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2007-03-13
Cientistas estão convencidos de que a degradação da Amazônia pode se tornar um caminho sem volta se medidas emergenciais não forem tomadas para conter as queimadas e a conversão da floresta em plantios agrícolas ou pastagens. O cenário é preocupante, sim, mas ainda há tempo. Pelo menos é o que revelam estudos realizados por cientistas do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atomsfera na Amazônia – Programa LBA, coordenado pelo Inpa. A experiência realizada pela Embrapa e pelo Inpa nos estados do Pará, que tem a maior área desmatada em termos absolutos, e do Amazonas, que figura como mais o preservado, mostrou que é possível recuperar parte da degradação utilizando sistemas de plantio sem queima (preferencialmente associados a um enriquecimento prévio dos pousios com espécies de leguminosas arbóreas) e sistemas agroflorestais (SAFs) implantados em áreas abandonadas ou degradadas. No caso do Amazonas, isto foi demonstrado pelo projeto “Ciclos biogeoquímicos em agroflorestas na Amazônia”, desenvolvido em colaboração com a Embrapa Amazônia Ocidental e a Universidade Cornell (EUA).

Um sistema agroflorestal (SAF) consiste no plantio consorciado e cultivo de espécies nativas de fruteiras e árvores madeireiras, que, nos primeiros anos, crescem junto a cultivos agrícolas de ciclo curto, como arroz, feijão, milho ou mandioca. Ou seja, os pesquisadores “reconstroem” a mata, só que utilizando também espécies anuais e perenes de alto valor econômico. Com o SAF, é possível obter colheitas sucessivas de diversos produtos ao longo do tempo, o que, para os cientistas, significa novos caminhos para o desenvolvimento sustentável da região.

“Os sistemas agroflorestais estudados mostraram-se eficientes para re-utilização de áreas abandonadas e/ou degradadas na Amazônia, recuperando não apenas a capacidade produtiva da terra, com a produção de alimentos e madeira, mas também vários dos serviços ambientais do ecossistema, como, por exemplo, a reciclagem de água e nutrientes”, explica o pesquisador Flávio Luizão, do LBA- Inpa.

No Amazonas, a experiência foi realizada em uma estação da Embrapa, próxima a Manaus. Os pesquisadores implantaram quatro diferentes formulações da SAFs em áreas abandonadas de pastagens, com o objetivo de tornar a terra produtiva outra vez, sem necessidade de novas derrubadas de floresta primária (virgem, sem intervenção do homem), e de permitir o seqüestro de carbono pela nova vegetação arbórea em crescimento (pela fotossíntese, as árvores retiram gás carbônico da atmosfera, fixando-o na biomassa – galhos e troncos). Foram utilizadas, nesse estudo, quatro formulações de SAFs, com diferentes graus de complexidade. O que diferencia uma da outra é o número de espécies combinadas para cada SAF e o seu arranjo espacial e temporal.

Biodiversidade rica, solos pobres
Apesar de sua alta biomassa e de sua diversidade biológica, a floresta amazônica possui solos quimicamente muito pobres em nutrientes essenciais. No entanto, a floresta pode ser considerada como um ecossistema produtivo em função da sua alta produtividade primária representada pela fotossíntese, que, por sua vez, é favorecida por altas taxas de insolação e de umidade na região ao longo do ano. Ou seja, as condições naturais – variação de muito sol e muita chuva – favorecem os processos de reciclagem de nutrientes e, portanto, a sobrevivência da floresta.

É só imaginar o seguinte: para se desenvolver, a planta absorve nutrientes da própria floresta. Mas ela também alimenta a floresta de nutrientes. Boa parte deles está contida na liteira, que é o conjunto de detritos orgânicos produzidos naturalmente, como folhas, galhos, flores, cascas, gravetos e outros tecidos em decomposição junto ao solo. Em outras palavras, a produtividade da floresta depende essencialmente da liteira para que ocorra a ciclagem de nutrientes. Quando acontecem as queimadas e a mata diversificada vira área de pastagem, onde geralmente existe um só tipo de grama (monocultura), os impactos são fortes, uma vez que o funcionamento básico do ecossistema é perturbado.

Essa perturbação resulta na ausência ou, então, na formação de uma nova liteira com menos diversidade e sem fornecer a cobertura devida do chão (capa orgânica reciclável do solo), vitais para reciclagem dos nutrientes, cuja quantidade também é afetada pelo fogo. Como o solo fica mais pobre e a produtividade cada vez menor, a atividade é interrompida e a área abandonada é invadida por uma vegetação secundária espontânea, a chamada capoeira – ou período de pousio. O SAF seria, então, uma alternativa para recuperar essas áreas, com a vantagem do manejo sustentável das espécies que vão ser introduzidas.

Experiência que deu certo
Na área experimental da Embrapa, o estudo se dividiu em duas fases, ao longo de 12 anos. A primeira analisou os primeiros 5-6 anos de idade da sespécies reintroduzidas (fase 1) e a segunda, os 11-12 anos, em quatro formulações de SAFs, formando um gradiente de sistemas dos mais simples aos mais complexos, com maior consorciação de espécies e diferentes arranjos espacial e temporal. A formulação mais simples foi usado em dois SAFs do tipo agrossilvopastoril (que visava recuperar uma pastagem melhorada, enriquecida com espécies madeireiras), com fileiras de árvores madeireiras (paricá e mogno) associadas a uma cobertura forrageira da leguminosa desmódio e da gramínea /Brachiaria/ (braquiarão, no sistema que recebeu uma adubação inicial moderada de fósforo; quicuio-da-Amazônia, no outro sistema, sem esta adubação inicial). Os outros dois tipos de SAF implementados são do tipo agrossilvicultural (para formar florestas enriquecidas com espécies frutíferas e/ou madeireiras): o mais simples deles baseou-se em duas espécies de palmeiras nativas (pupunha e açaí), consorciadas a uma espécie de fruteira nativa perene (cupuaçu) e uma espécie madeireira de rápido crescimento (/Colubrina/); o sistema mais complexo, denominado multi-estrato, contém várias fruteiras, incluindo ingá, araçá-boi, guaraná, acerola, cupuaçu e castanha-do-Brasil, e essências madeireiras (mogno, teca e paricá). Todos os SAFs têm cerca viva da leguminosa gliricídia (as leguminosas são aquelas plantas que possuem fruto em forma de vagem e geralmente fixam nitrogênio do ar através de nódulos em suas raízes); esta cerca viva era podada duas vezes por ano e usada como adubo verde nas parcelas.

De acordo com o estudo, o crescimento das muitas espécies arbóreas utilizadas – palmeiras, ruteiras e madeireiras – foi em geral muito bom e, em menos de dez anos, os SAFs já apresentavam biomassas aéreas (árvores em pé) e de raízes consideráveis. Os resultados foram observados logo nos primeiros três anos, com o aumento na diversidade de espécies vegetais nos sistemas, a rápida cobertura de solo e a recuperação de parte da biodiversidade da fauna de invertebrados do solo, bem como das propriedades físicas do próprio solo, antes compactado e/ou degradado.

Ao cinco anos de idade, quando as árvores haviam crescido e já produziam considerável quantidade de liteira, os cientistas verificaram ainda mais diversidade de espécies de plantas e de invertebrados do solo, ou seja, onde havia espécies que produzem liteiras em maior quantidade ou de melhor qualidade nutricional, observou-se maiores densidades e biomassas e de invertebrados. Depois de dez anos de experiência, os SAFs apresentaram estoques de carbono e nutrientes consideráveis, indicando as possibilidades de fixação de carbono na biomassa, de recuperação da reciclagem de nutrientes do ecossistema, com melhor estruturação do solo e de seus serviços relacionados, como a fertilidade química e a circulação da água e do ar.

Esse estudo comprova a eficiência dos SAFs para a recuperação das áreas degradadas, revelando-se uma alternativa viável tanto no aspecto ecológico – porque cria condições para que a floresta promova a reciclagem de nutrientes e a estocagem de carbono em sua vegetação – quanto econômico, abrindo novas perspectivas de um desenvolvimento mais sustentável na região.
(Por Ana Paula Freire LBA/INPA, 12/03/2007)
http://www.inpa.gov.br/noticia_sgno.php?codigo=377

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