Savanizada, Amazônia aquece o Pacífico
2007-03-12
A floresta amazônica não será apenas vítima do aquecimento global: ela também pode virar uma de suas vilãs. Um novo modelo meteorológico, apresentado ontem no Rio de Janeiro, mostra que a selva tropical é uma espécie de controle remoto do oceano Pacífico. Impactada, ela tende a desequilibrar todo o sistema climático daquela região.
"Os modelos que acoplam oceano, atmosfera e vegetação que nós rodamos mostram que existe uma influência da floresta nas águas do Pacífico", disse à Folha o meteorologista Paulo Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Ele apresentou os resultados de seus estudos no 1º Simpósio Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais, organizado pela Academia Brasileira de Ciências, pelo Inpe e pelo IGBP (Programa Internacional da Geosfera-Biosfera).
Na verdade, o que os computadores do Inpe estão calculando é que o problema não é a floresta -e sim a falta dela.
No caso de uma "savanização" da região amazônica (o que pode ocorrer num cenário de aquecimento global, segundo outros modelos do próprio Inpe, que levam em conta as mudanças previstas pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), a intensidade do fenômeno El Niño, em algumas condições, poderá aumentar em até 50%.
Pesquisa em família
O fenômeno da savanização é uma previsão já famosa de outro pesquisador do Inpe: Carlos Afonso Nobre, 56, irmão mais velho de Paulo, 50, e Antônio, 47 (cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Segundo essa teoria, o aquecimento global (e o desmatamento) podem converter grande parte da floresta em uma vegetação semelhante ao cerrado, o que seria uma tragédia para a biodiversidade, mas também para as chuvas que se formam por causa da mata.
"A Amazônia ajuda na regulagem da atmosfera do Pacífico. Sem a floresta, ocorrerá uma interferência nesse equilíbrio. O que conseguimos prever é que, sem a Amazônia, haverá mais chuva naquela região", explica o pesquisador.
Normalmente, lembra Nobre, o Pacífico, próximo do litoral da América do Sul, já sofre com o aquecimento anormal de suas águas, o fenômeno El Niño. Ele é um ciclo natural, que ocorre em períodos menores que uma década.
Esse fenômeno ocorre quando os ventos alísios, que sopram de leste para o oeste sobre o Pacífico, diminuem de intensidade ou mudam de direção. Eles deixam de empurrar a água quente, que permanece próxima do litoral sul-americano. Portanto, mais nuvens se formam por causa do calor que sai do mar.
O El Niño é famoso por enlouquecer o clima em todo o planeta. Ele causa secas na Amazônia e no Nordeste, e chuvas intensas sobre o litoral do Pacífico, do Peru à Califórnia.
Por razões que os cientistas ainda não sabem explicar direito, a Amazônia ajuda a controlar o calor que chega até a costa sul-americana, influindo, portanto, no regime de ventos.
Fora de hora
A savanização da floresta tem o potencial de atrapalhar essa circulação: ela aumenta o calor, enfraquecendo os ventos alísios, o que causa condições parecidas com as do El Niño: a água superficial do Pacífico tropical fica mais quente, já que não há ventos para empurrá-la para longe e deixar aflorar a água fria trazida por correntes marítimas submarinas do sul do continente.
Isso pode aumentar a intensidade do fenômeno nos anos que ele acontece. Mas também -e sobre isso os pesquisadores dizem ter apenas um palpite, por enquanto- pode disparar um El Niño fora de época.
"Existe essa ligação remota identificada agora. E, como o Pacífico interfere muito no clima como um todo, a partir de lá muitos processos poderão ser alterados", disse o pesquisador.
Além da força do processo, ele também pode ser freqüente. "A ausência da floresta, nesse caso, não vai ter conseqüências só daqui a cem anos. Ela vai interagir com os ciclos interanuais do clima", atesta Nobre.
Para o meteorologista do Inpe, essa nova ligação climática protagonizada agora pela Amazônia não deixa dúvida. "A questão importante aqui é que mantendo a floresta em pé teremos a possibilidade de manter o clima do planeta também". E, segundo ele, não existe muitas outras opções.
(Por Eduardo Geraque, Folha de S. Paulo, 12/03/2007)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1203200701.htm