A expansão mundial da indústria de biocombustíveis criará oportunidades imperdíveis para o Brasil e outros países da América Latina nos próximos anos, mas um coro crescente de especialistas começa a se preocupar com o impacto que ela poderá ter sobre os preços dos alimentos e regiões do planeta em que a proteção ambiental é muito frágil, como a Amazônia.
O impacto sobre os preços dos alimentos se tornou visível nos últimos meses, quando o crescimento da indústria de etanol nos Estados Unidos fez disparar os preços do milho, principal matéria-prima usada na produção do combustível nos EUA. O fenômeno provocou protestos contra os preços das populares tortilhas no México e queixas de fazendeiros americanos contra o aumento dos preços das rações feitas de milho.
O economista Lester Brown, presidente do Instituto de Políticas para a Terra, acha que isso é apenas o começo. "A produção mundial de grãos tem sido menor do que o consumo nos últimos anos, o que tem provocado uma redução contínua e preocupante dos estoques", disse Brown ao Valor. "Países que dependem de importações para suprir suas necessidades de grãos deverão sofrer com isso."
O aumento da produção de álcool no Brasil e em outros países da vizinhança, onde o combustível é feito a partir da cana-de-açúcar, não deverá ter o mesmo tipo de impacto sobre os preços dos alimentos. Mas Brown e outros especialistas temem que a expansão da cana empurre outras culturas para áreas frágeis como a Amazônia.
Essa pressão tende a ser amplificada pelas transformações que a agricultura americana está sofrendo. O etanol, que consome uma fatia crescente da produção de milho nos EUA, está fazendo o plantio do grão aumentar muito, reduzindo o espaço disponível principalmente para a soja. É uma grande notícia para os produtores de soja no Brasil, mas o movimento pode criar novos riscos para o ambiente.
O economista Bruce Babcock, do Centro para o Desenvolvimento Agrícola da Universidade de Iowa, calcula que a área dedicada ao plantio de soja terá uma expansão superior a 30% no Brasil e na Argentina na próxima década, como decorrência da diminuição da produção americana e da valorização dos preços do grão. Boa parte dessa expansão tende a ocorrer nas franjas da floresta Amazônica.
De passagem pelo Brasil nesta semana, o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, manifestou preocupação com o tema. "É uma questão de saber se a Amazônia está suficientemente protegida e se a expansão da produção de etanol ocorrerá em bases sustentáveis", disse Steiner, em entrevista à agência de notícias AP.
O clima e as condições do solo na região amazônica não se prestam para o plantio de cana-de-açúcar. E os usineiros brasileiros não se cansam de repetir que há terra suficiente para aumentar a produção de álcool no país sem criar complicações ambientais. O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues calcula que seria possível ampliar em oito vezes o plantio de cana para a produção de etanol sem derrubar uma árvore, usando terras ocupadas por pastagens.
"O investimento em biocombustíveis poderá trazer muitos benefícios para o Brasil e os outros países da região, mas é importante que sejam acompanhados por boas práticas ambientais", disse ao Valor Annie Dufey, pesquisadora do Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento (IIED, na sigla em inglês), um centro de pesquisas baseado em Londres.
Ela teme a multiplicação de problemas como os ocorridos na Malásia e na Indonésia, onde a expansão das plantações de palma para a produção de biodiesel provocou a derrubada de florestas tropicais e criou dificuldades para a indústria alimentícia. A Malásia recentemente suspendeu as licenças para novas usinas e os dois países decidiram limitar o uso de óleo de palma na produção de biodiesel a 40% da produção doméstica.
(Por Ricardo Balthazar,
Valor Econômico, 09/03/2007)