Brasil aposta em mercado mundial do etanol
2007-03-09
Bruno Jacintho, um brasileiro qüinquagenário criador de gado, resolveu
ampliar a sua atividade e produzir etanol, um biocombustível elaborado a
partir do álcool de cana-de-açúcar. No meio da sua fazenda de 4.000
hectares, em Colômbia (a 480 km ao norte da cidade de São Paulo), a usina
Continental brilha no sol. A produção terá início a partir de 2 de abril,
coincidindo com o começo da colheita.
Aos poucos, as culturas da fazenda de Bruno Jacintho estão mudando. Os seus
10.000 animais engordam a 200 km de lá, no Estado de Goiás, enquanto o
milho, a soja e o feijão deram lugar para a verde folhagem ondulante da
cana-de-açúcar. "Ao fazer esta escolha, passei a ter obrigação de me manter
a par das inovações que esta cultura implica", comenta este homem com as
suas maneiras de gentleman, que devora as publicações especializadas e
assiste a seminários. Ele estuda os métodos de colheita, a qual está
mecanizada numa superfície de 20% das suas terras. Cada máquina custa
300.000 euros (R$ 834.153), mas elas estão se tornando cada vez mais comuns
em São Paulo, um Estado que fornece 60% do biocombustível brasileiro.
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol, atrás dos Estados Unidos, e o
seu volume de produção vem aumentando: 17,6 bilhões de litros. A União dos
industriais da cana-de-açúcar estima que a produção anual vá alcançar 30
bilhões de litros dentro de dez anos. O setor está em plena expansão, isso
porque é preciso aumentar o número de destilarias e a superfície das
plantações, e encarar desafios tecnológicos. "O Brasil está na vanguarda",
garante Edmar Fagundes de Almeida, um professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. "Ao dominar toda a corrente de uma produção sofisticada e
complexa, ele se tornou o líder mundial do setor".
A cana estende-se numa superfície de 6 milhões de hectares (dos quais 3,3
milhões são reservados ao etanol). Segundo os especialistas, a extensão das
plantações não ameaça a Amazônia, uma vez que o Brasil dispõe de 90 milhões
de hectares sem cultivo. Em 2030, o país poderia produzir 20% do combustível
"verde" mundial, ou seja, 130 bilhões de litros, por meio da sua tecnologia
de ponta.
A inovação é promovida pelo Centro de Tecnologia da Cana (CTC), em Campinas
(SP), financiado por 140 industriais do açúcar e do álcool. Os 150
pesquisadores do CTC trabalham na otimização da cana-de-açúcar, desde a sua
plantação até a sua transformação.
Levantamento por satélite personalizado
O CTC oferece aos associados um levantamento por satélite personalizado das
plantações. A foto aérea efetuada a cada dois meses permite planejar a
manutenção, mostrando onde e quando utilizar herbicidas, e calcular o volume
da futura colheita. "A nossa tecnologia é a mais avançada do mundo",
confirma Jaime Singuerut, um gerente do desenvolvimento estratégico no CTC.
"Nós aperfeiçoamos técnicas que vieram da França durante os anos 1970, mas o
Brasil carece de meios para desenvolver uma pesquisa mais sofisticada". Em
sua opinião, as negociações entre brasileiros, americanos e europeus
precisam se focalizar na pesquisa em comum, em vez de erguerem barreiras
comerciais.
Na ponta de uma produção que eles dominam do princípio ao fim, os
brasileiros estimam que um acordo com os Estados Unidos possa ser útil. "O
Brasil tem um programa de biocombustíveis já faz trinta anos, e ninguém sabe
disso", ironiza Ângelo Bressan, no Ministério da Agricultura, em Brasília.
"Os americanos vão nos proporcionar uma visibilidade e uma credibilidade
internacionais". Brasília está privilegiando uma abordagem geopolítica,
afirma Bressan. O Peru e o Moçambique já beneficiam do apoio brasileiro para
se dedicarem eles também à produção de etanol de cana-de-açúcar.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está convencido de que os
biocombustíveis são um trampolim rumo ao desenvolvimento. Enquanto o etanol
dá empregos para um milhão de brasileiros, a demanda interna está em
crescimento constante, desde a invenção, em 2003, dos carros "flexfuel",
movidos tanto a gasolina quanto a álcool. No Brasil, 83% dos novos carros
são flexfuel, enquanto 17% dos combustíveis consumidos provêm do etanol, que
é vendido também misturado com a gasolina, numa proporção de 22%. O medo
diante do efeito-estufa favorece esta idéia de mistura. A firma japonesa
Mitsui e a companhia brasileira Petrobras acabam de assinar um acordo que
prevê a construção de 40 destilarias e de um "alcoolduto".
Enquanto o presidente americano George W. Bush deve chegar em 8 de março a
São Paulo, a 480 quilômetros de lá, Bruno Jacintho aposta na criação de um
mercado mundial do etanol, que valorizaria "a qualidade de um produto
brasileiro destinado a abastecer o mundo inteiro".
(Por Annie Gasnier, UOL Notícias, 08/03/2007)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2007/03/08/ult580u2392.jhtm