Uma mudança de atitude começa a surgir em relação aos alimentos transgênicos. Com o avanço mundial da área plantada e a abertura de mercados importadores, mesmo entre ambientalistas o debate está se voltando mais à preocupação com o desenvolvimento e o modo de plantio do que com a existência em si dessas variedades geneticamente modificadas. O aquecimento do planeta também contribui para a discussão, com especialistas até então reticentes agora suscitando a importância de alimentos adaptados à futura realidade.
"Os transgênicos estão aqui para ficar", admite Achim Steiner, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Ao Valor, a autoridade da ONU explicou que os desafios futuros em um cenário de escassez de água, por exemplo, abrem espaço para a pesquisa de alimentos adaptados à nova realidade. "Quando o debate sobre transgênicos começou, há décadas, não se pensava sob o ponto de vista ambiental. Isso mudará".
"Não sou ideológico em relação aos transgênicos e acho que não podemos condená-los", disse Steiner. "Mas é preciso provar que não impõem riscos. É uma tecnologia que precisamos entender, assim como a nanotecnologia".
No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente mantém posição de cautela. Em entrevistas, diz que contestará medida do Senado que diminui o quórum necessário para aprovação de transgênicos na CTNBio e passará nos próximos dias pela sanção do Executivo. Especula-se, em Brasília, que no caso da aprovação presidencial a ministra Marina Silva deixe a equipe.
Oficialmente, o grupo ambientalista Greenpeace, um dos maiores críticos aos transgênicos, também mantém posição radicalmente contrária ao plantio. Nos bastidores, porém, há quem diga que a batalha está perdida. Por mais que a ONG negue, o próprio foco das campanhas do grupo sugere isso ao substituir a bandeira contra os transgênicos para a do combate ao desmatamento da Amazônia.
Os transgênicos chegaram ao país em 1996, com o plantio ilegal de sementes modificadas de soja trazidas da Argentina. No ano passado, o área da soja transgênica subiu 21%, para 11,4 milhões, 55% da área total cultivada com soja no Brasil. O plantio de algodão transgênico, legalizado no ano passado, atingiu 120 mil hectares. O Brasil mantém a terceira posição no ranking mundial de produtores de transgênicos, atrás de EUA e Argentina.
A pressão pelos transgênicos é grande sobretudo no Paraná, onde produtores afirmam que se a atual área plantada de milho no Brasil fosse a variedade transgênica Bt, o ganho por safra superaria US$ 700 milhões e geraria uma economia de US$ 340 milhões devido à redução de defensivos agrícolas.
Na Europa, o plantio de milho geneticamente modificado é permitido em Portugal, Espanha, França, Alemanha, República Tcheca e Eslováquia. Na Romênia, os agricultores cultivam soja geneticamente modificada.
Os europeus já aprovaram mais de 30 alimentos organismos geneticamente modificados e já ocupam uma área total de 450 mil hectares, segundo levantamento do International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications (ISAAA), baseado em Nova York, nos EUA.
Países exportadores de transgênicos também se mobilizam para assegurar mercados. No mês passado, a Organização Mundial de Comércio (OMC) decidiu, em caráter preliminar, que a moratória de seis anos imposta pela União Européia aos transgênicos foi ilegal. O caso foi levantado por EUA, Canadá e Argentina, que acusaram o bloco de falta de embasamento científico para a proibição. Produtores dos EUA disseram ter perdido US$ 300 milhões por ano, citando a queda brusca da exportação de milho transgênico à Europa.
Desde o decreto do fim da moratória, em 2004, europeus autorizam transgênicos sob duas condições: rotulagem, para garantir que o consumidor saiba o que está comprando, e rastreabilidade, o que permite que os produtos contendo algum componente transgênico seja identificado.
(Por Bettina Barros,
Valor Econômico, 08/03/2007)