A relação entre o impacto das mudanças climáticas, o interesse pelo etanol (motivo principal da visita do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao Brasil nesta semana) e as oportunidades nas negociações multilaterais foi objeto de intensas discussões provocadas pela passagem do diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, pela capital da República.
Depois de ter sido recebido em audiências com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com o chanceler Celso Amorim e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início desta semana, Steiner apresentou em linhas gerais o que pensa sobre “Os Desafios do Desenvolvimento Sustentável e as Respostas do Sistema Multilateral”, tema da palestra realizada no auditório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em síntese, o diretor do Pnuma discorreu sobre a encruzilhada que se instalou na diplomacia internacional com a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) que, segundo ele, praticamente consolidou um consenso científico acerca da tese de que a ação humana é a principal responsável pelo aquecimento global. Eleito em 2006 para um mandato de quatro anos à frente do Pnuma, ele salientou ainda que 60% dos ecossistemas do mundo não estão mais em condições de sustentabilidade e que será necessário reduzir a emissão de gás carbônico (CO2) em pelo menos 60% até 2050 para que a atmosfera possa se estabilizar.
O alerta mundial disparado pelos resultados desses novos estudos, destacou Steiner, fez tremer as bases do sistema multilateral que, há um ano, permanecia moribundo muito em função das negociações cambaleantes em torno do Protocolo de Kyoto (que define limite para a emissão de gases poluentes para os países signatários). Na visão do diretor da entidade ligada a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil é um dos três ou quatro países que podem dar nova vida às negociações multilaterais, buscando uma solução mais justa e igualitária em fóruns internacionais com base na lógica de que a natureza não pode ser considerada como “externalidade” e nem como algo que sofre “impactos” da ação humana, mas como um fator determinante para o funcionamento da economia global e para a sobrevivência de todos.
Steiner defende uma “estratégia mais inteligente para a globalização dos mercados” e considera fundamental que o Brasil compartilhe a sua experiência - comprovada em iniciativas como a redução significativa (52% a partir de 2004) dos índices de desmatamento da Amazônia e o desenvolvimento da tecnologia do combustível à base de cana-de-açúcar (etanol) - com as outras nações que fazem parte da ONU. “O Brasil pode ajudar a dar uma nova interpretação de como viver numa comunidade de sete bilhões de habitantes”, colocou. De acordo com ele, uma atuação mais ousada do país no plano externo - “não apenas porque tem direito, mas porque já está agindo” - pode favorecer o deslocamento da sustentabilidade para o centro da agenda internacional.
A partir do momento em que o aquecimento global deixa de ser um discurso técnico-científico e se torna um problema fundamentalmente ambiental (que não poderá ser solucionado com iniciativas isoladas, mas apenas e tão somente pelo conjunto das nações), as responsabilidades comuns aumentam e as responsabilidades diferenciadas precisam ser melhor definidas, engatou o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco. As vantagens comparativas brasileiras – como uma matriz energética com baixa dependência de combustíveis fósseis e o mais eficiente programa de biocombustíveis existente – são relevantes nesse processo, realçou o secretário. “O Brasil entra nesse cenário não para pedir, mas para oferecer”.
A atuação brasileira também pode imprimir uma lógica diferente nas relações internacionais. Tradicionalmente, os países pobres pedem recursos aos ricos para viabilizar programas de sustentabilidade ambiental. No caso do desmatamento da Amazônia, por exemplo, o Brasil já está fazendo a sua parte e tem aberta a possibilidade de pedir compensações financeiras para continuar reduzindo a devastação e as queimadas.
A defesa das compensações econômicas esteve no centro da explanação feita por Paulo Roberto Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). O multilateralismo precisa incorporar na prática uma “nova interpretação para o conceito de desenvolvimento” que incorpore “o valor dos serviços ambientais prestados pelo ecossistema”, disse Moutinho no evento com a presença do diretor do Pnuma. “É preciso que isso entre na conta”, adicionou, sugerindo que a Organização Mundial do Comércio (OMC) passe a reconhecer o lado econômico da preservação e sublinhando que a opção de manter uma floresta em pé é tão cara quanto a opção dos países ricos de mudar a matriz energética.
Para Luiz Pinguelli Rosa, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, os órgãos multilaterais precisam se debruçar sobre três problemas cruciais: os países desenvolvidos continuam longe das metas (2008-2011) do Protocolo de Kyoto; os países pobres continuam repetindo os padrões de produção e consumo (intensivos em energia) dos países ricos; e a diferença entre os ricos e pobres dentro de cada país continua reproduzindo o abismo em escala mundial.
Etanol
A mitigação dos impactos do aquecimento global - queda da produção de alimentos, disseminação de doenças tropicais, redução da disponibilidade de recursos hídricos, etc. –tem se voltado para a redução da emissão de gases poluentes e para a redução da utilização de combustíveis fósseis. Na opinião do físico e consultor independente Roberto Kishinami, no entanto, as previsões nesse sentido não são muito otimistas e a probabilidade realista de que o aquecimento global seja contido por essas medidas não é das maiores.
Kishinami prega a concentração de esforços nas medidas de adaptação. Diante do quadro externo de demanda por biocombustíveis, o etanol vem sendo tratada prioritariamente como uma questão de mercado, com tratamento precário do ponto de vista socioambiental. Uma linha de ação concreta no sentido da adaptação, segundo ele, seria o estabelecimento de porcentagens específicas para biocombustíveis renováveis nas transações internacionais. “O ideal seria incluir cotas de biocombustível renovável e sustentável. E não ficar negociando apenas o valor do etanol como commoditie (mercadoria)”, completou o secretário Capobianco.
Moutinho, do Ipam, observou ainda que existe um limite para a produção de álcool: as vantagens de manter uma floresta em pé. Por isso ele reivindica a elaboração de um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Socioambiental, não para mostrar os possíveis prejuízos socioambientais decorrentes do PAC apresentado pelo governo federal, mas para identificar quais seriam as ações sustentáveis que podem trazer maiores ganhos econômicos ao país.
Dentro das medidas de adaptação, o consultor Kishinami coloca a necessidade de um programa que possa levar as informações relativas ao Aquecimento Global às populações excluídas – que estão sendo as primeiras a sofrer as conseqüências do fenômeno – e a elaboração de um Plano Nacional de Combate às Mudanças Climáticas que possa definir alternativas econômicas sustentáveis no bojo de um amplo debate democrático com participação de todos os segmentos da sociedade.
Marca
“O meio ambiente é o nosso maior ativo”, completou a ministra Marina Silva, no painel organizado pelo MMA. A presença do diretor do Pnuma e a convocação feita para a participação mais ativa do Brasil no cenário internacional podem ser entendida como uma “alavanca de um processo virtuoso”, definiu a ministra. Uma reunião no Brasil no meio do ano com chanceleres e ministros do Meio Ambiente de países-chave na discussão da governança global acerca de temas relativos ao meio ambiente foi praticamente acertada na conversa de Steiner com o presidente Lula.
O desafio colocado, seguiu Marina, consiste na “mudança da narrativa nesse momento de estranhamento do homem com a sua obra”. A humanidade já fez tudo para ter terras, para ter dinheiro, para ter tecnologia, e agora para ter marcas. Hoje, as marcas estão em todos os lugares, mas a riqueza se concentra em quem detém as marcas, e na maioria das vezes quem detém as marcas são empresas dos países ricos.
Marina defendeu a construção de uma marca diferente que represente um novo encontro do homem com o meio ambiente, fundamentada na ética que não se sustenta apenas em narrativas midiáticas, mas que está fincada na realidade, na sobrevivência das pessoas.
(Por Maurício Hashizume,
Agência Carta Maior, 07/03/2007)