Em palestras, contatos com clientes e ambientalistas, o engenheiro químico Luiz Ruppenthal apresentava-se quase sempre com
uma autodefinição exaltadora da própria simplicidade e da nobre tarefa de livrar o ambiente de resíduos industriais tóxicos:
- Sou um lixeiro. Hoje, Ruppenthal completa cem dias como foragido da Justiça. Teve a prisão preventiva decretada no dia 28
de novembro, apontado como o principal responsável pela poluição do Rio dos Sinos, que provocou, em outubro do ano passado, a
morte de 85 toneladas de peixes. Foi denunciado pelo Ministério Público (MP) por 20 crimes ambientais.
Ruppenthal era presidente e diretor técnico da Utresa, empresa de Estância Velha, no Vale do Sinos, pioneira no Estado no
recebimento e no tratamento de produtos orgânicos e químicos saídos do lixo da produção industrial de curtumes, metalúrgicas,
fábricas de celulose e empresas de outras áreas.
Colegas e empresários do Vale ainda relutam em acreditar que Ruppenthal, 52 anos, engenheiro formado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tenha construído a reputação de ambientalista para vê-la afundar no maior crime
ambiental do Estado desde o fechamento da Borregard em 1975.
- Não entendo o que o fez negligenciar, se era uma pessoa capaz e respeitada. Ele fala oito línguas e morou no Exterior - diz
o diretor da Utresa Fernando Couto, que convive com Ruppenthal desde 2001.
Couto era também advogado da empresa e de Ruppenthal. Deixou de defendê-lo quando a denúncia contra o engenheiro foi acolhida
pela Justiça. Na direção da Utresa, assumiu as tarefas administrativas de Ruppenthal, com quem não consegue falar desde a
decretação da prisão. Quer separar a gestão de Ruppenthal do que é feito agora, na tentativa de reparar os danos e evitar
mais poluição, e refere-se à construção da "nova Utresa".
Promotor destaca efeito pedagógico de punição
É uma missão e tanto. A Utresa faturou em média R$ 1 milhão por mês no ano passado. A receita caiu para R$ 600 mil. Limpar a
imagem da organização também é um desafio para o gestor ambiental, o geólogo Sandro Bertei, nomeado pela Justiça. Bertei não
tem dúvidas, pelo que viu, de que Ruppenthal foi no mínimo relapso no tratamento dos resíduos. O lixo depositado em valas
escorria para o arroio, a apenas cem metros da empresa, e havia infiltração no solo. O despejo de mercúrio, cromo, chumbo,
alumínio e outros produtos químicos e metais pesados matou os peixes.
- Ele sabia da gravidade dos danos que produzia e não tomava nenhuma medida - diz o promotor Paulo Eduardo Vieira, de
Estância Velha, que denunciou Ruppenthal. Para o promotor, nem todos se surpreendem com o fato de que Ruppenthal não seria
mais um ambientalista. Um empresário do Vale diz que Ruppenthal queria sempre receber mais e mais resíduos, sem fazer a
manutenção adequada.
- A gente sabia que uma hora iria estourar - afirma o empresário, que entrega resíduos a outra empresa do Vale do
Sinos.
O secretário do Meio Ambiente de Estância Velha, Ivo Lauro Luft, diz que o engenheiro sempre foi "um homem simples". Segundo
o diretor Fernando Couto, o presidente da Utresa recebia R$ 8 mil mensais. Mas há números envoltos em nebulosas. Como uma
organização classificada como ONG sem fins lucrativos (veja quadro) tem, segundo consta do próprio site da Utresa, 4 mil
hectares para um projeto de produção de oleaginosas para biodiesel? Como Ruppenthal controlava tudo, apesar de a ONG ter oito
sócios, só ele teria a resposta.
O promotor Vieira vê a Utresa "como um kinder ovo, porque ninguém sabia o que se passava lá, nem mesmo os órgãos
fiscalizadores", e destaca o efeito pedagógico da punição:
- Este é o primeiro caso de prisão preventiva por delito ambiental confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado. É uma
resposta à sociedade e uma advertência às demais centrais de resíduos - diz.
A empresa
> A Utresa, de Estância Velha, atua desde o início dos anos 80 como central de tratamento de efluentes tóxicos. Recebe
resíduos industriais que são conservados em valas ou reciclados (como adubo, por exemplo). Foi criada por 48 empresas do Vale
do Sinos e se transformou em Oscip em 2001.
> Oscips são as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, espécies de ONGs sem fins lucrativos, mas que podem
remunerar seus diretores. Como Oscip, a Utresa poderia receber contribuições de outras empresas, via dedução do Imposto de
Renda. Uma Oscip, que não paga impostos como uma empresa privada comum, só é autorizada a funcionar se cumprir função pública
importante, na área social ou ambiental.
> A Utresa tem um cadastro com mais de 3 mil empresas clientes (que levam seus resíduos para tratamento).
Os crimes
O engenheiro químico Luiz Ruppenthal, fundador da Utresa, seu presidente e diretor técnico (cargos dos quais está afastado
por decisão da Justiça), foi denunciado pelo Ministério Público por 20 crimes ambientais que teriam resultado na poluição do
Rio dos Sinos em outubro do ano passado.
A Utresa foi denunciada por 17 crimes ambientais.
Além da empresa, outras cinco do Vale do Sinos estão sendo processadas pelo mesmo caso.
(Por Moisés Mendes,
Zero Hora, 08/03/2007)