Povos rurais em vias de extinção: argentinos agonizam devido à ilimitada expansão dos plantios de soja
2007-03-13
Centenas de povoados rurais da zona
agrícola mais rica da Argentina agonizam devido à ilimitada expansão dos
plantios de soja, ao isolamento e à indiferença do Estado. Há 602 dessas
localidades com menos de dois mil habitantes em risco de desaparecer, outros
124 que não crescem há uma década e 90 já não figuram das estatísticas
oficiais, indica a Associação Responde (Recuperação Social de Povoados
Nacionais que Desaparecem). Embora cerca de 270 mil pessoas ainda vivam
nessas localidades, muitas as estão abandonando de forma progressiva para se
estabelecerem em áreas urbanas, onde enfrentam marginalização e pobreza.
A diretora-executiva da Responde, a geógrafa Marcela Benítez, explicou ao
Terramérica que 60% dos povos afetados estão na planície dos Pampas, no
centro-leste do país, onde, paradoxalmente, se encontra a região agropecuária
mais rica, onde serão colhidos, este ano, 90 milhões de toneladas de grãos.
Tal produção, altamente técnica, quase não requer mão-de-obra. Para o diretor
do não-governamental Grupo de Reflexão Rural, Jorge Rulli, a principal causa
do despovoamento é o cultivo da soja.
Os pequenos povoados “estão afogados” por esse produto, afirma Rulli. “Já não
há pequenos produtores, nem chácaras, nem cinturões verdes em torno das
povoações. Por isso há muita gente desesperada”, afirmou ao Terramérica. O
especialista explicou que a soja requer somente um posto de trabalho para
cada 500 hectares. “Em povoados grandes a prosperidade fica no centro,
enquanto em sua periferia há a pobreza extrema”, ressaltou.
A diretora do Responde acredita que o cultivo de soja, que ocupa 16 milhões
dos 30 milhões de hectares semeados na Argentina, tem peso no processo de
despovoamento, embora não seja a causa principal. O fenômeno tem a ver com o
fechamento de estações ferroviárias, falta de investimento público e ausência
de fontes de trabalho alternativas, afirmou. Em sua opinião, as populações
rurais agora são “como manchas esquecidas, sem ligação com as oportunidades”,
e denunciou que “os responsáveis (pelo abandono) são os governos que fecharam
a ferrovia e não previram meios de transporte alternativo, nem deram educação
ou capacitação”.
O alerta sobre a extinção dos povoados argentinos foi dado por Benítez no
final da década de 90, quando, segundo recordou, eram 403 as localidades que
enfrentavam o processo de despovoamento. Isso inspirou a criação da Responde,
em 1999, grupo que, com diversos programas de desenvolvimento, tenta frear o
fenômeno. Entretanto, alcançar o objetivo é difícil porque o número de
afetados continua crescendo. Godoy, na província de Santa Fé, é um dos mais
claros exemplos da dimensão do problema.
“Este povoado foi criado há 120 anos e há 40 éramos cinco mil pessoas’, e
agora restam apenas 1.500, contou ao Terramérica Nora Mendoza, máxima
autoridade do lugar. “O povoado tinha sua estação de trem de passageiros
(agora é somente de carga), seu comércio, escritórios, ferraria”, recordou
Mendoza. O campo estava “totalmente habitado” e agora “é um mar verde, tem
soja por todo lado, e tudo feito com máquinas”, acrescentou.
Para poder subsistir, a população buscou alternativas e a Responde ajudou a
desenvolver um empreendimento turístico baseado na localidade Oratório
Morante, dentro do distrito, onde se conserva um templo de 1770 com imagens
jesuíticas, um cemitério e uma antiga escola-rancho. Desenvolvimentos
semelhantes estão surgindo em outros povoados das províncias de Buenos Aires,
mas os recursos são sempre escassos. Em 2003, o Estado interveio por meio de
novos programas, como o “Meu Povoado”, do Ministério do Interior, e o
“Volver” (Voltar), das autoridades da província de Buenos Aires.
O primeiro busca melhorar a infra-estrutura e o segundo repovoar – se
possível com imigrantes – localidades abandonadas e apoiar financeira e
tecnicamente o relançamento de atividades produtivas interrompidas ou o
início de novos empreendimentos. O “Volver” está em marcha em oito povoados
do distrito, nos quais foram investidos US$ 1 milhão. Há famílias da
periferia de Buenos Aires que, com este plano, se mudaram para a localidade
de Pardo, que teve 2.400 habitantes e hoje tem apenas 240. A organização
Responde acredita que estes programas não devem limitar-se a financiar, mas
também a realizar um acompanhamento que garanta sua sustentabilidade.
Benítez, diretora do Responde, revelou que, embora não trabalhem sempre em
comum com o Estado, seu grupo ajudou moradores a apresentarem projetos que
qualificaram para o plano “Volver”, em várias oportunidades. Em todo caso,
“investir em desenvolvimento local é mais barato do que subsidiar com
paliativos as pessoas que imigram e se instalam nos subúrbios, condenados à
marginalidade”, alertou Benítez.
(Por Marcela Valente, Terramérica, 12/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=28956&edt=1