Não foi tudo que Lula queria, mas o encontro com George Bush na sexta (09/03) deixou o presidente brasileiro mais que satisfeito. Grande xodó de Lula no primeiro mandato, os biocombustíveis receberam reconhecimento e impulso oficiais dos EUA, que, mesmo sem promessas de diminuição das taxas cobradas pelo etanol brasileiro (US$ 0,54 por barril), serão os grandes parceiros do país nos processos tecnológicos e econômicos de expansão mundial principalmente do etanol.
Com a assinatura do Memorando de Entendimento sobre a Cooperação na Área de Biocombustíveis, pelo qual os dois países se propõem a avançar na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias, levar os benefícios dos biocombustíveis a outros países (principalmente da América Central e do Caribe) para estimular o setor privado a investir na área, e expandir o mercado de biocombustíveis com o estabelecimento de padrões uniformes e normas comuns, Brasil e EUA selaram uma “parceria estratégica”, nas palavras de Lula.
“O Memorando de Entendimento sobre a Cooperação na Área de Biocombustíveis assinado hoje é, sem dúvida, a nossa resposta ao grande desafio energético do século XXI. (...) A parceria que vamos inaugurar é ambiciosa e voltada para todos os aspectos ligados à incorporação definitiva do etanol na matriz energética de nossos países”, afirmou o presidente em discurso ao final da visita à Transpetro, subsidiária da Petrobrás em Guarulhos (SP), na manhã de sexta-feira (09/03).
Radiante, Lula puxou a brasa para a sardinha brasileira o quanto pode. Exaltou o desenvolvimento do biodiesel que, segundo ele, “tem grande impacto social, é voltado para o pequeno agricultor, para a agricultura familiar e ajudará a criar emprego e renda nos lugares mais pobres deste País”, e concluiu: “Hoje, a sociedade toda colhe o fruto desse esforço, e outros países querem compartilhar a experiência brasileira na produção de biocombustíveis”.
Um pouco desajeitado no discurso, o presidente americano tentou embarcar no tom social da fala de Lula – “temos muito a melhorar na vida de nossos vizinhos” -, mas, com a franqueza que lhe é peculiar, respondeu a uma pergunta crucial: por que os EUA estão tão interessados nos biocombustíveis? Porque o petróleo que vem de fora é controlado (ou deveria) por outros, e a dependência de outros é ruim econômica e politicamente.
Com os investimentos em biocombustíveis, explicou Bush, “nossos cidadãos (os americanos) não precisarão ter medo”, poderão comprar automóveis que rodam com o novo combustível. Já sobre a vizinha América Central, o presidente estadunidense foi taxativo: é importante que produzam biocombustíveis. Para quem, não explicitou.
Benfeitores da humanidade
Entusiasmados com o entendimento mútuo, os presidentes Lula e Bush não pouparam elogios ao protocolo de intenções sobre a nova matriz energética que pretendem oferecer ao mundo.
“Aprecio o Brasil e os Estados Unidos trabalhando juntos para o bem da humanidade”, disse Bush, inspirado pelas palavras de Lula, que o antecedeu com a profecia de que “o uso crescente de biocombustíveis será uma contribuição inestimável para a geração de renda, inclusão social e redução da pobreza em muitos países pobres do mundo”. O objetivo maior da expansão dos biocombustíveis, segundo Lula, seria o alívio da pobreza em países da América do Sul, América Central, Caribe e África através da criação de bases para um mercado mundial para o setor.
“Além desse bem à humanidade que faremos, com a introdução dos biocombustíveis, nós estaremos permitindo que pela primeira vez a gente possa utilizar os combustíveis como uma fonte de distribuição de renda e geração de empregos sem precedentes na história da humanidade, sobretudo se nós analisarmos o que fazer com os países do continente africano, se nós analisarmos o que fazer com os países mais pobres da América do Sul, se nós analisarmos o que fazer com os países do Caribe e da América Central. Eu penso que essa parceria entre Estados Unidos e Brasil pode significar, definitivamente, a partir do dia de hoje, um novo momento da indústria automobilística no mundo, um novo momento dos combustíveis no mundo e, eu diria, possivelmente um novo momento para a humanidade”, sentenciou Lula.
Amigos, amigos, negócios à parte
De volta a São Paulo, os presidentes Lula e Bush, após um almoço de salada de camarão, filé mignon com cogumelos e mousse de maracujá, encerraram seu encontro com um pronunciamento e uma rápida coletiva de imprensa no hotel Hilton, onde a comitiva dos EUA esteve hospedada.
Bem humorado, Lula roubou a cena com uma língua afiada e comentários inusitados que fizeram rir os jornalistas e o colega americano. A exemplo da resposta dada a um repórter americano, que perguntou a Lula se teria convencido Bush a reduzir as tarifas de exportação do etanol brasileiro.
“Se eu tivesse essa capacidade de persuasão que você pensa que eu tenho, quem sabe eu já teria convencido o presidente Bush a tantas outras coisas, que eu não posso nem falar aqui”, disparou. Anteriormente, Bush já havia deixado claro que a lei sobre tarifas seguirá em vigor até 2009, quando termina seu prazo.
Segundo Lula, as tarifas farão parte de um processo de negociação entre os dois países que levará um certo tempo. “Eu não acho que um país vá abrir mão das coisas que protegem o seu comércio porque um outro está pedindo, é um processo de convencimento, de muita conversa”.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 09/03/2007)