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2007-03-13
Considerada uma das áreas mais importantes para a biodiversidade do Cerrado, a Chapada dos Veadeiros, no nordeste goiano, enfrenta mais uma vez grave ameaça aos seus ecossistemas e espécies nativas. Um grupo de 18 fazendeiros, vindos do Distrito Federal, Paraná, Goiás, Santa Catarina e Rio de Janeiro, está movendo ação popular solicitando a extinção da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pouso Alto, unidade de conservação (UC) estadual com 872 mil hectares. Criada em maio de 2001, a unidade é essencial para garantir a proteção e o uso sustentável dos recursos naturais únicos da Chapada dos Veadeiros, declarada Sítio do Patrimônio Natural pela UNESCO. No último dia 18 de janeiro, a Comarca de Alto Paraíso, concedeu liminar que suspende a implementação da APA do Pouso Alto.

A argumentação utilizada pelos autores da ação é a de que a unidade causou uma "desapropriação indireta" aos proprietários reclamantes, embora esse tipo de UC tenha exatamente como função principal promover o ordenamento territorial sem a desapropriação de terras, além de estimular atividades de caráter sustentáveis. A liminar, recentemente expedida, paralisa a elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) da região, que orientará o Plano de Manejo da unidade, ferramenta indispensável para impulsionar o desenvolvimento sustentável da área. "Com isso, frea-se também a possibilidade da população ser beneficiada", destaca Álvaro De Angelis, Diretor de Meio Ambiente da ONG Oca Brasil e anteriormente Secretário Executivo da Reserva da Biosfera do Cerrado.

Desmatamento e importância biológica
A exemplo do que ocorreu nas áreas que perderam a proteção do Parque Nacional, a extinção da APA dá abertura para a expansão do desmatamento. Para se ter idéia, já foram desmatadas quase duas vezes a área atual do Parque: 116 mil hectares, dos 565 mil suprimidos da unidade desde sua criação.

De acordo com o Diretor do Programa Cerrado-Pantanal da ONG Conservação Internacional, Ricardo Machado, a região é tão importante para o Cerrado como a Mata Atlântica é para o Brasil. "Deveríamos trabalhar no sentido de implementar a APA de forma participativa e buscar formas opcionais de desenvolvimento econômico e não reverter o tênue processo de conservação da Chapada dos Veadeiros", salienta.

Desde 1998, quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) realizou o 'Seminário de Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade dos biomas Cerrado e Pantanal', as regiões da Chapada dos Veadeiros e do Pouso Alto são apontadas como de extrema importância biológica. Nesse evento, 250 especialistas, técnicos e cientistas foram consultados para identificar quais seriam as regiões mais relevantes para a conservação do Cerrado e Pantanal, relacionando 87 áreas. A importância deve-se em grande parte ao elevado grau de espécies endêmicas, ou seja, que somente são encontradas nessa região.

Estudos recentes também indicam a Chapada dos Veadeiros como um dos poucos centros de endemismos do Cerrado (os outros são a Cadeia do Espinhaço, o Vão do Paranã e o Vale do Araguaia). No final do ano passado, durante a revisão das áreas prioritárias para a conservação, promovida pelo MMA, seguindo as recomendações da 7ª Conferência das Partes (COP7) da Convenção sobre Diversidade Biológica, a região foi novamente confirmada como sendo de extrema riqueza biológica e altamente insubstituível (o que indica que a área é única em sua composição de fauna e flora).

Rejeição histórica
A região da Chapada dos Veadeiros já foi mais protegida do que na atualidade. Em 1961, a pedido do então Senador por Goiás, Jerônimo Coimbra Bueno, o presidente Juscelino Kubitschek criou o Parque Nacional do Tocantins com uma área de 625 mil hectares. Ao longo do tempo o Parque foi sendo sucessivamente reduzido até chegar, em 2002, a menos de 10% de sua área original. A argumentação utilizada para a primeira redução no tamanho do Parque do Tocantins, em 1972, quando passou para 172 mil hectares e teve o seu nome alterado para Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, foi exatamente a mesma utilizada pelos atuais reclamantes: prejuízos econômicos e estagnação do crescimento. Em 1981, a unidade foi novamente reduzida, ficando restrita a apenas 60 mil hectares.

As premissas que ampararam a redução de mais de 90% da área do Parque, entretanto, não se mostram verdadeiras. A principal delas é o baixo dinamismo econômico da região. Segundo Machado, ele não ocorre por entrave da conservação ambiental, mas sim por um modelo de crescimento que é incompatível com as características de solo e topografia da região. Ele lembra que, em 2002, houve uma nova tentativa para manter seus ecossistemas preservados - que propunha a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros para 235 mil hectares e foi rechaçada pelos ruralistas, alguns do mesmo grupo que hoje solicita a extinção da APA do Pouso Alto. "A qualidade ambiental dessa região é ímpar no Cerrado, pois mais de 90% dos ecossistemas nativos ainda estão preservados, o que possibilita a implantação de variados modelos de desenvolvimento", aponta. É justamente onde se concentra a maior parte da vegetação nativa do estado de Goiás, que já desmatou 68% de sua área.

Compromisso público
Uma possível extinção da APA do Pouso Alto poderá trazer sérios prejuízos políticos ao Governo de Goiás, réu da ação impetrada pelo pequeno grupo de fazendeiros da região. Isso porque o aumento da proteção da biodiversidade foi um dos compromissos assumidos pelo estado de Goiás, quando da obtenção de empréstimos junto ao Banco Mundial, para restauração e ampliação de sua malha viária.

De acordo com De Angelis "mesmo considerando que o tipo de categoria de manejo não é o ideal para assegurar a proteção da biodiversidade, a existência de uma APA representa um primeiro passo para que ações mais concretas de conservação e uso sustentável sejam desenvolvidas". Além disso, lembra Álvaro, o Governo de Goiás já investiu um expressivo volume de recursos na APA do Pouso Alto, e sua extinção poderia ser caracterizada como uma malversação e desperdício de recursos públicos. Pelo fato da região ser considerada uma das áreas-núcleo e zona de amortecimento da Reserva da Biosfera, qualquer revés na conservação de suas paisagens e recursos naturais poderá comprometer sua implantação.

Desenvolvimento justo
A busca de um desenvolvimento socialmente justo e sustentável é o desejo da maioria da população da Chapada dos Veadeiros. Desde cedo se percebeu que o turismo seria uma grande oportunidade econômica para a região, mas a atividade turística, sozinha, não é capaz de assegurar uma condição confortável para seus habitantes. "Como as restrições físicas são impedimentos reais para a implantação de monoculturas mecanizadas e concentradoras de renda, a solução deve passar pela discussão com os cidadãos locais de formas de desenvolvimento compatíveis com a manutenção dos ecossistemas da Chapada dos Veadeiros e que beneficiem todas as camadas sociais", avalia De Angelis.

Para estudiosos da região, os ingredientes para a sustentabilidade ecológica e econômica da Chapada dos Veadeiros são a extração equilibrada de recursos naturais do Cerrado, propiciando educação e saúde à população, a intensificação da oferta de roteiros e serviços turísticos e a facilitação da participação comunitária nas instâncias decisórias.
(Conservação Internacional/Envolverde, 12/03/2007))
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=28978&edt=2

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