No infindo embate jurídico-socioambiental em que se transformaram os projetos de construção de hidrelétricas na Amazônia, uma nova ação do Ministério Público Federal em Rondônia pode jogar um balde de água fria sobre o afã do governo de licenciar e disponibilizar para leilão o chamado Complexo do Rio Madeira (composto pelas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio) ainda no primeiro semestre deste ano.
Alegando, entre outros, que a empresa empreendedora Furnas, responsável pela elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do complexo hidrelétrico, não fez uma análise dos impactos das linhas de transmissão e das eclusas das usinas, “em contradição ao que determina a Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”, o MPF ajuizou, terça-feira (13/03), uma ação civil pública contra o Ibama e Furnas, pedindo a declaração de nulidade do processo de licenciamento ambiental conferido pelo primeiro, e do EIA realizado pela segunda.
“O órgão licenciador (Ibama) aceitou os estudos ambientais da faixa de corredor de transmissão realizados por Furnas, quando, pela normatização, deveria ser feito o Estudo de Impacto das Linhas de Transmissão. Para o MPF, o licenciamento deve analisar o impacto do empreendimento como um todo, não apenas parte dele”, afirma nota divulgada nesta quarta-feira (14/03) pelo Ministério Público.
Há também, no entender dos procuradores, uma falha primária no processo de licenciamento, referente aos impactos sobre as comunidades indígenas da região. “O Estudo de Impacto não realizou qualquer análise acerca dos reflexos do empreendimento sobre os usos e costumes das populações indígenas localizadas na área de influência direta e indireta das obras”, diz o MPF, adicionando que as comunidades indígenas que poderão ser afetadas não foram consultadas previamente, “contrariando o que prevêem, respectivamente, a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”.
Liminar
Na ação, que tramita na 3ª vara da Seção Judiciária de Rondônia, o MPF solicita que seja concedida initio litis (imediatamente) medida liminar determinando ao Ibama a suspensão do licenciamento ambiental e a licença prévia eventualmente emitida, até o efetivo julgamento do mérito. Pede também que seja declarada a nulidade do processo de licenciamento ambiental e do EIA/RIMA respectivo e que Furnas seja obrigada a realizar, antes da concessão da licença previa para a obra, um novo EIA incluindo as linhas de transmissão.
Por fim, a ação demanda também que a empresa realize consultas às comunidades indígenas e um estudo antropológico analisando a influência das usinas sobre a sua organização social e econômica, propondo medidas mitigatórias e compensatórias. Já o Ibama deve ser obrigado a exigir o cumprimento destes estudos e determinar a realização de novas audiências públicas.
De acordo com a assessoria do MPF, cabe agora à Justiça pedir aos réus que se pronunciem para definir se o pedido de liminar será aceito total ou parcialmente (ou até indeferido), quais as exigências (paralisação do licenciamento, adequação etc) e quais as medidas que deverão ser adotadas. Em todo caso, a possibilidade de que todo o processo regrida ao estágio inicial, juridicamente, é real.
Entre ambientalistas e movimentos sociais que têm se oposto à construção das usinas, a ação dos procuradores federais foi vista como muito positiva. “O Ministério Público deu eco à voz do povo”, comemorou Wesley Lopes, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
“O MPF é um órgão que zela pelo direito do cidadão, portanto a ação impetrada é importante para exigir o cumprimento da legislação ambiental e a preservação dos direitos das minorias”, adenda o doutor em Planejamento Energético e professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Artur Moret.
Luta contra as barragens
Coincidentemente, o 14 de março, dia em que foi divulgada a ação contra o Complexo Madeira em Rondônia, é festejado no mundo todo como Dia Internacional de Luta contra as Barragens. Em comemoração à data, a Via Campesina e o Movimento dos Atingidos por Barragens realizaram manifestações em Brasília, Minas Gerais, Florianópolis e Rio Grande do Sul com alguns temas locais e três bandeiras nacionais - a oposição à transposição do Rio São Francisco, a política nacional de preços da energia e a oposição à construção das hidrelétricas na Amazônia.
Em Florianópolis e em Belo Horizonte, os manifestantes ocuparam as sedes estaduais do Ibama para exigir a intervenção do órgão nos processos de licenciamento ambiental de várias barragens. No Rio Grande do Sul, cerca de 400 pessoas fizeram um protesto às margens da BR-153, no município de Erechim, e em Brasília, os cerca de 600 militantes que montaram acampamento contra a transposição continuaram os debates sobre os impactos do projeto sobre as populações virtualmente atingidas.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 14/03/2007)