Nos últimos anos, as empresas de celulose vêm investindo fortemente em acordos com universidades públicas e privadas, financiando pesquisas que auxiliem a expansão de seus negócios. Esse movimento começa a enfrentar resistências no Rio Grande do Sul por parte da comunidade universitária e de movimentos sociais, especialmente nas instituições públicas. Neste mês de março, duas iniciativas foram tomadas para denunciar o aparelhamento de universidades públicas por parte de empresas do setor.
Em Rio Grande, na região Sul do Estado, o Movimento Universitário Unificado promove, de 13 a 15 de março, o I Acampamento de Alerta ao Papel da Universidade Pública, na Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG). O alerta está relacionado à expansão dos desertos verdes e à instalação de um pólo de celulose na região.
Recém-criado, esse movimento é composto por diversos centros e diretórios acadêmicos, o Diretório Central de Estudantes da FURG, Associação dos Profissionais Técnicos Administrativos da universidade, o projeto de extensão Vivências em Educação Popular e Central dos Movimentos Populares/Rio Grande, entre outras entidades.
O evento foi organizado para desmentir professores que têm utilizado o nome da universidade para defender empresas de celulose. Segundo os organizadores, o coordenador do Estudo e Relatório Ambiental (EIA/RIMA), Gilberto Griep, está realizando uma verdadeira campanha em favor da Votorantim, que pretende instalar uma fábrica de celulose na região.
O Movimento Universitário Unificado pretende denunciar a confrontar os setores e pessoas da instituição que estariam mais interessados em servir aos interesses do grande capital do que aos da população. O I Acampamento de Alerta ao Papel da Universidade Pública tem um caráter de alerta e não pretende acusar ou atacar a reitoria da FURG ou a instituição. Pretende, ao contrário, defender o nome e a credibilidade da Fundação Universidade Federal de Rio Grande.
Para tanto, está reivindicando um pronunciamento público do reitor da FURG em relação à instalação da fábrica de celulose e à monocultura do eucalipto, desmentindo as afirmações de Gilberto Griep. Além disso, o movimento entrará com um pedido junto ao Conselho Universitário, solicitando a instalação de uma comissão permanente de avaliação das parcerias público-privadas.
Parceria UFRGS-Aracruz é suspensa
No dia 8 de março, mulheres da Via Campesina e estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conseguiram a suspensão de um protocolo de cooperação entre a UFRGS e a Aracruz Celulose. Em audiência com o reitor da UFRGS, José Carlos Hennemann, e o vice-reitor, Pedro Fonseca, foi manifestada a preocupação com o aumento dos desertos verdes no Rio Grande do Sul.
As integrantes da Via Campesina e os estudantes alertaram que a expansão da monocultura do eucalipto já estaria provocando nefastas conseqüências no Estado, como intensificação da concentração de terras, aumento das secas, elevação das temperaturas e destruição do Bioma Pampa, que só existe nas terras gaúchas. E questionaram a natureza e os objetivos de um acordo com a empresa de celulose.
Os manifestantes defenderam que estabelecer uma parceria com a Aracruz significa concordar com a destruição ambiental e social provocada pelas multinacionais do eucalipto. Os estudantes também lembraram “as práticas de violações aos direitos humanos que marcam a trajetória da Aracruz Celulose em todos os estados, em especial contra indígenas e quilombolas no Espírito Santo”.
O reitor e o vice da UFRGS se comprometeram em suspender o protocolo com a Aracruz que seria votado na próxima reunião no Conselho da Universidade. “A UFRGS tem uma história de defesa do meio ambiente, tem cursos e pesquisas voltadas para a ecologia. Inclusive nos jornais da universidade têm sido publicadas matérias sobre os eucaliptos no estado. Creio que precisamos aprofundar o debate deste tema na comunidade universitária. Por isso o processo está suspenso. Não vamos assinar nenhum protocolo ou convênio para pesquisas que sejam prejudiciais a sociedade”, disse Hennemann.
A jornada de luta das mulheres da Via Campesina no Estado foi encerrada com o lançamento, de uma campanha em defesa da produção de alimentos saudáveis. “O agronegócio gera os desertos verdes, a agricultura camponesa produz alimentos, cultiva a vida. Queremos que a universidade forme profissionais para trabalhar para a vida não para o projeto de morte das transnacionais”, defende a Via Campesina.
No Rio Grande do Sul, advertiu a organização, as universidades têm sido um alvo preferencial das empresas de celulose com o objetivo de obter aval científico para seus projetos. Em Santa Maria, a Via Campesina também conversou com a reitoria da UFSM, mas não obteve a mesma receptividade que encontrou na UFRGS. O reitor da universidade defendeu os convênios com a Aracruz e a Votorantim, alegando que as universidades públicas estão sem recursos e as parcerias com empresas têm dado condições de manter as pesquisas. As empresas apostam justamente nesta escassez de recursos para aumentar sua influência entre os pesquisadores, professores e alunos das instituições.
(Por Marco Aurélio Weissheimer,
Agência Carta Maior, 13/03/2007)