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2007-03-08
O Brasil está dez anos atrasado na realização de estudos científicos para investigar os impactos que a mudança climática já estão causando e continuarão a causar no país, e perde até para Trinidad e Tobago nesse tipo de estudo. A avaliação é do climatologista Carlos Afonso Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos maiores especialistas brasileiros em aquecimento global.

Na primeira Sabatina Folha de 2007, Nobre também afirmou que o desmatamento na Amazônia -que responde por dois terços das emissões nacionais de gases de efeito estufa- deve voltar a crescer em 2007 e 2008, devido à retomada do agronegócio. O setor agrícola deve ganhar ainda mais impulso no segundo governo Lula, ironicamente para a produção de biodiesel e álcool, cuja demanda cresce justamente devido à preocupação com o clima.

Durante duas horas, Nobre, que é membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), respondeu a perguntas do público, dos jornalistas Marcelo Leite (colunista da Folha), Claudio Angelo (editor de Ciência) e Sérgio Malbergier (editor de Dinheiro) e do economista José Eli da Veiga, professor da USP.

A seguir, alguns assuntos que foram tratados durante o evento, que reuniu quase 300 pessoas no Teatro Folha.

Mudanças no Brasil
"Acho que perdemos um pouco de tempo na discussão conceitual entre mitigação e adaptação", disse. Por causa disso, o país acabou não tendo uma política pública definida para tratar do tema do aquecimento global.

"Estamos muito atrasados, até mais que os nossos vizinhos, como Colômbia, Peru, Uruguai, Trinidad e Tobago. A Argentina, então, nem se fala", disse o pesquisador. Para Nobre, o governo também demorou para admitir que alguma coisa poderia realmente ocorrer por causa do aquecimento.

Sem estudos mais precisos, afirmou Nobre, fica mais difícil saber, por exemplo, qual será o impacto das mudanças do clima na questão dos recursos hídricos nacionais.

"O [4º] relatório do IPCC (divulgado em fevereiro) não indica nenhuma grande mudança, em termos de quantidade de chuva global por ano, para o Sudeste por exemplo", explica.

Entretanto, segundo o pesquisador, o que deve ocorrer é que haverá chuvas mais concentradas, e isso aumenta o risco de tragédias com mortes nas áreas metropolitanas. "Teremos mais chances de desabamentos de encostas, como nós vemos todos os anos nos verões", explicou.

Se, para Nobre, a mentalidade do governo está mudando, ela deve enxergar um horizonte de tempo bem maior que um mandato. "Política de adaptação é algo para 50 anos."

Amazônia
Além de defender a continuidade do controle sobre a derrubada da Amazônia, processo que responde por dois terços das emissões brasileiras de gás carbônico, Nobre demonstrou preocupação com um recrudescimento do desmatamento, cujas taxas caíram nos últimos dois anos devido à crise no agronegócio e a ações do governo. "Este ano e o próximo são muitos importantes. Nós vamos poder ver se os mecanismos de controle e a vontade de levar o estado de direito para a Amazônia vão se sobrepor à força do agronegócio."

"Se você perguntar se vai subir, diria que sim. A única possibilidade de isso não acontecer é se o compromisso de fiscalização forte continuar. É quase como um exercício de guerra."

Ciência em baixa
A falta de uma cultura científica e tecnológica não apenas no governo, mas em toda a sociedade, é outro problema que o Brasil precisa enfrentar. "Esse nosso modismo de copiar modelos, especialmente dos EUA, é complicado. A sociedade está seguindo um modelo de desinteresse cultural. Nos EUA, hoje, como a população não se interessa por ciência, eles importam cérebros". No Brasil, defende Nobre, a cultura a favor da ciência também precisa aumentar.

"Falta pensar outro modelo para a Amazônia. A região não tem futuro se a ciência não for desenvolvida lá. Na raiz de um futuro de desenvolvimento sustentável está uma crença maior na ciência. Temos que gastar mais dinheiro com as pesquisas que são feitas na região. É uma questão cultural, que precisa mudar no Brasil. Na Amazônia, os gastos com C&T são minúsculos".

Ações locais
Apesar de achar que as soluções para o enfrentamento ao aquecimento global não deve partir apenas dos cientistas, e sim de toda a sociedade, Nobre lembrou que algumas soluções práticas são relativamente simples de serem pensadas.

"Nós vamos ter problemas tanto com a quantidade de consumo quanto com a o padrão das coisas que compramos."

"A infra-estrutura para a bicicleta nas cidades daqui é algo que poderia ser mudado. Na Holanda, pelo menos nas pequenas distâncias, a bicicleta é usada por 40% da população."

Biocombustíveis
Apesar de ser algo positivo para diminuir a quantidade de carbono presente na atmosfera, os biocombustíveis não vão resolver o problema todo. "É lógico que tudo tem um limite, seja o etanol, ou a soja. O limite para essas culturas é que elas não ameacem o ecossistema".

Tolerância do clima
Quando o assunto é o aumento de temperatura até 2100 e de quanto seria tolerável para o planeta, Nobre volta a falar em "visão sistêmica".

"Essa questão não é científica, ela é central. Se a temperatura na atmosfera subir 2 C, o nível do mar vai subir, vai afetar os corais. O cientista olha o planeta como um grande sistema e tudo está interligado com o social. Nossa ação é global. Olhamos muitos pontos que são perigosos. Se você perturbar esse ponto, causa uma reação em cadeia muito maior". Para o pesquisador, a questão das mudanças climáticas deve ser debatida sob uma dimensão ética. As geleiras da Groelândia correm o risco de escorregarem todas para o mar se a temperatura subir alguns graus. "Isso aumentaria em 5 metros o nível do mar. Nós queremos isso? O pessoal da Flórida não quer: 40% do Estado iria sumir. Estamos chegando cada vez mais perto dessas instabilidades."
(Folha de S. Paulo, 08/03/2007)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0803200701.htm

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