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2007-03-15
O governo resolveu este mês um dos maiores empecilhos para a construção de mais térmicas: o repasse do custo do combustível importado consumido por essas usinas. O Ministério de Minas e Energia (MME) editou duas portarias (a 42 e a 46) que permitem o repasse dos custos do combustível, seja gás natural, gás natural liqüefeito (GNL), carvão ou diesel, para as tarifas de energia.

As térmicas são responsáveis por 30% do aumento de 11,5 mil megawatts médios projetados como expansão da oferta para o período 2007-2010 no cenário otimista da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

"Sem dúvida nenhuma, resolve o problema. Essas portarias aumentam a competitividade da geração térmica no país. Na minha opinião, foi excelente. Um diferenciador que deveria ter sido adotado há muito tempo", elogia Xisto Vieira, presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget) e ex-secretário de Energia do MME. "Antes dessas portarias os investidores tinham que fazer hedge para minimizar seus riscos e isso aumentava o preço da energia e tornava as térmicas menos competitivas", diz Vieira.

O preço do combustível é crucial para decisões de investimentos como o da térmica de Paracambi (RJ), da francesa EDF, que negocia o suprimento de GNL com a Petrobras e com a Suez Energy, e para o suprimento de térmicas que ainda não têm contratos de gás, como a de Santa Cruz (Furnas) e Araucária (Copel), só para citar algumas.

A necessidade de o país contar com térmicas aumenta as expectativas sobre a Petrobras, que tem apenas 1,4% da capacidade de geração de energia do país, mas quase 100% do suprimento de gás. A estatal tem gás produzido no país e importado da Bolívia e se prepara para importar gás natural liquefeito (GNL) construindo dois terminais de regaseificação no Ceará e Rio. A estatal é pressionada tanto para aumentar sua própria geração como para assumir mais contratos de fornecimento de gás para usinas privadas. O problema é que esse gás deveria vir da Bolívia e hoje não existe.

Ontem (14/3), o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou o adiamento, para junho, de dois leilões de compra de energia marcados anteriormente para maio. O leilão das usinas do Programa de Incentivo a Fontes Renováveis de Energia (Proinfa) foi mantido em maio.

As portarias divulgadas em março pelo MME (a 42 e a 46) visam garantir que as térmicas (estatais ou privadas) possam usar outro combustível que não o gás natural e repassar esse custo no momento da venda. Alguns consultores acharam a portaria "muito confusa". O problema é que a portaria 42 dá tratamento diferenciado para térmicas enquadradas ou não no famigerado Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), que teriam reajustes baseados em uma portaria antiga, de 2002, que previa a venda de gás boliviano a preços subsidiados.

A título de esclarecimento o MME publicou então uma nova portaria, a 46, na segunda-feira. Tanto Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE) quanto o secretário-executivo do MME, Nelson Hubner, explicaram que os motivos da menção ao PPT nas portarias significa que os investidores poderão optar entre a fórmula de reajuste do PPT (no caso das usinas inscritas no programa e que têm contrato de gás) ou pela nova regra, a critério deles.

"A portaria que regula o suprimento de gás para PPT tem condições especiais, mas a realidade é que não há gás para elas. Então, quem quiser levar o projeto adiante só precisa abrir mão do PPT e poderá reajustar o combustível com base na outra fórmula, para permitir que possam comprar gás de maneira diferente do PPT ", afirma Hubner.

Tolmasquim explica que a portaria dá possibilidade para venda de energia de usinas inscritas no PPT, mas sem contratos de gás, citando as térmicas de Santa Cruz (de Furnas) e Araucária (Copel) ou aquelas como a TermoRio (da Petrobras) que já venderam uma parte da energia nos leilões passados (pela regra de reajuste anterior) e ainda têm energia descontratadas, que agora pode ser oferecida com base na nova regra.

O secretário-executivo do MME foi enfático ao frisar que o objetivo do governo, agora, é ter uma contabilidade "real" de toda oferta de energia com a qual o país pode dispor nos próximos anos. Ele lembra que hoje a maior parte das usinas a gás da Petrobras está fora da contabilidade da Aneel e o governo aguarda que a estatal informe qual a disponibilidade de gás para essas usinas, e a partir de quando elas poderão gerar energia.

"Queremos contar com a disponibilidade real. Vamos limpar a previsão de oferta para podermos calcular com certeza a energia disponível. Isso inclui tirar, por exemplo, a energia importada da Argentina. Também estamos fazendo ajustes contando com 3 mil MW de fontes alternativas", concluiu Hubner.

Para se ter idéia da importância da geração térmica para o sistema elétrico nacional basta observar as projeções de consumo de energia no país com a oferta firme, seja por hidrelétricas em construção e usinas do Proinfa. Sem as térmicas a gás, é possível notar que o consumo de energia vai superar a oferta assegurada já em 2008.

O cálculo, que tem como premissa um crescimento de 4% do PIB, mostra que isso vai acontecer se não forem contabilizadas as termelétricas (a maioria da Petrobras) que foram retiradas do cálculo de energia disponível pelo ONS em 2006. Juntas, essas térmicas têm potência de cerca de 3.500 megawatts (MW). Se gerarem à plena carga, consumiriam aproximadamente 17 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, o que não é pouco.

Sem elas, o consumo de energia previsto até o fim da década vai superar gradativamente a oferta de energia, aumentando o risco de um déficit até 2011 caso não haja reforço. Isso fica visível se for tomado como base o Programa Mensal de Operação (PMO) de março, feito pelo ONS. "Os gráficos mostram que a demanda brasileira vai precisar cada vez mais das hidrelétricas que hoje estão com problemas na construção e com obras em atraso. Com isso, a garantia de suprimento de energia depende cada vez mais do gás e do cumprimento do cronograma das hidrelétricas", diz Luiz Augusto Barrozo, da PSR Consultoria.

Tolmasquim contesta essas previsões. E garante que o país vai aumentar em 10.272 MW a potência instalada entre 2007 e 2010, o equivalente a uma energia assegurada de 5.051 MW médios. O volume inclui 2.870 MW de hidrelétricas e o restante vindo de térmicas a carvão, GNL, óleo, biomassa e gás. "A oferta está tranqüila e esses números não incluem a energia para 2010 que será adquirida nos leilões de junho", diz Tolmasquim.

No setor existe uma divergência quanto à obrigação ou não das térmicas da Petrobras serem obrigadas a gerar se não tiverem contrato de venda de energia. Para a Aneel e o MME, o simples fato de uma usina ter recebido autorização para se conectar ao sistema - o que gera custos para todos os consumidores - cria essa obrigação. A Petrobras entende, contudo, que seus atuais compromissos para fornecimento de gás são de um montante estimado em 12 milhões de metros cúbicos, dos quais 60% são destinados à geração de energia por suas próprias termelétricas: Canoas, Três Lagoas, Piratininga, Cubatão, Eletrobolt, Ibiritermo, Termorio, Macaé, Fafen, TermoBahia e TermoCeará.

"A companhia não tem obrigação de gerar nenhum MW de energia que não foi vendida através de contratos, em leilões ou contratos bilaterais. Nos leilões do novo modelo, a energia dessas térmicas não obteve qualificação de preço para seus 3.000 MW e só 1.391 MW foram comprados, já que o custo da energia restante ficou acima do teto estabelecido pela EPE", ressalta um executivo.

Numa guerra surda que ficou mais evidente em outubro de 2006, a Aneel vem recusando os pedidos da Petrobras de aumentar o preço da energia de suas térmicas, negando os pedidos de alteração no chamado Custo Variável de Operação de nove usinas da estatal. A agência diz que a Petrobras precisa informar quais usinas podem produzir energia para só depois alterar o preço.

No setor, há quem acuse a estatal de tentar aumentar o preço de sua energia para não ser chamada a gerar com freqüência pelo ONS, o que deixaria à mostra a falta de gás para essas usinas. A Petrobras nega. Diz que só é obrigada a entregar gás para quem comprou por contrato, ou a energia vendida em leilões ou em contratos bilaterais. O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, diz que não existem mais arestas com a estatal porque a agência "aprendeu a ler os apêndices com letra minúscula dos contratos da Petrobras".
(Por Cláudia Schüffner, Valor Econômico, 15/03/2007)

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