde a última grande crise do petróleo, em 1973. Ele diz que só o Proálcool emplacou, mas também houve um programa semelhante para óleo, que nunca decolou. Aos 58 anos, o engenheiro mecânico nascido em Caxias do Sul realiza um sonho antigo com a inauguração, na próxima semana, da primeira usina de biodiesel do Estado:
- Penso em investir em biodiesel há 10 anos.
Se bem que a inauguração só sai se o presidente Lula confirmar presença, o que só deve ocorrer na próxima segunda-feira.
- Não tem problema, a gente espera - afirma Boff.
Desde 1980, Boff tem uma indústria de óleo de soja em Veranópolis, a Oleoplan. Não vende direto ao mercado consumidor, mas a outras empresas que refinam o produto. Há uma década, o complexo soja passou por um período de preço muito baixo, provocado pelo excesso na produção de óleo.
- Foi quando começamos a fazer um movimento junto a autoridades e a cientistas para dar consumo a esse óleo como diesel. Depois, muito mais gente entrou nessa sensibilização, vozes independentes das nossas - relata Boff.
Tanta era a convicção que o empresário tinha o protótipo da usina pronto desde 2002. Mas só com a lei que regula a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, definida em 2005, encorajou-se a fazer o investimento. Que, aliás, ficou bem abaixo do feito por outros empreendedores, porque Boff decidiu fazer sua usina ao lado da indústria que já possui em Veranópolis, aproveitando a infra-estrutura do local. Foram R$ 21,5 milhões para fabricar 100 milhões de litros ao ano. Como vai produzir biodiesel a partir de soja, fica tudo em família, brinca:
- A usina, para nós, é uma verticalização da planta industrial de óleo de soja.
A Oleoplan já fez sua primeira venda: 10 milhões de litros para a Petrobras, garantidos em um dos leilões já promovidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
- Vamos entregar e participar de outros leilões, mas também prospectar outros mercados. Há muitos empresários italianos, alemães e japoneses prospectando fornecedores no Brasil - observa.
Solução vira oportunidade
É no caminho inverso ao trilhado pelos gaúchos que o carioca Nelson Côrtes da Silveira, 49 anos, conduziu sua Brasil Ecodiesel pelos pampas. No Estado, comprou uma esmagadora em São Luiz Gonzaga e está construindo uma usina de biodiesel em Rosário do Sul, sem usar um grão de soja. Esse engenheiro eletricista se transformou no maior acionista pessoa física da maior empresa de biodiesel do Brasil tentando resolver um problema.
- Eu era sócio de térmicas do Nordeste, que utilizaram diesel de forma emergencial no apagão (em 2001), e buscávamos uma forma de fazê-las funcionar depois disso. Começamos por aí, com plantio no Piauí e no Ceará, e descobrimos muito mais do que a solução - lembra.
Tanto no Rio Grande do Sul quanto em outros Estados, a Brasil Ecodiesel evitou disputar território e preço com a soja. Preferiu matérias-primas que pudessem ser independentes do mercado de commodities alimentares. Desenvolveu mamona e pinhão manso no Nordeste e, no pampa, aposta no girassol, numa área em que a atividade agrícola havia diminuído "dramaticamente" - expressão de Silveira.
- No Sul, parece que a planta está no meio do nada, mas é ali que a atividade agrícola vai existir. Estamos fazendo um trabalho forte com agricultura familiar - relata.
Entre as vantagens do girassol, Silveira destaca o teor de óleo de 50%, depois de descascado (o da soja é 18%) e o fato de ser uma cultura de ciclo curto. Conforme o empresário, na Metade Sul, onde o plantio de soja encolhe, pelos riscos climáticos, o girassol passa a ser viável como cultivo principal.
- Quando o desenvolvimento agrícola em Rosário do Sul justificar, podemos ter duas plantas de extração de óleo - diz Silveira, referindo-se à já existente em São Luiz Gonzaga.
A usina deve produzir no ritmo de 100 milhões de litros ao ano em maio, prevê o empresário, mas entra em testes já no final deste mês.
- Posso dar um testemunho de que esse trabalho é uma descoberta, não só de um negócio, mas de uma sintonia com um objetivo de vida. Hoje, eu me sinto parte de um momento histórico do país. O governo federal conseguiu enxergar que não é só uma questão de energia. É de fato algo transformador num país que precisa de tantas transformações - diz Silveira.
A marca da diversidade
O empresário Antonio Rosso ouviu falar de biodiesel pela primeira vez em 2004. Dentro de um mês, vai ver sua usina entrar em operação.
Proprietário da Metasa, uma das maiores metalúrgicas do país, localizada em Marau, Rosso foi conquistado pelo empreendimento apresentado por Erasmo Batistella, que idealizou o projeto. Uniu-se ainda à Paludo Participações, holding do grupo Vipal, e à Wagner Montanher para fundar a BSBios em Passo Fundo.
- Queremos entrar em operação entre final de abril e meados de maio. Estamos em fase final de implantação - explica Rosso.
Formado em Direito, Rosso tem a ousadia e a diversificação na origem de sua carreira empresarial. Nunca exerceu a profissão de advogado e era dono de uma lancheria quando procurou sócios para fundar a Metasa, em 1965. Mas, afinal, o que leva um dono de metalúrgica muito bem-sucedida, aos 60 anos, a investir numa usina de biodiesel?
- Sou uma pessoa movida a trabalho, adoro trabalhar. No momento em que fizemos na Metasa um trabalho de profissionalização e eu passei para o conselho de administração, tive a oportunidade de buscar novos negócios - diz o empresário, que não costuma fazer jornadas inferiores a 15 horas diárias.
Resultado de um investimento de R$ 40 milhões - o primeiro no país com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) -, a BSBios vai produzir 100 milhões de litros ao ano, a partir de soja.
- Achei que o biodiesel teria futuro porque seria uma energia limpa, renovável e inesgotável. É só plantar e viabilizar o negócio. Como agora todos falam no efeito estufa, há necessidade de poluir menos - afirma.
Embora lembre que qualquer investimento embute risco, Rosso diz que nunca teve dúvidas em aderir ao projeto, motivado principalmente pelo lei que estabeleceu a obrigatoriedade da adição de 2% de biodiesel a todo o diesel vendido no país a partir de 2008.
Em 2013, a mistura obrigatória passa a ser de 5%, mas a expectativa geral do mercado é de que esse prazo seja encurtado para 2010. A BSBios está pronta para crescer.
- Já deixamos toda a previsão para duplicar a planta. Antes, é preciso conhecer bem esse mercado - conta.
Outros projetos no RS
Vale do Rio Pardo
Os fumicultores têm um projeto para produzir biodiesel e ração. São 22 produtores que plantaram cada um 1 hectare de girassol para extrair óleo e farelo.
Camaquã
A Vinema Multióleos Vegetais processa derivados de mamona no Estado, mas a produção de biodiesel em escala será no Maranhão.
Cruz Alta
A Cooperativa Tritícola Três de Maio comprou uma esmagadora de soja, mas congelou o projeto de fazer biodiesel.
Erechim
A Olfar Óleos Vegetais suspendeu por tempo indeterminado a construção da usina, prevista para 2007, embora tenha obtido crédito do BRDE.
Bagé
A Petrobras planeja investir R$ 100 milhões em uma usina de biodiesel a partir de óleo vegetal e sebo bovino, abastecida pela cooperativa Biopampa. Mas ainda há fornecedores suficientes na região.
Taquaruçu
O plano da Tchê Biodiesel de produzir 72 milhões de litros por ano está de pé, mas os sócios ainda buscam recursos.
(Por Marta Sfredo,
Zero Hora, 15/03/2007)